Preso no 8 de
janeiro e golpistas acampados foram ao GSI de Heleno antes da posse de Lula
Conforme
avançam as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos
Antidemocráticos na Câmara Legislativa do Distrito Federal, aumenta a suspeita
sobre uma figura-chave do bolsonarismo: o general da reserva do Exército
Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Ele
era o chefe do GSI durante a crise do acampamento golpista em frente ao
Quartel-General (QG) do Exército em Brasília (DF) e foi convocado pela CPI para
explicar sua atuação. O depoimento de Heleno ainda não tem data para ocorrer.
A
suspeita dos deputados consultados pela reportagem é que o GSI tenha dado apoio
aos golpistas que invadiram os prédios públicos: “pelo que nós apuramos até
agora, tem a participação direta do GSI [no 8 de janeiro] por omissão, mas
também integrantes deles participando daqueles atos”, disse o presidente da
CPI, deputado Chico Vigilante (PT-DF). “[Havia] pessoas deles [GSI] dentro do
acampamento, ‘dando força’, e depois [participaram] no processo de depredação
que aconteceu”, acrescentou.
A
desconfiança dos integrantes da CPI se fortalece com a revelação do grupo de
pessoas que estiveram no órgão entre a derrota de Bolsonaro e o fim de seu
governo, entre novembro e dezembro passados, cujos registros oficiais de
entrada no Palácio do Planalto foram obtidos em primeira mão pela Agência
Pública via Lei de Acesso à Informação.
A
lista revela visitas de um dos golpistas presos em flagrante após a invasão às
sedes dos Três Poderes e de agitadores do acampamento golpista em frente ao
Quartel-General (QG) do Exército; de disseminadores de fake news, militares que
desacreditaram o sistema eleitoral, congressistas de direita, entre outros.
“Pediremos a lista completa de visitantes e
dos servidores do GSI, para identificarmos se há, entre os investigados pelo
STF, funcionários ou ex-funcionários do órgão envolvidos”, disse à Pública o
deputado Fábio Félix (PSOL-DF), membro titular da CPI.
Ele
também afirmou que há suspeitas de “infiltração de servidores do GSI no
acampamento”, com possíveis hostilidades contra policiais federais que vigiavam
as atividades no local. A Pública revelou que a Polícia Federal (PF) teve
problemas no monitoramento em frente ao QG do Exército, em especial após a
invasão à sede da PF em Brasília – em 12 de dezembro passado, após a prisão do
pastor indígena Serere Xavante.
“[Ouvir]
o general Heleno é fundamental, juntamente com o general [Gustavo Henrique
Menezes] Dutra [ex-comandante militar do Planalto], e o coronel [Paulo Jorge
Fernandes da Hora] que estava no comando [do Batalhão da Guarda Presidencial]
no Palácio do Planalto no dia da invasão”, afirmou o relator da CPI, o deputado
Hermeto (MDB-DF).
• Amigo de Michelle Bolsonaro preso após a
invasão esteve no GSI
Ao
todo, 49 pessoas visitaram o gabinete do GSI entre 1º de novembro e 31 de
dezembro passado, boa parte delas sem qualquer ligação com a área de segurança,
razão de ser do órgão. Há pessoas ligadas ao setor de saúde, pequenos
empresários do setor de serviços, advogados e até mesmo uma suposta dona de
estacionamento em Brasília.
Nem
todas as visitas, porém, estão descoladas do foco de trabalho do GSI. Entre os
motivos alegados por pessoas ouvidas pela Pública, há desde reuniões para
discussão do cenário de segurança cibernética no país a encontros com membros
do Ministério Público, passando por visitas burocráticas – para entrega de
documentos, por exemplo.
Considerando
a recente tentativa de golpe, o visitante do GSI que mais se destaca é o
influenciador Romário Garcia Rodrigues, conhecido nas redes como “Gay
Nordestino Bolsonariano”. Segundo o material obtido pela Pública, ele visitou o
órgão então comandado por Augusto Heleno na manhã de 18 de novembro passado, oficialmente
entrando no Palácio do Planalto às 11h02.
De
acordo com o Superior Tribunal Federal (STF), Romário Garcia foi um dos mais de
1400 presos em flagrante por envolvimento no 8 de janeiro, acusado pelos crimes
de “atos terroristas, inclusive preparatórios”, “associação criminosa”,
“abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, “golpe de Estado”,
“ameaça”, “perseguição” e “incitação ao crime”.
Próximo
da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, ele ficou preso por envolvimento na
invasão do 8 de janeiro por cerca de dois meses, até ser libertado
provisoriamente a mando do ministro Alexandre de Moraes em 13 de março passado,
segundo o STF. Sem qualquer vínculo profissional com a área de atuação do GSI,
Garcia também frequentou o acampamento na frente do QG do Exército, conforme
suas redes sociais – consultadas pela Pública durante o processo de apuração.
Os
registros mostram que Garcia possivelmente foi acompanhado da empresária
bolsonarista Taís Avelar Numeriano de Sá, que entrou às 11h01 – mais uma pessoa
sem vínculo com a área de segurança, foco do GSI. Em suas redes, ela tem uma
foto ao lado do então presidente Jair Bolsonaro, em 12 de janeiro de 2022, no
gabinete presidencial.
Os
registros não informam, porém, quem os dois teriam encontrado no órgão então
comandado pelo general Heleno, nem o assunto tratado por ambos no GSI.
Chama
atenção que, meia hora antes da entrada dos dois, o youtuber Michel Ivonoe
Santos Fontes também tenha ido ao GSI, às 10h28.
Dono
do canal Michel Notícias, com 82,8 mil inscritos no Youtube, ele é mais um dos
visitantes do GSI sem vínculo com a área de segurança. Fontes mantém uma página
no Facebook com mais de 229 mil seguidores, onde promove lives quase diárias
sobre política a partir da ótica bolsonarista.
Ao
menos segundo suas redes, ele teria estado na invasão do 8 de janeiro, com
vídeos também publicados na véspera. Em um deles, ele descreve a movimentação
no QG na noite de 7 de janeiro: “QG de Brasília, lotado, tomado pelos patriotas
de todo o Brasil, e muitas caravanas chegando”. É possível ainda ouvir no vídeo
um homem falando no microfone “faltam algumas horas para nós marcharmos pela
liberdade!”. O conteúdo chegou a mais de 13 mil visualizações e 2,7 mil likes.
Em
outro de seus conteúdos, os acampados gritam “Selva! Selva! Selva!”. O termo
militar soa como “selma”, tal como no código “festa da Selma”, usado por
bolsonaristas para convidar pessoas para a invasão no 8 de janeiro sem serem
barrados pela moderação das redes, como revelado pela Pública.
O
canal de Fontes revela que ele esteve acampado na frente do QG do Exército. Um
de seus vídeos mostra bastidores da frustrada tentativa de desmonte do local no
dia 29 de dezembro, quando a cúpula militar impediu a desmobilização.
No
material, está registrado o momento que agentes de segurança do DF retiram-se
da área, sob gritos e xingamentos dos acampados. Até o fechamento deste texto,
o vídeo tinha 26 mil visualizações e 3,6 mil curtidas no Youtube.
Vale
lembrar que, à Pública, os militares já disseram que o desmonte foi cancelado
naquele dia porque “o Comando do Exército decidiu pela mudança de modelo da
operação”, sem mais detalhes.
A
reportagem buscou a defesa de Romário Garcia para saber o motivo de sua visita
ao GSI e sua possível relação com Taís Numeriano. Mas a advogada dele – a
candidata derrotada a deputada estadual Valdete Miranda (PL-BA), pivô de uma
suposta ameaça ao atual ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA), nas eleições
– sequer reconheceu sua responsabilidade pela defesa de Garcia, dizendo apenas
que seus clientes no caso “estão respeitando as medidas cautelares determinadas
pelo ministro Alexandre de Moraes”.
À
Pública, Michel Fontes disse que foi ao GSI porque “teve um dia do Nordeste lá,
eu sou nordestino, aí eu ‘tava lá em Brasília e fui lá acompanhar, só. Teve uns
cantor (sic) que eu gosto de forró”. A reportagem tentou obter mais detalhes,
mas ele encerrou a chamada e não atendeu mais. Taís Numeriano não retornou até
o fechamento desta reportagem; caso se manifeste, o texto será atualizado.
• No GSI, ex-assessor de Carlos Jordy
gravou ameaça velada contra posse de Lula
Ex-secretário
parlamentar do deputado Carlos Jordy (PL-RJ), dos nomes fortes da extrema
direita no Congresso, o carioca Tacimar Hoendel Silva de Holanda foi outro dos
visitantes no GSI de Heleno. Com 354 mil seguidores no Instagram, ele ostenta
fotos com Jair e Eduardo Bolsonaro, além dos comentaristas Allan dos Santos e
Paulo Figueiredo, influentes no bolsonarismo.
Hoendel
possivelmente estava acompanhado do policial militar do Rio de Janeiro Ivan de
Araújo Lima – auto-intitulado Cabo Ivan Araújo nas redes – na ocasião. Os dois
tiveram suas entradas no GSI registradas, respectivamente, às 15h23 e 15h24 do
dia 17 de novembro passado.
O
ex-assessor de Jordy postou várias fotos tiradas no acampamento em Brasília,
onde foi um dos principais agitadores, entre novembro e dezembro. Candidato
derrotado a deputado estadual pelo Rio de Janeiro em 2022, Hoendel registrou
sua visita ao GSI na internet, tal como Araújo – que postou vídeos e fotos de
sua ida ao Planalto.
Menos
de uma hora após sua entrada, Hoendel publicou um vídeo no Facebook intitulado
“Se for preciso a gente acampa, mas o l@drãO [sic] não sobe a rampa” – mesmo
lema de protestos bolsonaristas que defendiam que o presidente Lula não fosse
empossado.
A
grafia cifrada do termo “ladrão” serve para tentar driblar a moderação das
redes sociais, que tende a derrubar afirmações golpistas e desinformativas. O
conteúdo de Hoendel foi visto mais de 3,7 mil vezes, com 1,1 mil curtidas e 128
comentários no Facebook.
Como
noticiado pelo portal UOL em dezembro passado, Tacimar Hoendel ilustraria o
modo como Jair Bolsonaro se comunicava, cifradamente, com os golpistas
acampados em frente aos quartéis.
As
imagens do vídeo confirmam seu local de gravação, o 2º andar do Palácio do
Planalto, onde ficavam as salas do GSI à época. No material, o ex-assessor de
Carlos Jordy afirma: “Infelizmente não posso falar as coisas que passam pela
minha cabeça, senão vou acabar sendo preso. Mas vocês podem ter certeza:
bandido nenhum vai subir essa rampa”.
No
Twitter, o Cabo Ivan fez uma postagem na mesma linha. Ele exibe a rampa do
Palácio do Planalto e diz: “O ladrão não vai subir”.
Uma
foto publicada por outro bolsonarista, o blogueiro Allan Frutuozo, fortalece os
indícios da presença de Hoendel e Cabo Ivan no acampamento golpista. Dono do
canal e site Vista Pátria, ligado à extrema direita, Frutuozo está ao lado de
ambos na imagem, captada em frente ao QG do Exército: “Firmes na luta pelo
Brasil”, escreveu o blogueiro em 25 de novembro. A foto teve mais de 2,2 mil
curtidas.
À
Pública, Cabo Ivan inicialmente disse que não se recordava da visita ao GSI e
que não lembrava se teria ido acompanhado de Tacimar Hoendel. “Na verdade eu
nem sei aonde é!”, disse Araújo.
A
reportagem então perguntou se ele se lembrava de ter ido ao Palácio do
Planalto, ao que ele respondeu “acho que fui em novembro”. Logo depois, admitiu
que visitou o prédio com Tacimar Hoendel: “Então, eu não conversei com ninguém.
Na verdade eu quase nem entrei lá. Eu só fui acompanhar ele”, afirmou. Disse
que a visita durou cerca de 15 minutos e que só ficou “esperando”. Questionado
sobre sua relação com Hoendel, Araújo disse que o havia conhecido “há pouco
tempo”.
A
Pública enviou perguntas a Tacimar Hoendel, para entender o motivo de sua
visita ao GSI e sua relação com o acampamento golpista em frente ao QG do
Exército, mas não houve retorno até o fechamento da reportagem. Caso se
manifeste, o texto será atualizado.
• Militar da reserva que assinou carta golpista
também foi ao GSI
A
lista de visitantes também revela a presença de um militar que publicamente
questionou as eleições, o general-de-divisão da reserva do Exército Humberto
Francisco Madeira Mascarenhas, mais conhecido nas redes como General Madeira.
Ex-comandante
da 8ª Região Militar do Exército, Madeira esteve no órgão comandado pelo
general Heleno em 8 de novembro passado, quando trabalhava no gabinete do
deputado federal Coronel Armando (PL-SC) – atualmente secretário de Defesa
Civil de Santa Catarina no governo do bolsonarista Jorginho Mello (PL). O
deputado apoiou os acampamentos em frente aos quartéis, como se vê em suas
redes.
A
ligação de Madeira com Coronel Armando ganha relevância a partir de uma
postagem feita pelo congressista em 7 de novembro, véspera da ida de seu
assessor ao GSI. No conteúdo, Armando cita o relatório das Forças Armadas sobre
as eleições, que seria divulgado no dia seguinte à visita de Madeira. Como já
se sabe, o relatório do ministério da Defesa não apontou indícios de fraude no
sistema eleitoral.
Semanas
após sua visita ao GSI, o General Madeira foi um dos 221 militares que
assinaram uma carta aberta, de teor golpista, endereçada aos comandantes das
Forças Armadas. O documento pedia apoio às demandas dos acampados – em outras
palavras, apoio à intervenção militar, tão aventada na frente dos quartéis.
Defensor
do voto impresso, Madeira também deu declarações ambíguas sobre as eleições na
esfera bolsonarista da internet. “Se ocorrer alguma coisa em decorrência de
ilegalidades, essa ilegalidade não será enfiada goela abaixo. Sem querer
sugerir alguma coisa, nós já vimos que historicamente as Forças Armadas nunca
ficaram, nunca deixaram de socorrer à nação”, disse o militar em entrevista ao
podcast Fala Glauber, pouco antes do segundo turno.
A
Pública enviou perguntas ao ex-deputado Coronel Armando, para entender qual o
motivo da ida de seu então assessor General Madeira ao GSI durante a crise dos
acampamentos golpistas, mas não houve resposta até o fechamento do texto. Caso se
manifestem, a reportagem será atualizada.
A
lista obtida pela Pública revela também visitas de outros congressistas de
direita e seus assessores ao GSI, como o deputado federal Dr. Luiz Ovando
(PP-MS) e sua assessora Fabíola Fraga no fim da tarde de 9 de novembro – dia da
divulgação do relatório das Forças Armadas sobre o sistema eleitoral.
À
época, o deputado era vice-líder do PP na Câmara dos Deputados. A ida ao GSI
foi registrada em suas redes, com uma foto sua ao lado do general Heleno. Uma
semana após a visita, Ovando deu declarações questionando o resultado das
eleições à emissora Jovem Pan.
A
Pública apurou junto ao gabinete de Ovando que ele conheceria o general Heleno
“há algum tempo” e que sua visita ao GSI teria sido “de cortesia, para entender
o panorama político pós-eleições e discutir como posicionar a direita em
relação às pautas” do futuro governo.
A
lista obtida pela Pública mostra ainda visitas do deputado Rodrigo de Castro
(União-MG), aliado do deputado federal e ex-governador de Minas Gerais Aécio
Neves (PSDB), com sua entrada registrada às 10h07 de 14 de dezembro, e da então
assessora parlamentar sênior do ex-senador Fernando Collor (PTB-AL), Lúcia
Feijó Barroso, que foi ao GSI às 11h41 do dia 4 de novembro, pouco após o
segundo turno, e às 16h36 de 8 de dezembro, antes da diplomação do presidente
Lula.
Fonte:
Por Caio de Freitas Paes e Laura Scofield, da Agência Pública
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