sexta-feira, 31 de março de 2023

O que é 'Cova dos Leões', nova milícia palestina 'jovem e raivosa'

A tensão e a violência entre as forças israelenses e palestinas nas ocupadas Cisjordânia e Jerusalém Oriental aumentaram desde o início deste ano, com um grupo palestino em particular despontando como protagonista: a "Cova dos Leões" (Areen al Usud, em árabe).

O grupo militante recém-formado, que surgiu na antiga cidade de Nablus, no norte da Cisjordânia, é conhecido por estar por trás de uma série de ataques contra soldados e colonos israelenses.

Seus membros e apoiadores são principalmente jovens palestinos, e eles afirmam estar acima da tradicional lealdade entre facções que moldaram a política palestina nas últimas décadas.

Mas quem são eles e quão significativa é sua presença?

·         'Jovens palestinos descontentes'

"A Cova dos Leões é um grupo de palestinos jovens, descontentes e furiosos, a maioria na faixa dos 20 anos, eles não fazem parte de nenhuma facção política que temos na Cisjordânia ou em Gaza, e são essencialmente um grupo focado na luta contra a ocupação israelense", explica Ibrahim Jibril Dalalsha, diretor-executivo do Horizon Centre for Political Studies, com sede na cidade de Ramallah, na Cisjordânia.

O grupo armado atua principalmente na cidade de Nablus, particularmente no bairro de al-Yasmina.

Eles conseguiram recrutar dezenas de jovens palestinos nos últimos meses.

Embora o grupo não tenha vínculos formais com nenhum grupo político existente, alguns membros foram filiados a grupos políticos no passado, segundo especialistas.

"Eles são um grupo apartidário, trabalhando para uma única milícia, embora alguns deles tenham estado envolvidos em grupos específicos antes da Cova dos Leões, como a Jihad Islâmica ou as Brigadas dos Mártires de al-Aqsa, Hamas ou Fatah", afirma Dana el Kurd, cientista política da Universidade de Richmond, nos EUA.

·         Como começou?

O grupo foi chamado inicialmente de Batalhão Nablus em fevereiro de 2022. Naquela época, não tinha mais de 10 militantes.

Eles se inspiraram no Batalhão de Jenin, um grupo militarmente ativo do campo de refugiados de Jenin.

Em agosto de 2022, Ibrahim al-Nablusi, um combatente veterano, e outros dois militantes foram mortos pelas tropas israelenses durante a invasão de uma casa em Nablus. A morte de al-Nablusi teria contribuído para uma mobilização mais ampla.

Acredita-se que a primeira aparição oficial da Cova dos Leões tenha acontecido no verão passado, durante uma cerimônia em Nablus em memória dos combatentes mortos pelas forças israelenses.

No início de 2023, alguns membros proeminentes do grupo foram presos ou mortos pelo exército de Israel, todos acusados de realizar ataques contra alvos israelenses.

Fotos e vídeos dos combatentes circularam nas redes sociais, principalmente no TikTok. Meses depois, dezenas de homens armados mascarados desfilaram pelos becos do centro histórico de Nablus.

Isso foi particularmente preocupante para a Autoridade Palestina e os serviços de segurança israelenses.

"O aumento da impunidade israelense, o aumento da repressão, o aumento da atividade de assentamento e o enfraquecimento da resposta internacional e regional, a estagnação política e econômica em curso — [todos esses fatores] provocaram a criação deste grupo", diz Dana el Kurd.

·         Este grupo tem apoio popular?

O grupo conseguiu capturar o imaginário de jovens palestinos "que estão rejeitando o status quo e a velha política binária que o Fatah e Hamas representam", de acordo com el Kurd, e há algumas evidências de que o grupo tem apoio significativo entre os palestinos.

Segundo uma pesquisa realizada em dezembro pelo Centro Palestino para Políticas e Pesquisas com moradores da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, mais de 70% apoiam a formação de grupos armados independentes, como a Cova dos Leões.

Os analistas dizem que o envelhecimento da liderança palestina é uma das razões pelas quais os jovens são atraídos para este recém-formado grupo de resistência armada.

Muitos membros desses grupos se distanciaram da Autoridade Palestina.

"Eles acreditam que a Autoridade Palestina está politicamente falida e não pode alcançar a independência política por meios pacíficos. Portanto, eles sentem que lutar na resistência é o que traria uma solução para o conflito", diz Ibrahim Dalalsha.

O grupo também é popular nas redes sociais. Centenas de palestinos responderam a um apelo por solidariedade enviado pelo canal da Cova dos Leões no Telegram, que tem mais de 130 mil seguidores.

Os participantes foram convidados a subir nos telhados e gritar o takbeers (uma proclamação da grandeza de Deus) para se solidarizar com os militantes que atacam alvos israelenses.

Em todas as províncias da Cisjordânia e Jerusalém Oriental ocupadas, jovens palestinos entoavam a frase: 'a Cova é invencível'.

·         Como é a relação com a Autoridade Palestina?

A Autoridade Palestina é o órgão que governa as regiões autônomas palestinas da Cisjordânia, estabelecida como parte dos Acordos de paz de Oslo entre Israel e a Organização de Libertação da Palestina (OLP). As cidades e vilarejos palestinos são em sua maioria governados pela Autoridade Palestina, que é dominada pela facção secular Fatah. Uma facção diferente, o Hamas, está no controle da Faixa de Gaza, e é menos proeminente na Cisjordânia.

Muitos jovens palestinos que lutam junto a grupos armados recém-criados nem sequer eram nascidos quando os Acordos de Oslo foram assinados em 1993.

"A liderança dominante da Autoridade Palestina e do partido no poder Fatah não está feliz com o grupo por muitas razões", diz Dalalsha.

"Acho que foi tomada uma decisão estratégica para tentar cooperar com o grupo, em vez de desmantelá-lo à força."

Fontes privadas dizem que a Autoridade Palestina tem tentado convencer o grupo a abandonar o militarismo armado e se juntar aos serviços de segurança palestinos.

Ela conseguiu conquistar alguns membros, mas os líderes do grupo se recusaram a entregar as armas e insistiram que continuariam lutando até o fim.

"Alguns membros da Cova dos Leões podem criticar, mas se recusam a entrar em conflito com a Autoridade Palestina", diz Ibrahim Dalalsha.

"Se você for contra a Autoridade Palestina, isso vai te colocar em conflito direto, se não com toda a população palestina, com uma grande parte dela. Acho que eles estão tentando evitar isso."

·         Qual é a visão de Israel?

Israel vê a Cova dos Leões como uma "organização terrorista". Em fevereiro deste ano, as forças de segurança israelenses entraram em Nablus matando 11 palestinos, seis deles membros da Cova dos Leões, de acordo com uma postagem compartilhada no canal do Telegram do grupo.

Após a incursão de quatro horas, as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) informaram que "incrementaram" sua operação depois que suas tropas foram alvejadas por atiradores palestinos.

"Vimos a ameaça e tivemos que entrar e terminar o trabalho", declarou o tenente-coronel Richard Hecht, porta-voz da IDF, em entrevista a jornalistas.

Israel isolou recentemente várias áreas ao redor de Nablus e Jerusalém Oriental usando barricadas de areia e blocos de cimento.

"A resposta israelense tem sido bastante forte", observa Dana el Kurd.

"Mas eles [a Cova dos Leões] ainda serão influentes e podem gerar imitações ou interesse em se juntar a eles."

De acordo com Ibrahim Dalalsha, eles podem ter influência na política dos territórios palestinos.

"Não é fácil para eles prevalecer em termos de alcançar sua grande causa, que é a libertação e acabar com a ocupação. Mas acho que sua existência e sua atividade estão causando muitas perturbações e desafios para a Autoridade Palestina e para os israelenses", avalia.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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