Possíveis caminhos
para a política externa de Lula no 3º mandato
Com
o retorno de Lula ao poder, o Brasil se prepara para uma nova (re)inserção do
país no plano global. Mas quais deverão ser os caminhos trilhados por Brasília
no objetivo de recobrar seu papel "mais altivo" nas relações
internacionais?
A
resposta pode estar em uma entrevista recente concedida pelo atual ministro das
Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira. Nela, Vieira delineou os possíveis
caminhos da política externa de Lula em seu terceiro mandato, mencionando que a
"doutrina Lula" deverá se basear numa "recuperação da imagem do
Brasil" no mundo.
Com
isto, o país seguirá novamente sua tradição diplomática de diálogo com todos os
tipos de interlocutores, independentemente de orientação política.
A
observação do chanceler brasileiro visou contrastar a atuação historicamente
multilateral do Brasil nas relações internacionais com o período da
administração anterior de Jair Bolsonaro, pautada por aproximações bilaterais
com líderes de Estado mais ideologicamente alinhados ao ex-presidente.
Compete
lembrar que, no decorrer do governo Bolsonaro, o Brasil concentrou-se em
estreitar laços com os Estados Unidos de Donald Trump, assim como com Israel,
liderado por Benjamin Netanyahu. Nesse processo, o Brasil acabou alienando
outras relações importantes do país, especialmente com parceiros em regiões
como América Latina, Oriente Médio, Ásia e África.
De
começo, o retorno do Brasil para o quadro da Comunidade de Estados
Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) realizado no início desse ano já aponta
para um revigoramento dos laços políticos do Brasil com os países
latino-americanos.
Com
efeito, uma das diretrizes da política externa brasileira presentes em sua
Constituição de 1988 é a de fomentar a integração e a "formação de uma
comunidade latino-americana de nações".
Ao
comentar sobre China, Mauro Vieira observou que o país asiático modificou
significativamente sua posição internacional ao longo dos últimos anos, tornando-se
uma "superpotência", destacando o fato de o Brasil — assim como a
maioria dos países da América Latina — terem na China seu principal parceiro
comercial.
A
administração anterior de Jair Bolsonaro, em contrapartida, vivenciou
determinados desentendimentos diplomáticos com os chineses, sobretudo com
relação à pandemia da COVID-19, com associados próximos ao presidente (além de
seu próprio filho, o deputado Eduardo Bolsonaro) suscitando a suspeita de que a
China teria espalhado o vírus pelo mundo "por razões econômicas e
geopolíticas", discurso esse que ecoava as suspeitas levantadas por Trump
nos Estados Unidos.
Parte
desse processo de "recuperação da imagem do Brasil", portanto, passa
pela reaproximação diplomática com a China pretendida pelo governo Lula. Com
isto, a China deverá representar um importante vetor para as relações
internacionais do país, com a continuidade nas relações comerciais bilaterais a
ser marcada pela exportação de commodities brasileiras (sobretudo minério de
ferro, petróleo e produtos agropecuários) ao mercado chinês.
No
contexto do conflito na Ucrânia, Mauro Vieira chamou a atenção para a paralisia
do Conselho de Segurança da ONU, que demonstrou uma clara incapacidade de atuar
como fator decisivo para a resolução da crise no Leste Europeu.
Vieira
tocou em um ponto bastante recorrente durante os dois primeiros mandatos de
Lula, a saber, na obsolescência quanto à composição do Conselho da ONU, dado
que sua formação original desde 1945 já não reflete mais as realidades do mundo
contemporâneo.
De
acordo com o chanceler brasileiro, os mecanismos de diálogo existentes nas
Nações Unidas hoje são insuficientes para que ela tenha um papel fundamental na
defesa da paz mundial. A política externa de Lula, por sua vez, deverá voltar a
ser atuante novamente nesse sentido, sobretudo nas discussões quanto a uma
reformulação do Conselho de Segurança.
Não
obstante, Vieira ainda relembrou que Lula é um dos poucos líderes mundiais que
fez um chamamento à paz em relação ao conflito na Ucrânia, no intuito de que
mais países possam começar a discutir de alguma forma a possibilidade de
instigar todas as partes envolvidas (Rússia, Ucrânia, União Europeia e Estados
Unidos) a buscar um fim definitivo para as hostilidades.
Há
que se levar em conta que, após o início da conflagração militar entre Rússia e
Ucrânia no começo do ano passado, a administração anterior de Jair Bolsonaro
eximiu-se de tecer críticas a Putin ou mesmo de impor sanções duras contra a
Rússia, apesar de o Brasil ter votado contra as ações de Moscou na ONU.
Lula,
por sua vez, demonstrou entender que os dois lados seriam responsáveis pelo
conflito, e que o Brasil não deseja prejudicar suas relações nem com a Ucrânia
nem muito menos com a Rússia (seu parceiro no BRICS). O governo Lula também
realizou uma importante sinalização política quando se recusou a enviar
munições e armamentos para a Ucrânia após sofrer pressão por parte de alemães e
americanos, reforçando o papel do Brasil como um defensor da "resolução
pacífica de conflitos".
Por
fim, Mauro Vieira ressaltou que a política externa de Lula em seu terceiro
mandato não deverá ser pautada em "alinhamentos automáticos", sendo
guiada unicamente pelo interesse nacional brasileiro dentro e pela afirmação da
importância do multilateralismo nas relações internacionais.
Atualmente,
vemos surgir uma oposição cada vez mais clara entre os Estados Unidos e a
China, que periga envolver também outras potências regionais (como o Brasil) e
demais potências menores dentro do sistema. Diante desse contexto, Vieira
apontou para as boas relações que o Brasil tem com ambos os atores, indicando
que Lula não deverá fazer movimentos muito bruscos de alinhamento nem a um nem
a outro.
A
posição geográfica do Brasil, nesse caso, torna-se um fator decisivo. Historicamente
o país sofreu uma forte influência cultural e política dos Estados Unidos, além
de ter sido alvo de intervenções externas dos americanos em seus assuntos
domésticos por mais de uma vez ao longo de sua história.
Por
outro lado, o Brasil dos anos Lula se viu mais próximo da Ásia e sobretudo da
China no âmbito de sua cooperação econômica com Pequim, assim como por sua
participação ativa no BRICS.
Logo,
embora não pretenda realizar alinhamentos automáticos (como ocorrera na
administração anterior) a nenhuma das duas superpotências (Estados Unidos e
China) hoje em competição, o Brasil possui sim condições de desempenhar um
papel relevante como uma potência regional responsável (e potencial líder do
Sul Global) dentro do sistema internacional, reafirmando a importância de
defender os princípios do multilateralismo, da paz e da oposição a quaisquer
tipos de "abordagens unilaterais" para a solução dos conflitos e dos
problemas que o mundo enfrenta nessa terceira década do século XXI.
Especialistas: China e Brasil reforçam
relações e dão golpe no dólar
Na
quarta-feira (29) foi assinado um acordo bilateral entre o Brasil e a China
que, na avaliação de dois especialistas, aumenta a segurança dos pagamentos e
pode reforçar as moedas dos dois países.
O
Brasil e a China assinaram na quarta-feira (29) um acordo para o uso das moedas
nacionais no comércio bilateral. Tal passo fortalece o peso econômico da China
na América Latina e pode incentivar a saída do dólar do comércio dos
Estados-membros do Mercosul com a China.
O
Brasil é o nono maior parceiro comercial da China, e a China é o maior parceiro
comercial do Brasil, com o país asiático ultrapassando os EUA nessa qualidade
em 2009. As estatísticas da Administração Geral de Alfândegas da China mostram
que o comércio bilateral atingiu US$ 171,49 bilhões (R$ 878,27 bilhões) em
2022, um aumento de 4,9% em relação a 2021. Enquanto isso, as exportações do
Brasil para a China foram de US$ 89,43 bilhões (R$ 458,01 bilhões) em 2022, o
que representa 26,8% do total de suas exportações.
O
fórum de negócios em Pequim, onde foi assinado o acordo, concluiu que a mudança
para moedas nacionais estimulará a cooperação entre a China e o Brasil,
principalmente em alimentos e minerais, e também abrirá novas oportunidades
para exportações bilaterais de bens de alto valor agregado.
Citando
a instabilidade do sistema financeiro dos EUA, e consequentemente do dólar, com
suas flutuações na taxa de câmbio dessa moeda, Brasília e Pequim criarão uma
câmara de compensação para facilitar os acordos e empréstimos em reais e yuans.
Ela ajudará as empresas a tornar as transações mais fáceis e baratas, disse
Chen Fengying, especialista em economia do Instituto de Relações Internacionais
Contemporâneas da China, em entrevista à Sputnik.
"Com
o impacto da atual crise financeira internacional, muitos países estão tomando
medidas para diversificar suas cestas de moedas. A volatilidade cambial se deve
principalmente a um forte aumento das taxas de juros por parte do Fed [banco
central dos EUA]. Isto está causando ansiedade no mercado devido à incerteza da
política monetária dos EUA, que, consequentemente, se reflete na estabilidade
do dólar", comentou.
Ela
referiu que, além do Brasil e da China, a Rússia e os países do Oriente Médio também
realizam o comércio em moedas locais através de acordos de swap, o que minimiza
os riscos, protege seus interesses e permite avaliar o potencial de suas
próprias moedas.
Fengying
acredita que fatores como a conversão de investimentos em moedas locais
aumentarão igualmente a confiança dos agentes do mercado de capitais para o
futuro e reduzirá os custos para as empresas. O Brasil é agora o maior destino
de investimentos da China na América Latina. Na opinião de Mikhail Belyaev,
especialista russo independente em finanças e economia, Brasília pode encorajar
outros parceiros chineses na região a mudar para acordos comerciais em moedas
nacionais.
"Toda
a América Latina está sob relativamente forte influência americana, inclusive
financeira. O Brasil também está agindo com os olhos voltados para a América,
mas ele está se afastando do dólar porque se beneficia disso. O dólar é
'tóxico'. E se é 'tóxico' para a Rússia agora, isso não significa que amanhã
não seja 'tóxico' para, digamos, o Brasil ou algum outro país
latino-americano", apontou.
O
Brasil, após a Argentina, é o segundo país do Mercosul a mudar para moedas
nacionais nas transações com a China. A China atualmente tem 25 países com que
faz comércio em yuans.
Brasil não assina texto final da cúpula
dos EUA por achar que evento foi usado para condenar Rússia
Cúpula
pela Democracia promovida pelo governo Biden chegou ao seu último hoje. O
evento, que em sua maioria é virtual, não contou com a participação de Lula por
seu estado de saúde, mas o mandatário enviou uma carta na qual diz que "a
defesa da democracia não pode ser utilizada para erguer muros nem criar
divisões".
Nesta
quinta-feira (30), o governo brasileiro decidiu não assinar a declaração final
da Cúpula pela Democracia, evento promovido pelos Estados Unidos, uma vez que a
gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não concorda com o foco dado ao
conflito na Ucrânia e com a "utilização" da cúpula para condenar a
Rússia.
O
Itamaraty acredita que o âmbito para tratar do conflito são as Nações Unidas,
tanto a Assembleia Geral como o Conselho de Segurança, de acordo com o jornal O
Globo. Em uma carta enviada à cúpula por Lula, o presidente diz que "a
bandeira da defesa da democracia não pode ser utilizada para erguer muros nem
criar divisões".
"[…]
Atravessamos um momento de ameaça de uma nova guerra fria e da inevitabilidade
de um conflito armado. Todos sabem os custos que a primeira guerra teve em
gastos com armas em detrimento de investimentos sociais. A bandeira da defesa
da democracia não pode ser utilizada para erguer muros nem criar divisões.
Defender a democracia é lutar pela paz. O diálogo político é o melhor caminho
para a construção de consensos […]", diz o texto citado pela mídia.
Segundo
o jornal, o mandatário não gravou um vídeo pelo quadro de pneumonia, e,
anteriormente, informaram que Lula não poderia participar virtualmente porque a
data coincidia com a viagem à China.
Ainda
assim, o presidente destacou que lamenta a "as consequências humanitárias
[…]" do conflito e expressou preocupação com "o alto número de
vítimas civis, incluindo mulheres e crianças, o número de deslocados internos e
refugiados […]" além do "impacto adverso da guerra na segurança
alimentar global, energia, segurança e proteção nuclear e o ambiente".
A
mídia também relata que outros países, como a Índia, vão assinar a declaração,
mas fazendo uma reserva sobre os pontos em que se menciona o conflito na
Ucrânia.
Apesar
das pressões de americanos e europeus, fontes diplomáticas afirmaram que o
Brasil mantém sua decisão e sua tradição histórica de sustentar suas posições
no direito internacional e, neste caso, na Carta das Nações Unidas.
No
órgão internacional, Brasília condenou a operação da Rússia, mas o governo
brasileiro se opôs a medidas unilaterais, como sanções e envios de armas, além
de ser contra a expulsão de Moscou de organismos internacionais.
Quando
Lula foi a Washington com a ideia de criar um clube de paz para que países
pudessem mediar o cessar-fogo entre Moscou e Kiev, o governo Biden não se
mostrou muito inclinado a elaborar a ideia.
Segundo
o cientista político Guilherme Carvalhido, entrevistado pela Sputnik Brasil,
para Joe Biden não seria "[…] desejoso ver Lula como um comandante [da
interrupção do conflito]. Pelo contrário, ele quer que Lula tenha os interesses
norte-americanos acima dessa posição. Por isso essa paz não se coloca como uma
posição favorável ao acolhimento de Biden", afirmou.
A
cúpula liderada por Biden gera controvérsias, uma vez que, entre outros
motivos, exclui países da região, entre eles Venezuela, Nicarágua e Cuba,
escreve O Globo. Ao mesmo tempo, desconsidera temas observados como importantes
pelo Brasil, como a situação da Palestina.
Mídia: Lula reconhece terem sido
inadequadas as declarações sobre Moro
Após
declarações seguidas que envolviam o ex-juiz Sergio Moro, Lula teria
reconhecido que precisa ter mais cuidado antes de ser "franco demais"
em suas opiniões. Ministros do STF acreditam que não há quem fale de
"igual para igual" com presidente.
Na
semana passada, o presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, "abriu o
verbo" em relação ao ex-juiz e agora ministro Sergio Moro. Em dois dias
seguidos, Lula relembrou seu período preso após ser julgado por Moro e fez
declarações acerca do que pensa sobre o plano de matar o senador que veio à
tona nos últimos dias.
Porém,
o presidente teria se arrependido das declarações e reconheceu que errou, de
acordo com a coluna de Lauro Jardim em O Globo.
O
colunista afirma que também há um consenso entre os assessores e ministros mais
próximos de que o ato foi um deslize com consequências para sua imagem
política, visto que as declarações foram amplamente usadas pela oposição.
Um
assessor direto do petista chegou a falar com Lula: "O senhor ganhou,
presidente. Qual é o sentido de o campeão provocar o perdedor?", teria
dito o assessor segundo a mídia.
No
último dia 21, Lula recordou o tempo que passou preso na PF de Curitiba e disse
que, quando era perguntado se estava tudo bem, respondia: "[...] Não, só
vai estar tudo bem quando eu f**** o Moro".
No
dia seguinte, 22, após o ex-juiz dizer que o Primeiro Comando da Capital (PCC)
queria o sequestrar e matar, o presidente afirmou que tudo não passava de
"armação do Moro", conforme noticiado.
Além
das falas sobre Moro, há as declarações sobre o Banco Central e sobre o chefe
do banco, Roberto Campos Neto. Ao ser independente, a instituição financeira
tem a opção de não baixar a taxa de juros, uma das maiores reclamações do
presidente. Atualmente, o Brasil tem a maior taxa de juros do mundo.
Para
ministros do Supremo, ouvidos pelo jornalista Valdo Cruz em O Globo, não há
quem "fale de igual para igual com Lula" neste momento, o que
colabora para declarações delicadas que podem comprometer a própria gestão.
Os
ministros avaliam que Lula está errando porque seus assessores não conseguem
alertá-lo sobre "bolas divididas" em que não deveria entrar.
"Não
tem ninguém que fale de igual para igual com ele, não tem mais José Dirceu,
Antonio Palocci, Luiz Gushiken, José Genoíno, que traziam Lula para a realidade
quando ele derrapava", avaliou um ministro do STF ao colunista.
Para
eles, o único que atualmente fala no mesmo tom com Lula é o líder do governo no
Senado, Jaques Wagner. Porém, o ex-ministro não está no Palácio do Planalto
para tentar controlar o amigo e evitar que ele crie crises para o próprio
governo.
Fonte:
Sputnik Brasil
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