Racismo, misoginia
e extrema-direita são combustíveis ideológicos de ataques em escolas
Ataques
cruéis como os que ocorreram essa semana em São Paulo são de chocar um país
inteiro. A professora Elisabete Tenreiro, a Beth, tinha 71 anos e foi
assassinada covardemente pelas costas momentos antes de iniciar a aula por um
aluno de 13 anos. Elisabete é uma das muitas vítimas de ataques como esses que,
nos últimos 20 anos, somaram ao menos 16
casos no país.
As justificativas mais superficiais passam por culpar os games, a desagregação
familiar ou supostas doenças mentais. O bullying evidentemente é fator
recorrente em cada um deles, mas não explica. Há um padrão recorrente em praticamente
todos os casos e que se vincula profundamente ao racismo e à misoginia. Esses
elementos, profundamente enraizados na cultura patriarcal e escravocrata
brasileira, parecem ter selado uma sinistra aliança com a ascensão da
extrema-direita bolsonarista dos últimos anos – tudo embalado num estranho
simulacro de massacres norte-americanos, a exemplo de Columbine, em 1999. É
parte das terríveis tragédias do neoliberalismo e a angústia é que tenha
pousado no Brasil com intenção de ficar. O crime na escola Thomazia Montoro
escancara tudo isso no detalhe.
A
gota d’água, como conta um outro aluno da Beth,
foi uma agressão racista que o jovem de 13 anos proferiu contra um colega. Na semana
anterior, ele chamou o colega de “macaco”, o que deu início a uma briga que
Beth apartou. O fim de semana passou e o colega que sofreu a agressão racista
não compareceu à escola na segunda. Beth foi assassinada. É comum em ataques
como esses as vítimas serem mulheres. Das 12 crianças mortas em Realengo, em
2011, 10 eram meninas. Das 5 vítimas do massacre na creche em Saudade (SC), 2
eram mulheres e outras 3 eram bebês. No dia anterior ao massacre de Suzano, os
dois assassinos postaram no fórum Dogolachan que após a ação eles se
encontrariam “diante de Deus com nossas 7 virgens”. Tudo cheira a misoginia.
No
twitter, o assassino de Beth usava o mesmo sobrenome que
um dos assassinos de Suzano, uma clara homenagem. A balaclava de caveira do
assassino de Beth é a mesma que foi utilizada em Suzano e em Aracruz, e é símbolo de
supremacistas brancos norte-americanos. A ideologia da supremacia branca esteve
presente em incontáveis massacres nos Estados Unidos das últimas duas décadas,
a começar por Columbine. Todos esses assassinatos estão envoltos em um sinistro
e pavoroso caldo de misoginia, machismo, racismo, LGBTfobia, supremacismo
racial e culto à violência - todos elementos que o bolsonarismo e a
extrema-direita vêm tentando naturalizar em nossa sociedade. As palavras viram
ações e, naquela “piadinha” ou “brincadeirinha” que ouvimos todos os dias por
aí, está contida mais violência do que pensamos.
Como
algumas pessoas vem denunciando há anos, esse caldo corre no submundo da
internet faz um certo tempo e o caso do Dogolachan se tornou o mais conhecido.
Mas há muitos outros. A professora e escritora Lola escreve sobre
essa gente há algum tempo em seu blog, traçando padrões, denunciando as
asquerosas e criminosas ameaças que já recebeu, e mostrando como a misoginia e
o racismo é cadeira cativa desses espaços. Esse fórum (Dogolachan), foi criado
por Marcelo Valle Silveira Mello, condenado a 41 anos de cadeia em 2018 por
crimes de divulgação de pedofilia, racismo, terrorismo, e por aí vai. Chegou a
planejar o assassinato de estudantes das Ciências Sociais da UNB nos anos 2000.
Em
espaços como esses, é comum compartilharem conteúdo tipo “gore” (com corpos de
mulheres mortas, restos mortais, etc.), substituem a palavra “mulher” pela
expressão “depósito” (de esperma), celebram massacres que ocorrem mundo afora,
louvam assassinos no Brasil (como foi o do caso de Realengo) e nos EUA (como o
de Columbine) e incentivam jovens incels a cometerem os seus próprios crimes. É
uma compilação de tudo o que de mais asqueroso e reacionário a humanidade já
conseguiu produzir. Um ódio visceral e mórbido às mulheres. Uma misoginia e
racismo cuja anonimidade dos fóruns permite fluidez sem culpa (e sem medo de
consequências). Esse tipo de site recebeu muita exposição nos últimos anos e já
migrou para distintos espaços, proliferou-se na superfície e na deep web. Mesmo
o Twitter é palco, como foi o caso dessa semana em que o assassino foi narrando
o planejamento da ação tweet a tweet. A intenção é ganhar fama entre os pares,
espetacularizar o sofrimento.
A
lista de conexões entre esse mundo dos massacres e tudo o que envolve ideologia
de extrema-direita é imensa. São legítimos filhos, ou mesmo primos, do olavismo
e do bolsonarismo. Mas entre todos esses elementos, talvez a misoginia e o
racismo sejam os mais presentes - ambos elementos correntes no crime essa
semana. Esses fóruns não criaram a misoginia ou o racismo. Tampouco a
LGBTfobia, o culto à violência, a apologia ao nazismo ou o ódio à esquerda.
Nada disso é criação de nenhuma dessas pessoas. Tudo isso está enraizado
historicamente em nossa sociedade capitalista, e esses jovens e adultos de
extrema-direita, mergulhados nesse caldo reacionário, envalentados por um
bolsonarismo que busca naturalizar essas violências, inebriados pela
espetacularização dos estadunidenses, trazem isso tudo à tona de forma brutal.
É como se cavassem debaixo da terra escravocrata, patriarcal e profundamente
violenta da nossa sociedade e desovassem todo esse horror de uma vez só sobre
nós.
Como
escrevemos em outro texto, é preciso (e possível) um programa que
evite que terrores como esses ocorram novamente. O texto é
categórico: "Como é possível um professor identificar casos de problemas
psicológicos ou comportamentais lidando com 40 alunos por aula? Tendo que se
dividir em 7, 10, 14, 16 turmas e tendo quase 700 alunos por ano? Mas ainda
assim, quantos casos são identificados e as escolas nada podem fazer por não
ter o menor amparo. A tragédia na Thomazia Montoro precisa servir para nos
fazer lutar por uma escola com sentido e esse sentido no capitalismo, esse
sistema brutalizador, é o sentido da luta e da nossa união, que batalhe por
demandas mínimas e necessárias, que podem evitar manhãs como essa nas escolas.
Precisamos
de contratação imediata de psicólogos e profissionais de saúde e da assistência
social dentro das escolas, para professores e alunos. Contratar mais e efetivar
todos os professores, agentes escolares e funcionários terceirizados das
escolas. Revogar o desastre chamado Novo Ensino Médio de forma integral e o
conjunto das reformas, conceder auxílios e bolsas aos estudantes, para que não
deixem de estudar para trabalhar e principalmente atender alunos em extrema
vulnerabilidade social."
Ao
mesmo tempo, é preciso também identificar os problemas desde a raíz, combatendo
esse caldo de reacionarismo e violência em seu berço, organizando mulheres,
negros, LGBTs, estudantes, professores e trabalhadores em geral para combater o
racismo, a misoginia, a LGBTfobia e todas as opressões das quais o capitalismo
se utiliza para manter seu domínio.
Ø
A ideologia de
extrema-direita de Tarcísio e Bolsonaro é responsável pela misoginia e
violência contra professoras
A
tragédia na escola Thomazia Montoro doeu em cada um de nós. A imagem da
professora Elizabeth de 71 anos, está gravada na nossa memória. Assim como devemos
lembrar da brava professora Cintia, que num ato de extremo cuidado e entrega ao
ambiente escolar e, em última instância, um ato grande de solidariedade de uma
professora à nossa classe, se arriscou para salvar uma colega professora e
imobilizar o agressor, tirando de sua mão a faca que usou para atacar
professores e estudantes e assassinar a professora Elizabeth.
Nas
escolas de todo país, na televisão e jornais, nos grupos de WhatsApp e redes
sociais, esse foi o tema mais importante do dia e certamente seguirá. Seguirá
pelos atos em solidariedade, pelas ações em diversas escolas em homenagem às
vítimas, pela revolta das professoras e professores que já não aguentam mais
viver situações trágicas como essa dentro das escolas.
O
tema seguirá também na boca e nos planos daqueles que são os mais profundos
responsáveis por fabricar tragédias como essa: o Estado brasileiro, seus
governos e a sua burguesia. Esses são os que ano após anos alimentam o discurso
de ódio contra os professores, os culpam pela precarização do ensino e reprimem
todas as vezes que saímos a lutar pela educação da nossa juventude, vimos isso
nos vários anos de PSDB com Alckmin e só se aprofundou nos anos de avanço da
extrema-direita, do movimento Escola sem Partido e de governo Bolsonaro. Também
são os mesmos que colocaram a educação na mais extrema precarização e
degradação com as reformas, principalmente a do ensino médio, as privatizações
e os ataques ao conjunto da população, que segue amargando a fome, desemprego,
trabalho precário e pobreza, questões sociais que refletem drasticamente no
cotidiano escolar e que também são reveladas pelo fato da professora Elisabeth
ter 71 anos e seguir trabalhando, como é a realidade de muitas professoras.
O
discurso de ódio de Bolsonaro e bolsonaristas estimula a violência nesse
ambiente e consequentemente, deixa o solo fértil para que ideias como as dessa
repugnante extrema-direita se desenvolvam enquanto ideologia. Não é por acaso
que repressão e policiamento ostensivo dentro das escolas é a resposta que dão
o governador bolsonarista Tarcísio de Freitas e o privatizador secretário de
educação Renato Feder.
Querem
que a mesma polícia que reprime, oprime e assassina os jovens nas periferias
esteja também no ambiente escolar. Querem que acreditemos que a solução para os
problemas e para a crise que eles mesmos criaram, seja seu braço armado, a
polícia que caceta e espanca professores em greves e mobilizações por melhorias
na educação. Vindo do governador Tarcísio de Freitas não é uma novidade, já que
a única política para a juventude que consegue ver é o encarceramento e a
redução da maioridade penal, que defendeu ainda em campanha eleitoral. Para
eles a equação é simples, precarizam a vida, esvaziam de sentido a educação e
fazem das escolas caldeirões cheios de contradições, prestes a explodir, para
depois responder com a militarização e repressão aos estudantes. São
incontáveis os casos de violência, assédio e opressão dentro de escolas
controladas por militares. Querem nos fazer engolir essa falsa e absurda
solução para nossa revolta e tristeza com o que vivemos hoje.
Essa
resposta do governo é diretamente a criminalização dos nossos estudantes e a
forma de nos dividir dentro das escolas, como se o grande problema desse imenso
caos que vivemos fosse da juventude. A situação precária das escolas não é
percebida nas gigantescas rachaduras das paredes e nos buracos na lousa. Também
estão na condição de salas de aulas lotadas, falta de funcionários, professores
exaustos e um ensino médio que literalmente empurra os estudantes para fora das
escolas para trabalhar e abandonar o ensino. Nas escolas convivemos com a fome,
o desemprego e subempregos das famílias, uma educação totalmente esvaziada de
sentido, crianças e adolescentes adoecendo psicologicamente sem que a escola
possa ser uma base de apoio, com profissionais da saúde e da assistência
social, sem boa alimentação.
Como
é possível um professor identificar casos de problemas psicológicos ou
comportamentais lidando com 40 alunos por aula? Tendo que se dividir em 7, 10,
14, 16 turmas e tendo quase 700 alunos por ano? Mas ainda assim, quantos casos
são identificados e as escolas nada podem fazer por não ter o menor amparo.
A tragédia na Thomazia Montoro precisa servir para nos fazer lutar por uma
escola com sentido e esse sentido no capitalismo, esse sistema brutalizador, é
o sentido da luta e da nossa união, que batalhe por demandas mínimas e
necessárias, que podem evitar manhãs como essa nas escolas.
Precisamos
de contratação imediata de psicólogos e profissionais de saúde e da assistência
social dentro das escolas, para professores e alunos. Contratar mais e efetivar
todos os professores, agentes escolares e funcionários terceirizados das
escolas. Revogar o desastre chamado Novo Ensino Médio de forma integral e o
conjunto das reformas, conceder auxílios e bolsas aos estudantes, para que não
deixem de estudar para trabalhar e principalmente atender alunos em extrema
vulnerabilidade social.
A
nossa mais profunda e contínua solidariedade às vítimas e à comunidade escolar
da Escola Estadual Thomazia Montoro, será a nossa união dentro das escolas,
para colocar de pé a nossa resistência e colocar para fora nossa dor e revolta,
fazendo jus ao ato de heroísmo da professora Cintia, que Feder e Tarcísio de
Freitas nenhuma podem tirar de nós, com demagogias românticas e falsas da
enorme cara de pau de quem criminaliza a educação, a juventude e os
professores, e fomenta essa extrema-direita policialesca.
Essas
demandas só podem ser conquistadas com nossa mobilização independente dos
governos, por isso já passou da hora da Apeoesp, Sinpeem e todos os sindicatos
da educação organizarem em cada unidade escolar debates, reuniões e ações
contra os ataques e constantes perdas que vivemos todos os dias na educação.
Toda
a nossa solidariedade à comunidade escolar da Thomazia Montoro e à família e
amigos da professora Elisabeth! Estaremos ombro a ombro em cada luta e
demonstração de força que precisamos ter agora para batalhar por nossas
demandas, contra a ideologia da extrema direita e a precarização
Fonte:
Esquerda Diário
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