quinta-feira, 30 de março de 2023

BNDES quer novo fundo para a Amazônia e coalizão de bancos contra desmatamento

O BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) planeja criar um novo fundo voltado à preservação da Amazônia e incentivar instituições financeiras internacionais a negarem crédito a quem desmata no Brasil.

O BNDES já levou ao BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) a sugestão de barrar o crédito aos criminosos ambientais, durante a reunião ocorrida neste mês no Panamá. Foi oferecida à instituição a mesma ferramenta usada para monitoramento via satélite no Brasil, o MapBiomas.

O banco interamericano deve enviar representantes ao Brasil em abril para estudar a possibilidade de aplicação da ferramenta em suas próprias análises de crédito.

O BNDES começou neste ano a usar o MapBiomas para atender a uma regra de 2022 do Banco Central, que impede a concessão de financiamento de crédito rural destinado a propriedades suspeitas de destruir a floresta em suas propriedades.

A ferramenta, uma das referências em monitoramento da floresta no mundo, cruza imagens de satélite com o banco de dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural) do solicitante e identifica se há indícios de desmatamento ilegal naquele imóvel.

Segundo o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, desde que a instituição começou a usar a ferramenta do MapBiomas, em fevereiro, o BNDES barrou 58 pedidos de crédito, que somam quase R$ 25 milhões.

No mesmo mês, o Brasil bateu recorde de desmatamento na Amazônia e no cerrado. No acumulado para todo o mês de fevereiro, a área com alertas foi de 321,9 km² na Amazônia. O índice representa um crescimento de 62% em relação ao ano passado (198,6 km²), que era, até então, o mais alto da série histórica iniciada em 2015.

A ideia, segundo Mercadante, é que agilizar o processo de suspensão de créditos e ampliar esse mecanismo para outros países ajude a coibir a destruição da floresta.

"Identificamos 58 grandes propriedades que tinham desmatado uma área equivalente a 1300 campos de futebol. E dessas, só 3 recorreram [após terem o pedido indeferido]. Ou seja, a metodologia é eficiente", avalia

As atividades que mais tiveram financiamento negado foram a soja, com 17 pedidos -e mais de R$ 12 milhões- e a criação de gado bovino de corte, com 15 -e R$ 5 milhões.

Tocantins foi o estado com maior valor de crédito negado, R$ 6 milhões, seguido de Pará (R$ 3,6 milhões) e Rondônia (R$ 3,1 milhões). Por outro lado, em quantidade de pedidos indeferidos, Paraná e Rio Grande do Sul superam inclusive os estados do Norte -as negativas, no entanto, somam montante menor, respectivamente R$ 1,8 milhão e R$ 1,3 milhão.

De acordo com Mercadante, a metodologia já é aplicada a todos os 30 bancos que operam o Plano Safra do BNDES, o que significa que ela também é usada por instituições privadas que venham a ser acionadas pelos produtores rurais.

Antes, explica o presidente do banco, esse procedimento para verificar se o produtor havia cometido crime era feito via Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), que comunicava o banco quando identificava o crime. Mercadante diz que esse processo por vezes demorava, e, por isso, o uso da ferramenta da MapBiomas para a identificação de desmatadores, que funciona de forma automatizada e integrada ao sistema do banco.

"A nossa disposição é repassar a metodologia gratuitamente para que os outros bancos de desenvolvimento possam adotar o mesmo procedimento. Imagine se todos os bancos da região amazônica, de todos os países que tiverem o mesmo empenho", afirmou.

Ao mesmo tempo, o banco brasileiro articula a criação de um novo fundo de captação de recursos para projetos de preservação da Amazônia. A intenção é que o BNDES lidere uma agenda verde na região.

Na avaliação de pessoas envolvidas nas conversas, mas ouvidas sob condição de anonimato, o Fundo Amazônia é fundamental, porém tem limitações e, sobretudo, é considerado um mecanismo que demora a liberar o dinheiro para ser aplicado.

Nas conversas entre BNDES e representantes de países da região amazônica, durante o encontro do BID, foram apresentadas algumas demandas a serem supridas, como soluções regionalizadas, maior dinamização das fontes financiadoras e a necessidade de aplicação de recursos também como forma de criar alternativas à economias locais -muitas vezes dependentes das atividades ilegais que geral desmatamento.

A ideia do BNDES é se unir com o BID -e, potencialmente, outros bancos de desenvolvimento- para criar um novo fundo.

Atualmente, o Fundo Amazônia é gerido pelo BNDES e funciona apenas a partir de doações de governos estrangeiros e empresas nacionais.

De acordo com essas pessoas, a proposta inicial é que o fundo paralelo seja operacionalizado por diversos bancos de desenvolvimento, atuando não só a partir de doações, mas também com recursos reembolsáveis.

Segundo Natália Dias, diretora do BNDES, a ideia é também dar importância a iniciativas ligadas à bioeconomia.

Com mais operadores, o novo fundo teria mais capilaridade para captar recursos e mais agilidade na aplicação do dinheiro em projetos destinados à preservação da Amazônia.

"Os bancos de desenvolvimento são o canal mais eficaz para implementar a transição, pois reúnem ao mesmo tempo a capacidade de mobilização de capital de diversas fontes, e por outro e tem a expertise na estruturação e análise de projetos", afirmou Dias.

Detalhes mais profundos acerca do funcionamento do fundo, como a existência de metas para liberação de recursos ou condições e taxas das negociações, ainda estão em conversa. A expectativa é que, até agosto, eles sejam elaborados.

Dias reitera, no entanto, a importância do Fundo Amazônia como instrumento de preservação da floresta.

Até aqui, foram 102 projetos contratados pelo fundo, para um total de R$ 1,8 bilhão investido. 61% deste valor foi destinado ao setor público, 32% para iniciativas estaduais e 27% para a União.

Também é discutida a realização de uma cúpula de bancos de desenvolvimento no Brasil, onde a expectativa é que esses temas sejam colocados em pauta.

 

       Expectativas e incertezas rondam a Terra Yanomami em fase pós-garimpo

 

A retirada de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami segue acontecendo em Roraima. Com o prazo final para o fechamento integral do espaço aéreo sobre o território se aproximando, até mesmo apoiadores do garimpo na região estão reforçando o pedido das autoridades federais para que os invasores deixem a reserva.

A Folha de Boa Vista informou que um grupo pró-garimpo em RR intensificou os apelos pela saída voluntária dos garimpeiros antes de 6 de abril. “Há muitas desinformações. Pessoas maldosas dizem que a operação já vai acabar e que as forças federais vão embora. Isso é grave, pois quem estiver lá depois do dia 6, corre risco de vida”, afirmou Jailson Mesquita, porta-voz do grupo.

O fim do garimpo – ou, ao menos, sua diminuição significativa – na Terra Yanomami já parece evidente para aqueles que vivem em seu entorno. Pela Agência Pública, Rubens Valente e Evilene Paixão conversaram com moradores de três vilarejos nas proximidades do território indígena. Para eles, a economia garimpeira até gerou alguma renda, mas foi para poucos e quase nada ficou na região.

“O dinheiro do garimpo não trouxe benefício para a população daqui, como posto de saúde, escola, asfalto, rede de esgoto. Não aconteceu nada na vila”, lamentou Laurício Oliveira Chaves, servidor da Prefeitura de Mucajaí. “As pessoas estavam trabalhando, tirando o recurso daí de dentro, o minério, essas coisas, e indo pra fora. Não fica nada aqui no nosso estado.”

A situação do garimpo na Terra Yanomami ainda está distante de ser resolvida. Mesmo com a saída da maior parte dos cerca de 20 mil garimpeiros que invadiram o território na última década, bolsões de atividade garimpeiras persistem no interior da reserva, desafiando as forças federais que atuam na região desde o começo de fevereiro.

O New York Times publicou uma reportagem especial sobre o combate ao garimpo no território, destacando as dificuldades enfrentadas pelos agentes do IBAMA e da Polícia Federal e os reflexos da atividade garimpeira nas comunidades indígenas que ainda sofrem com uma grave crise humanitária.

O texto ressaltou o impacto da omissão do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro no combate a ilegalidades no local. “Nos últimos quatro anos, vimos apatia, talvez intencional. Eles [governo Bolsonaro] falharam em agir, cientes de que estavam permitindo que uma crise humanitária acontecesse”, explicou o procurador da República Alisson Marugal, que investiga as responsabilidades da antiga gestão federal na crise Yanomami.

 

       Bolsonaro foi o presidente com menor gasto em ambiente desde FHC, diz relatório

 

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi o que menos gastou com meio ambiente entre seus pares desde 2000. Em seus quatro anos de gestão, a média anual gasta na área foi de R$ 2,8 bilhões por ano, em valores atualizados pelo IPCA, a menor desde os últimos anos da gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), informação mais antiga disponível no governo federal.

Os dados foram reunidos no relatório "Nunca Mais Outra Vez", publicado nesta segunda (27) pelo Observatório do Clima, que reúne 80 organizações da sociedade civil, movimentos sociais e institutos de pesquisa.

A rede também monitora anualmente os índices de emissões de gases estufa no país, e atribui ao governo Bolsonaro a maior alta em 19 anos.

Bolsonaro também bateu o recorde de aumento no desmatamento na Amazônia no seu governo, com alta de 60% em relação ao mesmo período anterior. A fiscalização, por sua vez, caiu: foram 40% a menos de multas aplicadas por desmatamento na área da floresta.

Na semana passada, a Advocacia-Geral da União do governo Lula (PT) aprovou pareceres que permitem a cobrança de R$ 29,1 bilhões em multas aplicadas pelo Ibama e barradas por Bolsonaro. Mais de um mês antes da decisão da AGU, o próprio órgão anulou despacho do governo que poderia levar à anulação.

Segundo o relatório, a promessa de campanha de Bolsonaro sobre não demarcar nem um centímetro de terra indígena também foi cumprida. O documento cita aumentos de 212% e 125% em invasões e no garimpo, respectivamente, nesses territórios. Os dados são do Conselho Indigenista Missionário e do MapBiomas.

O Observatório do Clima propõe mudanças em relação a decisões do governo Bolsonaro. A primeira é rever as pedaladas de emissões que o governo Bolsonaro registrou em 2022 na UNFCCC (sigla em inglês para Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima).

A pedalada consistiu na mudança nas emissões de 2005, que são a referência para que, em 2030, o Brasil atinja a meta climática de reduzir em 43% as emissões de gases-estufa. Como os dados de 2005 foram alterados para baixo, o compromisso também diminuiu.

Outra medida é revogar a licença prévia da BR-319, projeto de rodovia para conectar Manaus a Porto Velho. Levantamento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) a pedido do Observatório do Clima apontou que o desmatamento no entorno da BR-319 cresceu 122% de 2020 a 2022, após a concessão da licença.

 

       Ministério dos Transportes quer que IBAMA mantenha licença de Bolsonaro para asfalto da BR-319

 

Os dados do Observatório do Clima sobre o aumento de 110% da taxa de desmate na área da BR-319, que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO), com a perspectiva do asfaltamento do “trecho do meio” da rodovia, parecem não sensibilizar o Ministério dos Transportes. Segundo Guilherme Amado, do Metrópoles, o ministro Renan Filho tem a obra como uma das prioridades de sua pasta e tenta negociar com o IBAMA a manutenção da licença prévia, dada às pressas no governo Bolsonaro.

Fabrício Galvão, diretor-executivo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), ligado ao Ministério dos Transportes, pediu uma reunião com o presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho, para discutir o assunto. Recentemente, Agostinho disse que o órgão estava revendo a licença e que o governo tomaria medidas se detectasse irregularidades no licenciamento. Também o Ministério Público Federal (MPF) fez uma série de recomendações.

Renan Filho reconhece que se trata de uma obra problemática do ponto de vista ambiental. Mas deixa claro que vai tentar tirá-la do papel: “É uma rodovia que tem um entrave ambiental considerável. Então estamos dialogando para fazer uma obra que garanta sustentabilidade ambiental. Não é prioridade a qualquer custo, mas o ministério deseja fazer”, disse o ministro dos Transportes.

Enquanto isso, na China, Jorge Vianna, ex-governador do Acre e presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), foi curto e grosso ao falar sobre o desmatamento da Amazônia. Em um seminário em Pequim com participação de vários representantes do agronegócio nacional – e também compradores chineses – , ele disse que governo e empresários deveriam reconhecer a devastação da floresta amazônica, em vez de tentar ocultá-la, informa o Estadão.

“Nós, brasileiros, deveríamos parar de dizer fora do Brasil que o Brasil não tem problema ambiental. Nós temos e faz muito tempo. Se nós reconhecermos o que já foi feito de equivocado, teremos maiores condições de defender aquilo de bom que estamos fazendo na Amazônia ou procuramos fazer.”

Mesmo pontuando que uma parcela dos produtores já adota medidas ambientalmente sustentáveis, Viana lembrou que dos 84 milhões de hectares desmatados na Amazônia ao longo dos últimos 50 anos, 67 milhões serviram à pecuária e outros 6 milhões ao plantio de grãos, segundo o Metrópoles.

Em tempo:

O Projeto Jari Pará REDD+, de conservação da floresta amazônica, vendeu créditos de carbono ligados a Terras Públicas sem autorização do Estado, mostra uma investigação da Context, plataforma de mídia da Thomson Reuters Foundation. Em 2020, dois anos depois da área ser declarada pública, o Jari Pará REDD+ recebeu aprovação para emitir créditos de carbono da Verra, organização líder no setor de certificação de compensações por emissões, tornando-se o maior projeto registrado da instituição no Brasil em termos de área. O projeto, informa a Reuters, cobre cerca de 497 mil hectares – área mais de quatro vezes maior do que Belém, capital do Pará. O Jari Pará faz parte de um programa REDD+ mais amplo no Vale do Jari, administrado por duas empresas privadas – a Jari Celulose, que produz celulose solúvel, e a Biofílica Ambipar Environment, especializada em compensações de carbono –, juntamente com a Fundação Jari.

 

Fonte: FolhaPress/ClimaInfo

 

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