Como a Justiça lida
com adolescentes que cometem atos como o ataque à escola em SP?
Casos
como o ataque a
faca em uma escola de São Paulo nesta semana costumam aquecer a
discussão em torno do tratamento de menores infratores pela Justiça.
Crianças
e adolescentes que cometem atos normalmente classificados como crimes pela
legislação não são processados pelo sistema criminal normal. Mas isso não
significa que eles não vão responder por suas atitudes na Justiça.
O
sistema de processamento de menores de 18 que cometem ilegalidades tem nomes
técnicos diferentes para os crimes e sanções, mas na prática se assemelha muito
ao sistema criminal, dizem juristas.
O
termo técnico para uma ilegalidade cometida por menores de 18 anos é “ato
infracional”. Atos infracionais são equivalentes a crimes, mas julgados em uma
instância especial da Justiça - as varas da infância e da juventude.
A
sentença do juiz pode estabelecer as chamadas “medidas socioeducativas”, que
são diferentes das penas do sistema criminal porque deveriam focar na educação
- mas que também podem restringir a liberdade da pessoa.
Para
casos de atos em que há violência ou grave ameaça à pessoa, a medida
socioeducativa pode ser a internação, ou seja, a criança ou adolescente fica
detida em uma instituição, explica Maíra Zapater, professora de direito penal e
processual penal na Unifesp e autora do livro Direito da Criança e do
Adolescente.
No
Estado de São Paulo, por exemplo, crianças e adolescentes infratores que são
internados vão para a Fundação Casa.
“O
que a lei coloca é que o juiz deve levar em consideração o suficiente para a
reprodução, educação e prevenção daquele delito”, explica a criminalista. A
internação também pode ser determinada se o adolescente descumprir várias vezes
medidas socioeducativas anteriores.
“A
internação é a medida socioeducativa mais rigorosa”, explica o criminalista
Raul Abramo. “É como se fosse uma prisão em regime fechado, com a distinção de
que o foco da internação deve ter o caráter formal de ser educativo.”
O
sistema socioeducativo foi criado com a intenção de oferecer mais oportunidades
de ressocialização para adolescentes e crianças, que biologicamente ainda estão
em fase de formação.
"As
medidas socioeducativas visam garantir atendimento social, psicológico,
psiquiátrico, se necessário, educação, cultura, esportes, profissionalização,
tendo mais efetividade na reeducação e ressocialização do jovem. Até para (o
adolescente) refletir sobre os graves danos que ele causou e sobre as
consequências dos seus atos”, afirma Ariel de Castro Alves, especialista em
políticas de direitos humanos e segurança pública pela PUC- SP e
recém-empossado Secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Na
prática, no entanto, é frequente que as instituições que recebem os menores
acabem tendo similaridades com presídios, segundo pesquisas realizadas por
instituições como o NEV-USP e a Universidade Federal do Maranhão, entre outras.
Isso
vale não só para as instituições, mas para a própria lógica de aplicação das
sanções.
“Na
prática, existe muito uma aplicação de uma mentalidade do sistema prisional no
sistema socioeducativo", afirma Maíra Zapater.
Para
Castro Alves, o sistema continua sendo preferível que enviar os adolescentes
para o sistema prisional.
“Na
prática, o sistema socioeducativo se aprimorou nos últimos anos e oferece os
atendimentos (psicossociais), diferentemente do sistema prisional, geralmente
superlotado e dominado por facções criminosas”, afirma.
As
decisões nas varas de infância e juventude também costumam sair mais rápido do
que no sistema criminal para adultos, no qual processos podem se arrastar por
anos.
“Os
processos na Justiça da infância e juventude são mais céleres. Em até 45 dias a
Vara da Infância e Juventude toma uma decisão”, aponta Castro Alves.
No
caso do adolescente que fez o ataque à escola em São Paulo, o Tribunal de
Justiça de São Paulo determinou, na noite de terça-feira (28/3), a internação
provisória.
O
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que a internação, antes da
sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de 45 dias.
·
Quanto tempo um adolescente infrator pode ficar detido?
Quando
um adulto comete um crime, o tipo e os limites mínimo e um máximo de pena são
estabelecidos pelo código penal. No caso das infrações das crianças e
adolescentes, no entanto, não existe essa determinação. É o juiz da vara da
infância que decide se a medida será internação e, caso seja, quanto tempo vai
durar.
A
internação pode ser renovada a cada seis meses com base em relatórios
psicossociais sobre o adolescente feitos profissionais como pedagogos, médicos
e psicólogos, explica Zapater.
O
limite para renovação da medida de internação é de 3 anos, mas isso não
significa necessariamente que o adolescente não terá que responder à Justiça
depois do fim desse período - ele pode ter outra medida socioeducativa
decretada.
“É
comum que após o fim da internação o Ministério Público peça outras medidas,
como a semiliberdade ou a liberdade assistida”, diz Abramo.
A
semiliberdade é parecida com o regime semi-aberto - o adolescente passa parte
do dia fora da instituição e precisa voltar para dormir, explica o
criminalista. Na liberdade assistida, o adolescente é acompanhado por um
orientador que faz relatórios periódicos sobre ele.
Além
disso, o adolescente pode acabar cumprindo medidas socioeducativas por mais
tempo caso cometa outro ato infracional.
Em
casos graves - como crimes muito violentos - também existe a possibilidade da
Justiça determinar internação psiquiátrica após o fim do período de internação
socioeducativa, explica Castro Alves.
“Se
laudos psiquiátricos demonstrarem que o adolescente gera riscos à sociedade,
podendo cometer novos crimes e tendo distúrbios psiquiátricos, ele pode acabar
ficando em internação psiquiátrica e não mais em internação socioeducativa. Já
existe jurisprudência que permite esse tipo de internação psiquiátrica após
medida socioeducativa”, afirma.
·
Tempo de vida
O
fundamento do limite de 3 anos de internação para menores é quanto tempo isso
corresponde à vida daquela pessoa, explica Zapater.
“No
caso de um adolescente de 12 anos, 3 anos é 1/4 da vida dessa pessoa”, explica.
Caso
o crime seja cometido quando o adolescente está prestes a completar 18 anos, a
Justiça pode decretar que a medida seja cumprida até ele completar 21 anos.
Nesse caso, ele continua internado na unidade socioeducativa entre os 18 e 21,
não é encaminhado para o sistema prisional, explica Raul Abramo.
A
lei determina que pessoas que estão internadas após os 18 anos sejam internadas
em unidades em que haja separação dessas pessoas das crianças e adolescentes,
mas na prática isso nem sempre é cumprido, diz Zapater.
Os
especialistas afirmam que, por não haver o estabelecimento em lei dos limites
das sanções, existem casos em que a sanção no sistema socioeducativo é mais
longa do que seria para um adulto.
“Existem
casos concretos de adolescentes que cometem crimes em coautoria com adultos e
por vezes o adulto vai sair numa liberdade condicional antes do adolescente
conseguir encerrar a internação”, explica Zapater.
“É
muito equivocada a ideia de que existiria impunidade dos adolescentes porque
eles ‘só ficam três anos’. Primeiro porque 3 anos é um tempo muito
representativo na vida dessa pessoa e depois porque as garantias do processo
penal, como progressão de regime e liberdade condicional, não se aplicam aos
adolescentes, porque em tese ele não está sofrendo uma pena”, diz ela.
Castro
Alves concorda. “O adolescente responde por seus atos, só não da mesma forma
que os adultos”, diz ele, que afirma que problemas como os atentados em escolas
não seriam resolvidos com o julgamento de crianças e adolescentes no sistema de
adultos.
“Medidas
de recrudescimento da legislação penal, principalmente quanto à redução da
maioridade penal, não evitariam esse tipo de atentado”, diz.
·
A realidade do sistema
Embora
em tese as internações devessem ser reservadas para casos excepcionais, na
prática, atos equivalentes a crimes contra a vida não são maioria entre os
cometidos por menores internados em instituições socioeducativas.
Os
homicídios correspondem somente a 5,6% dos casos de crianças e adolescentes
cumprindo medidas de internação, segundo a pesquisa mais recente do Sinase (o
sistema nacional socioeducativo), de 2019 (com dados de 2017). A maioria dos
casos de adolescentes internados é por furto ou roubo (43,7%) ou tráfico de
drogas (26,5%).
Dados
do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 apontam que as crianças e
adolescentes são muito mais vítimas do que infratores.
O
número total de adolescentes e jovens internados (incluindo as internações
provisórias) em 2021 foi de 13.884, segundo o anuário.
Enquanto
isso, crianças de até 13 anos representam, em média, 60% das vítimas de
estupros registrados. E apenas entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e
adolescentes de até 19 anos foram mortos de forma violenta no país.
Ø
Ataque
em escola: os 4 minutos em que a polícia de Nashville conseguiu interromper a
ação
O
mais recente ataque em massa com armas de fogo nos Estados Unidos foi
interrompido por policiais minutos depois de chegarem à Escola Covenant, na
cidade de Nashville.
A
ação começou às 10h10 no horário local (12h10 em Brasília) da segunda-feira
(27/3), quando Audrey Hale, de 28 anos, chegou à escola e se aproximou de uma
entrada lateral.
Houve
uma confusão inicial sobre a identidade de gênero de Hale — a polícia
inicialmente descreveu como uma mulher cisgênero e, posteriormente, disse que
Hale se identificava como um homem transgênero.
Hale,
que não tinha antecedentes criminais, era ex-aluno da escola e os policiais
acreditam que "ressentimento" pode ter sido o motivo para o ataque.
As
imagens do circuito interno de TV da escola mostram o que acontece a seguir:
portas de vidro se estilhaçam em uma rajada de tiros, permitindo a entrada de
Hale, que carregava consigo armamento pesado.
Nos
11 minutos seguintes, três crianças (Evelyn Dieckhaus, Hallie Scruggs e William
Kinney) e três funcionários (Cynthia Peak, Katherine Koonce e Michael Hill)
foram mortos a tiros. O ataque terminou com policiais matando Hale, quatro
minutos depois de chegarem à escola.
Aqui
está o que sabemos sobre como a tragédia se desenrolou.
·
O ataque começa
De
acordo com seus pais, Hale saiu de casa na manhã de segunda-feira carregando
uma bolsa vermelha, onde as autoridades acreditam que estavam as armas usadas
no ataque. Hale despistou a mãe quando questionado sobre o conteúdo da bolsa.
Não
está claro a que horas isso aconteceu ou quanto tempo se passou até Hale chegar
à Escola Covenant. As imagens de câmeras internas a mostram chegando ao
estacionamento da escola em seu carro por volta das 9h54.
O
zelador Michael Hill, 61, foi baleado através do vidro durante a primeira
disparada de tiros, às 10h10. A polícia recebeu a primeira ligação sobre o
tiroteio três minutos depois, às 10h13.
Em
entrevista coletiva na terça-feira (28), o chefe da polícia de Nashville, John
Drake, disse que a diretora da escola, Katherine Koonce, foi encontrada morta
em um corredor onde ocorreu um confronto com o atirador.
Não
está claro onde as outras vítimas foram encontradas. A polícia acredita que
nenhuma das vítimas foi alvejada individualmente.
·
Tiros contra a polícia
Quando
os policiais chegaram à escola, Hale atirou contra eles de uma janela do andar
de cima, atingindo uma viatura.
O
chefe de polícia, John Drake, disse que os investigadores acreditam que Hale
teve algum treinamento para atirar de uma posição elevada, colocando-se
ligeiramente atrás da janela para não ser um alvo fácil.
O
resto do que sabemos sobre a ação vem de seis minutos de filmagem de câmeras
corporais dos policiais Rex Engelbert e Michael Collazo.
A
filmagem mostra Engelbert em frente à escola e rapidamente se armando com um
rifle tirado do porta-malas de seu veículo. Não está claro a hora exata em que
isso ocorreu, pois a câmera corporal não exibe data e hora.
Quando
ele sai do veículo, uma mulher não identificada que estava na calçada diz a ele
que "as crianças estão todas trancadas", mas que duas crianças estão
desaparecidas. Logo depois, a mulher, que parece estar se comunicando com
funcionários lá dentro, afirma que "um bando de crianças" está no
piso superior.
Pouco
mais de um minuto depois de chegar, Engelbert e os outros policiais entram na
escola e começam uma varredura no primeiro andar antes de subir em direção ao
segundo, onde os tiros podem ser nitidamente ouvidos.
·
Policiais matam atirador
Em
imagens da câmera corporal do policial Collazo, um agente pode ser ouvido
dizendo "tem uma pessoa caída aqui", a quem Collazo responde:
"Continue indo". Os policiais então começam a correr por um corredor,
passando por uma vítima no chão.
O
vídeo mostra que Engelbert encontrou o atirador pela primeira vez depois de
dobrar uma esquina em um átrio de onde Hale parecia estar atirando.
Ele
dispara quatro tiros contra Hale, que cai no chão. Outros policiais disparam
mais quatro tiros e gritam para o atirador parar de se mover.
As
armas de Hale são então removidas enquanto ele aparece imóvel em frente à
janela do átrio.
O
tiroteio ocorreu menos de quatro minutos depois que os policiais chegaram à
escola em suas viaturas.
As
ações dos policiais — particularmente Engelbert e Collazo — foram elogiadas por
salvar a vida de outras vítimas em potencial.
Em
entrevista à CBS News, parceira de mídia da BBC nos Estados Unidos, Drake disse
que "poderíamos ter tido muito mais baixas do que tivemos".
"Eles
responderam imediatamente quando entraram, abordaram e mitigaram o
suspeito", acrescentou.
A
resposta em Nashville parece contrastar fortemente com as ações da polícia no
tiroteio de maio de 2022 na escola Robb Elementary em Uvalde, Texas.
Nesse
incidente, a polícia hesitou por 74 minutos, dando ao suspeito mais tempo para
matar. Um total de 21 pessoas, incluindo 19 crianças, morreram.
"Eu
diria que, em circunstâncias extremas, eles [Engelbert e Collazo] foram
além", disse o treinador da polícia Todd McGhee ao jornal local The
Tennessean. "Esses primeiros agentes de resposta cumpriram um modelo de
reação a um atirador ativo, como deve ser."
Ø
A
mensagem que atirador de Nashville enviou a ex-colega momentos antes de ataque
Averianna
Patton é considerada uma das últimas pessoas com as quais o atirador da escola
de Nashville, nos EUA, entrou em contato antes do ataque.
Na
manhã de segunda-feira (27/3), Patton recebeu no Instagram uma mensagem de seu
ex-colega de classe, que parecia deprimido e desesperado.
"Ele
disse que eu o veria no noticiário mais tarde e algo trágico estava para
acontecer", conta Patton à BBC News.
Ela
ligou imediatamente para a polícia.
"Eu
não sei contra o que ele estava lutando... Mas eu sabia que era uma coisa
(relacionada à saúde) mental, sabe?", diz Patton.
"Quando
recebi a mensagem, algo me disse que eu simplesmente deveria ligar (para a
polícia) e ter certeza que estava fazendo tudo o que podia."
Porém,
em poucos minutos, Audrey Hale, de 28 anos, atacou a Escola Covenant, onde matou três
crianças de nove anos e três funcionários adultos.
"Mais
tarde, descobri que aquilo não era uma brincadeira, não era uma piada. Foi
(Hale) quem fez aquilo", continua Patton.
"Tem
sido muito, mas muito pesado."
Patton
relata que a polícia foi à casa dela naquela tarde para revisar as mensagens de
Hale.
"Ainda
estou tentando entender o que estamos passando e encontrar soluções para evitar
que isso aconteça novamente", diz.
Patton,
que é uma personalidade da TV local e também atua como influenciadora nas redes
sociais, conta que ela e o atirador já foram companheiros de equipe no mesmo
time de basquete durante o Ensino Médio.
O
suspeito, disse Patton, às vezes parecia "reservado".
O
atirador manteve contato com as companheiras de equipe ao longo dos anos e,
ocasionalmente, até compareceu a eventos realizados na cidade.
Houve
uma confusão inicial sobre a identidade de gênero de Hale — a polícia
inicialmente o descreveu como uma mulher cisgênero e, posteriormente, disse que
Hale se identificava como um homem transgênero.
Patton
acrescenta que viu o atirador pela última vez no início deste mês.
Agora,
ela se volta para a mesma questão que atormenta os residentes de Nashville e do
resto dos EUA: por que isso aconteceu?
"Eu
me pergunto sempre a mesma coisa. Mas acho que nunca saberemos. E sinto muito
por isso tudo."
"Eu
nunca teria imaginado uma coisa dessas, nem em um milhão de anos."
Fonte:
BBC News Brasil
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