quarta-feira, 29 de março de 2023

Como a Justiça lida com adolescentes que cometem atos como o ataque à escola em SP?

Casos como o ataque a faca em uma escola de São Paulo nesta semana costumam aquecer a discussão em torno do tratamento de menores infratores pela Justiça.

Crianças e adolescentes que cometem atos normalmente classificados como crimes pela legislação não são processados pelo sistema criminal normal. Mas isso não significa que eles não vão responder por suas atitudes na Justiça.

O sistema de processamento de menores de 18 que cometem ilegalidades tem nomes técnicos diferentes para os crimes e sanções, mas na prática se assemelha muito ao sistema criminal, dizem juristas.

O termo técnico para uma ilegalidade cometida por menores de 18 anos é “ato infracional”. Atos infracionais são equivalentes a crimes, mas julgados em uma instância especial da Justiça - as varas da infância e da juventude.

A sentença do juiz pode estabelecer as chamadas “medidas socioeducativas”, que são diferentes das penas do sistema criminal porque deveriam focar na educação - mas que também podem restringir a liberdade da pessoa.

Para casos de atos em que há violência ou grave ameaça à pessoa, a medida socioeducativa pode ser a internação, ou seja, a criança ou adolescente fica detida em uma instituição, explica Maíra Zapater, professora de direito penal e processual penal na Unifesp e autora do livro Direito da Criança e do Adolescente.

No Estado de São Paulo, por exemplo, crianças e adolescentes infratores que são internados vão para a Fundação Casa.

“O que a lei coloca é que o juiz deve levar em consideração o suficiente para a reprodução, educação e prevenção daquele delito”, explica a criminalista. A internação também pode ser determinada se o adolescente descumprir várias vezes medidas socioeducativas anteriores.

“A internação é a medida socioeducativa mais rigorosa”, explica o criminalista Raul Abramo. “É como se fosse uma prisão em regime fechado, com a distinção de que o foco da internação deve ter o caráter formal de ser educativo.”

O sistema socioeducativo foi criado com a intenção de oferecer mais oportunidades de ressocialização para adolescentes e crianças, que biologicamente ainda estão em fase de formação.

"As medidas socioeducativas visam garantir atendimento social, psicológico, psiquiátrico, se necessário, educação, cultura, esportes, profissionalização, tendo mais efetividade na reeducação e ressocialização do jovem. Até para (o adolescente) refletir sobre os graves danos que ele causou e sobre as consequências dos seus atos”, afirma Ariel de Castro Alves, especialista em políticas de direitos humanos e segurança pública pela PUC- SP e recém-empossado Secretário Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Na prática, no entanto, é frequente que as instituições que recebem os menores acabem tendo similaridades com presídios, segundo pesquisas realizadas por instituições como o NEV-USP e a Universidade Federal do Maranhão, entre outras.

Isso vale não só para as instituições, mas para a própria lógica de aplicação das sanções.

“Na prática, existe muito uma aplicação de uma mentalidade do sistema prisional no sistema socioeducativo", afirma Maíra Zapater.

Para Castro Alves, o sistema continua sendo preferível que enviar os adolescentes para o sistema prisional.

“Na prática, o sistema socioeducativo se aprimorou nos últimos anos e oferece os atendimentos (psicossociais), diferentemente do sistema prisional, geralmente superlotado e dominado por facções criminosas”, afirma.

As decisões nas varas de infância e juventude também costumam sair mais rápido do que no sistema criminal para adultos, no qual processos podem se arrastar por anos.

“Os processos na Justiça da infância e juventude são mais céleres. Em até 45 dias a Vara da Infância e Juventude toma uma decisão”, aponta Castro Alves.

No caso do adolescente que fez o ataque à escola em São Paulo, o Tribunal de Justiça de São Paulo determinou, na noite de terça-feira (28/3), a internação provisória.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que a internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de 45 dias.

·         Quanto tempo um adolescente infrator pode ficar detido?

Quando um adulto comete um crime, o tipo e os limites mínimo e um máximo de pena são estabelecidos pelo código penal. No caso das infrações das crianças e adolescentes, no entanto, não existe essa determinação. É o juiz da vara da infância que decide se a medida será internação e, caso seja, quanto tempo vai durar.

A internação pode ser renovada a cada seis meses com base em relatórios psicossociais sobre o adolescente feitos profissionais como pedagogos, médicos e psicólogos, explica Zapater.

O limite para renovação da medida de internação é de 3 anos, mas isso não significa necessariamente que o adolescente não terá que responder à Justiça depois do fim desse período - ele pode ter outra medida socioeducativa decretada.

“É comum que após o fim da internação o Ministério Público peça outras medidas, como a semiliberdade ou a liberdade assistida”, diz Abramo.

A semiliberdade é parecida com o regime semi-aberto - o adolescente passa parte do dia fora da instituição e precisa voltar para dormir, explica o criminalista. Na liberdade assistida, o adolescente é acompanhado por um orientador que faz relatórios periódicos sobre ele.

Além disso, o adolescente pode acabar cumprindo medidas socioeducativas por mais tempo caso cometa outro ato infracional.

Em casos graves - como crimes muito violentos - também existe a possibilidade da Justiça determinar internação psiquiátrica após o fim do período de internação socioeducativa, explica Castro Alves.

“Se laudos psiquiátricos demonstrarem que o adolescente gera riscos à sociedade, podendo cometer novos crimes e tendo distúrbios psiquiátricos, ele pode acabar ficando em internação psiquiátrica e não mais em internação socioeducativa. Já existe jurisprudência que permite esse tipo de internação psiquiátrica após medida socioeducativa”, afirma.

·         Tempo de vida

O fundamento do limite de 3 anos de internação para menores é quanto tempo isso corresponde à vida daquela pessoa, explica Zapater.

“No caso de um adolescente de 12 anos, 3 anos é 1/4 da vida dessa pessoa”, explica.

Caso o crime seja cometido quando o adolescente está prestes a completar 18 anos, a Justiça pode decretar que a medida seja cumprida até ele completar 21 anos. Nesse caso, ele continua internado na unidade socioeducativa entre os 18 e 21, não é encaminhado para o sistema prisional, explica Raul Abramo.

A lei determina que pessoas que estão internadas após os 18 anos sejam internadas em unidades em que haja separação dessas pessoas das crianças e adolescentes, mas na prática isso nem sempre é cumprido, diz Zapater.

Os especialistas afirmam que, por não haver o estabelecimento em lei dos limites das sanções, existem casos em que a sanção no sistema socioeducativo é mais longa do que seria para um adulto.

“Existem casos concretos de adolescentes que cometem crimes em coautoria com adultos e por vezes o adulto vai sair numa liberdade condicional antes do adolescente conseguir encerrar a internação”, explica Zapater.

“É muito equivocada a ideia de que existiria impunidade dos adolescentes porque eles ‘só ficam três anos’. Primeiro porque 3 anos é um tempo muito representativo na vida dessa pessoa e depois porque as garantias do processo penal, como progressão de regime e liberdade condicional, não se aplicam aos adolescentes, porque em tese ele não está sofrendo uma pena”, diz ela.

Castro Alves concorda. “O adolescente responde por seus atos, só não da mesma forma que os adultos”, diz ele, que afirma que problemas como os atentados em escolas não seriam resolvidos com o julgamento de crianças e adolescentes no sistema de adultos.

“Medidas de recrudescimento da legislação penal, principalmente quanto à redução da maioridade penal, não evitariam esse tipo de atentado”, diz.

·         A realidade do sistema

Embora em tese as internações devessem ser reservadas para casos excepcionais, na prática, atos equivalentes a crimes contra a vida não são maioria entre os cometidos por menores internados em instituições socioeducativas.

Os homicídios correspondem somente a 5,6% dos casos de crianças e adolescentes cumprindo medidas de internação, segundo a pesquisa mais recente do Sinase (o sistema nacional socioeducativo), de 2019 (com dados de 2017). A maioria dos casos de adolescentes internados é por furto ou roubo (43,7%) ou tráfico de drogas (26,5%).

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 apontam que as crianças e adolescentes são muito mais vítimas do que infratores.

O número total de adolescentes e jovens internados (incluindo as internações provisórias) em 2021 foi de 13.884, segundo o anuário.

Enquanto isso, crianças de até 13 anos representam, em média, 60% das vítimas de estupros registrados. E apenas entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes de até 19 anos foram mortos de forma violenta no país.

 

Ø  Ataque em escola: os 4 minutos em que a polícia de Nashville conseguiu interromper a ação

 

O mais recente ataque em massa com armas de fogo nos Estados Unidos foi interrompido por policiais minutos depois de chegarem à Escola Covenant, na cidade de Nashville.

A ação começou às 10h10 no horário local (12h10 em Brasília) da segunda-feira (27/3), quando Audrey Hale, de 28 anos, chegou à escola e se aproximou de uma entrada lateral.

Houve uma confusão inicial sobre a identidade de gênero de Hale — a polícia inicialmente descreveu como uma mulher cisgênero e, posteriormente, disse que Hale se identificava como um homem transgênero.

Hale, que não tinha antecedentes criminais, era ex-aluno da escola e os policiais acreditam que "ressentimento" pode ter sido o motivo para o ataque.

As imagens do circuito interno de TV da escola mostram o que acontece a seguir: portas de vidro se estilhaçam em uma rajada de tiros, permitindo a entrada de Hale, que carregava consigo armamento pesado.

Nos 11 minutos seguintes, três crianças (Evelyn Dieckhaus, Hallie Scruggs e William Kinney) e três funcionários (Cynthia Peak, Katherine Koonce e Michael Hill) foram mortos a tiros. O ataque terminou com policiais matando Hale, quatro minutos depois de chegarem à escola.

Aqui está o que sabemos sobre como a tragédia se desenrolou.

·         O ataque começa

De acordo com seus pais, Hale saiu de casa na manhã de segunda-feira carregando uma bolsa vermelha, onde as autoridades acreditam que estavam as armas usadas no ataque. Hale despistou a mãe quando questionado sobre o conteúdo da bolsa.

Não está claro a que horas isso aconteceu ou quanto tempo se passou até Hale chegar à Escola Covenant. As imagens de câmeras internas a mostram chegando ao estacionamento da escola em seu carro por volta das 9h54.

O zelador Michael Hill, 61, foi baleado através do vidro durante a primeira disparada de tiros, às 10h10. A polícia recebeu a primeira ligação sobre o tiroteio três minutos depois, às 10h13.

Em entrevista coletiva na terça-feira (28), o chefe da polícia de Nashville, John Drake, disse que a diretora da escola, Katherine Koonce, foi encontrada morta em um corredor onde ocorreu um confronto com o atirador.

Não está claro onde as outras vítimas foram encontradas. A polícia acredita que nenhuma das vítimas foi alvejada individualmente.

·         Tiros contra a polícia

Quando os policiais chegaram à escola, Hale atirou contra eles de uma janela do andar de cima, atingindo uma viatura.

O chefe de polícia, John Drake, disse que os investigadores acreditam que Hale teve algum treinamento para atirar de uma posição elevada, colocando-se ligeiramente atrás da janela para não ser um alvo fácil.

O resto do que sabemos sobre a ação vem de seis minutos de filmagem de câmeras corporais dos policiais Rex Engelbert e Michael Collazo.

A filmagem mostra Engelbert em frente à escola e rapidamente se armando com um rifle tirado do porta-malas de seu veículo. Não está claro a hora exata em que isso ocorreu, pois a câmera corporal não exibe data e hora.

Quando ele sai do veículo, uma mulher não identificada que estava na calçada diz a ele que "as crianças estão todas trancadas", mas que duas crianças estão desaparecidas. Logo depois, a mulher, que parece estar se comunicando com funcionários lá dentro, afirma que "um bando de crianças" está no piso superior.

Pouco mais de um minuto depois de chegar, Engelbert e os outros policiais entram na escola e começam uma varredura no primeiro andar antes de subir em direção ao segundo, onde os tiros podem ser nitidamente ouvidos.

·         Policiais matam atirador

Em imagens da câmera corporal do policial Collazo, um agente pode ser ouvido dizendo "tem uma pessoa caída aqui", a quem Collazo responde: "Continue indo". Os policiais então começam a correr por um corredor, passando por uma vítima no chão.

O vídeo mostra que Engelbert encontrou o atirador pela primeira vez depois de dobrar uma esquina em um átrio de onde Hale parecia estar atirando.

Ele dispara quatro tiros contra Hale, que cai no chão. Outros policiais disparam mais quatro tiros e gritam para o atirador parar de se mover.

As armas de Hale são então removidas enquanto ele aparece imóvel em frente à janela do átrio.

O tiroteio ocorreu menos de quatro minutos depois que os policiais chegaram à escola em suas viaturas.

As ações dos policiais — particularmente Engelbert e Collazo — foram elogiadas por salvar a vida de outras vítimas em potencial.

Em entrevista à CBS News, parceira de mídia da BBC nos Estados Unidos, Drake disse que "poderíamos ter tido muito mais baixas do que tivemos".

"Eles responderam imediatamente quando entraram, abordaram e mitigaram o suspeito", acrescentou.

A resposta em Nashville parece contrastar fortemente com as ações da polícia no tiroteio de maio de 2022 na escola Robb Elementary em Uvalde, Texas.

Nesse incidente, a polícia hesitou por 74 minutos, dando ao suspeito mais tempo para matar. Um total de 21 pessoas, incluindo 19 crianças, morreram.

"Eu diria que, em circunstâncias extremas, eles [Engelbert e Collazo] foram além", disse o treinador da polícia Todd McGhee ao jornal local The Tennessean. "Esses primeiros agentes de resposta cumpriram um modelo de reação a um atirador ativo, como deve ser."

 

Ø  A mensagem que atirador de Nashville enviou a ex-colega momentos antes de ataque

 

Averianna Patton é considerada uma das últimas pessoas com as quais o atirador da escola de Nashville, nos EUA, entrou em contato antes do ataque.

Na manhã de segunda-feira (27/3), Patton recebeu no Instagram uma mensagem de seu ex-colega de classe, que parecia deprimido e desesperado.

"Ele disse que eu o veria no noticiário mais tarde e algo trágico estava para acontecer", conta Patton à BBC News.

Ela ligou imediatamente para a polícia.

"Eu não sei contra o que ele estava lutando... Mas eu sabia que era uma coisa (relacionada à saúde) mental, sabe?", diz Patton.

"Quando recebi a mensagem, algo me disse que eu simplesmente deveria ligar (para a polícia) e ter certeza que estava fazendo tudo o que podia."

Porém, em poucos minutos, Audrey Hale, de 28 anos, atacou a Escola Covenant, onde matou três crianças de nove anos e três funcionários adultos.

"Mais tarde, descobri que aquilo não era uma brincadeira, não era uma piada. Foi (Hale) quem fez aquilo", continua Patton.

"Tem sido muito, mas muito pesado."

Patton relata que a polícia foi à casa dela naquela tarde para revisar as mensagens de Hale.

"Ainda estou tentando entender o que estamos passando e encontrar soluções para evitar que isso aconteça novamente", diz.

Patton, que é uma personalidade da TV local e também atua como influenciadora nas redes sociais, conta que ela e o atirador já foram companheiros de equipe no mesmo time de basquete durante o Ensino Médio.

O suspeito, disse Patton, às vezes parecia "reservado".

O atirador manteve contato com as companheiras de equipe ao longo dos anos e, ocasionalmente, até compareceu a eventos realizados na cidade.

Houve uma confusão inicial sobre a identidade de gênero de Hale — a polícia inicialmente o descreveu como uma mulher cisgênero e, posteriormente, disse que Hale se identificava como um homem transgênero.

Patton acrescenta que viu o atirador pela última vez no início deste mês.

Agora, ela se volta para a mesma questão que atormenta os residentes de Nashville e do resto dos EUA: por que isso aconteceu?

"Eu me pergunto sempre a mesma coisa. Mas acho que nunca saberemos. E sinto muito por isso tudo."

"Eu nunca teria imaginado uma coisa dessas, nem em um milhão de anos."

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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