Mergulho revela as
mil aquarelas submarinas dos recifes de Salvador
Fora
dos olhos de quem passa pela orla, há uma aquarela que pouca gente conhece em
Salvador. Vê-la vai além da vontade. É preciso, literalmente, enfiar a cabeça
na água em locais onde o fundo do mar espelha toda riqueza cromática que
caracteriza a capital. Mas não só isso. É necessário também ter o mínimo de
familiaridade com equipamentos e técnicas básicas de mergulho. Mas a recompensa
vale, e muito, o esforço.
Com
auxílio da equipe de profissionais da Galeão Sacramento, uma das mais
tradicionais e especializadas escolas de mergulho da cidade, o CORREIO visitou
a multicolorida vida subaquática da costa soteropolitana na manhã da última
quinta-feira, 23 de março. Na ocasião, as condições do tempo, água e maré se
mostravam razoavelmente boas para contemplá-la.
A
viagem pela aquarela soteropolitana no fundo do mar, feita com tanque de
oxigênio, é conduzida pelo mergulhador Andre Neri, 57 anos, que integra o time
de instrutores de alto nível da Galeão Sacramento, e acompanhada pelo fotógrafo
Edvaldo Júnior, responsável pelas imagens que ilustram a reportagem. O ponto
escolhido para a incursão de aproximadamente uma hora, o Porto da Barra, não
foi à toa.
É
naquele trecho da orla da cidade que a usina marinha de cores se torna mais
próxima da visão humana. Entre as duas pontas que abrigam a Praia do Porto, há
dois grandes recifes de corais, responsáveis diretos pelo caleidoscópio de
múltiplas tonalidades que vão do vermelho intenso ao lilás vibrante em poucos
centímetros. A primeira delas está situada a cerca de 50 metros da areia.
Batizada
pelos mergulhadores mais antigos com o nome de corais de Santa Maria, em
homenagem ao forte homônimo que avança sobre a margem esquerda da praia, a
bancada se assemelha à versão submarina de uma tela de Van Gogh, tamanha a
variedade colorida que exibe. Embora o uso de cilindro de oxigênio permita
contato bem mais próximos com o recife, é possível vê-lo apenas com máscara e
respirador. Basta que a luminosidade do dia e o grau de limpeza da água
permitam.
O
segundo conjunto de corais do Porto da Barra fica exatamente atrás do Forte de
Santa Maria. “A gente chama tal ponto de Jardim Secreto. Ninguém sabe ao certo
quem deu o nome nem quando ele foi batizado, mas é assim que o conheço desde
que comecei a mergulhar aqui, em 1987. Talvez porque apenas um pequeno grupo o
conhecia e tinha acesso a esse recife”, conta o carioca Neri, que iniciou na
profissão como mergulhador do Exército em Manaus e hoje atua também na formação
de novos colegas.
O
colorido do Jardim Secreto é de impressionar e tem origem na simbiose entre os
corais e as algas unicelulares, através dos pigmentos fotossintéticos que elas
possuem, como explica o biólogo Igor Cruz, professor da Universidade Federal da
Bahia (Ufba) com cerca de duas décadas dedicadas a pesquisas sobre os recifes
de corais da Baía de Todos os Santos. É como se a luz solar fosse um tipo de
pincel.
• Muito além do Porto
Fora
o Porto da Barra, existem outros pontos onde é possível vislumbrar a aquarela
que margeia a costa de Salvador sem que seja preciso percorrer grandes
distâncias. Contornando o pequeno penhasco rochoso à direita da praia, desponta
a bancada de corais situada aos fundos do Yatch Clube da Bahia, área de intensa
vida marinha e fácil de ver com um simples mergulho de superfície.
Na
sequência, surge o recife popularmente conhecido como Tira-Pombo, localizado
nos arredores da Bahia Marina. Mais adiante, destaca-se a bancada entre o Porto
de Salvador e a praia de Boa Viagem, próximo ao naufrágio do lendário navio
Blackadder. A praia de Tubarão e o litoral das ilhas de Maré e dos Frades estão
entre os pontos que compõe a lista de locais mais conhecidos por mergulhadores
profissionais, amadores e iniciantes (veja mapa ao lado).
• Usina de tons
A
multiplicidade cromática não é reflexo apenas da relação com os pigmentos das
algas.
“Os
corais são excelentes construtores. Nesse processo, são formados recifes muito
irregulares, que viram abrigos para crustáceos e espécies como polvos e
moreias. São também fonte de alimento para peixes herbívoros. Quanto mais
buracos, maior será diversidade”, destaca o biólogo Igor Cruz.
De
acordo com o pesquisador, a biodiversidade dos corais da Baía de Todos os
Santos, incluindo os da capital, é semelhante à do Parque Marinho de Abrolhos,
no Extremo-Sul do estado, considerada a maior de todo Atlântico Meridional, ou
seja, a porção sul do oceano. Daí a dança colorida dos peixes que vivem em
volta dos recifes da região e dão movimento a esse rico mosaico de tons, em um
passeio diário pelas mil aquarelas submarinas.
• Ameaçada por dois vilões
Apesar
de séculos de perdas causadas por ação predatória e agressões ao meio ambiente
marinho, os recifes de corais da Baía de Todos os Santos, basicamente
concentrados ao longo das costas de Salvador e Mar Grande, na Ilha de
Itaparica, apresentam bom estado de conservação. No entanto, enfrentam ameaças
de inimigos externos e caseiros.
“Mesmo
que se tenha observado um ligeiro declínio nos últimos anos, a condição
ambiental dos recifes da região ainda é boa”, aponta o biólogo Igor Cruz,
professor da Ufba e tido entre pesquisadores da área como uma das principais
autoridades em estudos científicos sobre os corais da Baía de Todos os Santos.
Por outro lado, ressalta, o perigo continua por perto.
O
topo da lista de inimigos, segundo o biólogo, é ocupado hoje pelos chamados
bioinvasores. Na verdade, parentes agressivos ao extremo que habitam as águas
dos oceanos Pacífico e Índico. “O coral-azul se tornou um risco para o Parque
Marinho da Barra. Já o coral-sol afeta as demais áreas da Baía.
Os
invasores exóticos, que provavelmente chegaram ao país através do alto fluxo de embarcações
transoceânicas do comércio de aquários,
se reproduzem com intensa rapidez e costumam exterminar todos os parentes à sua
volta.
Na
segunda colocação, está a pesca com bomba. Embora seja tipificada como crime
ambiental, a prática ainda persiste entre pescadores da Baía de Todos os
Santos. Redes que ainda despejam esgoto no mar, mudanças climáticas e a
atividade industrial também integram a relação. As vítimas principais são os
quatro tipos mais encontrados de corais da região. Além do Coral de Fogo e do
Coral Cérebro (veja fotos abaixo), há também o Montastraea cavernosa o
Siderastrea stellata.
• Pontos de contemplação
Estimativas
dos mais recentes estudos publicados por pesquisadores do Instituto de Biologia
da Ufba apontam que os recifes de corais da Baía de Todos os Santos têm
extensão projetada de 30,7 quilômetros quadrados, sendo quase metade, 13
quilômetros quadrados, na região interna de Salvador, ou seja, perto da zona
praieira da capital. Os mais conhecidos são:
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Corais de Santa Maria
Situados
a menos de 50 metros da faixa de areia da praia do Porto da Barra e próximos ao
forte homônimo, integram o cardápio de roteiros mais fáceis para iniciantes no
universo do mergulho.
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Jardim Secreto
Recife
de corais com grande variedade cromática e vida marinha localizado nos fundos
do Forte de Santa Maria. Para ser contemplado por inteiro, é necessário uso de
cilindro de oxigênio e acompanhamento de profissionais certificados, devido à
profundidade que atinge até dez metros, a depender da maré.
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Bancada do Yatch Clube da Bahia
Conjunto
de corais de coloração vibrante que margeia o fundo do clube e serve de abrigo
para uma variedade grande de peixes,
crustáceos e espécies como moreias, polvos e cavalos-marinhos. Pode ser visto a
pouco centímetros abaixo da superfície com snorkel, respirador e nadadeiras por
quem tem alguma experiência em mergulho.
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Tira-Pombo
Recife
em em volta da Bahia Marina também apropriado para contemplação submarina.
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Trecho do Blackadder
Bancada
encravada entre o Porto de Salvador e a Praia da Boa Viagem, nos arredores do
local onde o célebre navio naufragou.
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Ilhas de Maré e dos Frades
Corais
formados por grande biodiversidade e variação cromática circundam a costa das
duas ilhas pertencentes ao município de Salvador.
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Aventura na Galeão Sacramento
A
escola e operadora de mergulho criada em 2004
conta com time qualificado e certificados. Está situada na Avenida Sete
de setembro, 3835, Porto da Barra.
O
pacote de serviços inclui o mergulho de batismo nos corais de Santa Maria;
curso básico de mergulho Scuba, com oito aulas; e o mergulho de batismo
embarcado, com aula teórica, equipamento Scuba, barco, lanche, fotos e mergulho
com vida marinha em naufrágio. Saiba mais pelo (71) 3264-2065.
Fonte:
Correio
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