Rosana Alves: A
banalização da violência nas escolas
Todos
fomos tomados pelo horror ocorrido na segunda-feira (27) na E.E. Thomazia
Montoro, no bairro da Vila Sônia, zona oeste de São Paulo. Um estudante do 8º
ano atacou três pessoas, ferindo e matando uma professora.
Nesses
momentos de revolta e consternação, surgem as mais diversas opiniões e todos encontram
motivos e soluções. Lamentamos profundamente o ocorrido e não podemos nos
conformar com a situação, mas é preciso diligência ao tratar do assunto.
Só
a educação salva? Somente a educação transforma? A resposta a essas perguntas é
não. Aqui estamos falando da educação formal, aquela que ocorre na escola.
Sabemos que “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais”. No entanto, geralmente, quando falamos de educação,
estamos nos referindo ao processo formal/institucional de educação, que ocorre
numa instituição criada pela burguesia.
No
campo da educação, é comum o questionamento sobre qual é a função social da
escola. Segundo Gramsci, a escola deve instruir, pois a instrução forma os
indivíduos, conforme uma determinada concepção de ser humano e sociedade. Dessa
forma, podemos entender que a escola, melhor, o currículo dela, ensina e
instrui de acordo com uma determinada visão de mundo - a da classe hegemônica
que está no poder.
Não
há ilusões. A burguesia não elaborará uma educação emancipadora. O caso trágico
ocorrido nos demonstra que estamos vivendo sobre uma sociedade doente, na qual
a concepção de mundo que impera é a concepção do individualismo, da negação da
ciência e da solidariedade humana na verdade da completa transmutação do ser
humano numa inversão de valores. Ademais, o fetichismo pela individualidade,
que impera no senso de coletividade, vem paulatinamente sendo destruído. Me
perdoem, mas esse não é um problema da escola. Sejamos cautelosos, pois a
grande mídia tenta transformar a tragédia num problema da instituição de
ensino, que não observou o comportamento “atípico” do estudante, que não tratou
a tempo e não tomou providências. Essas são atitudes típicas da nossa sociedade
capitalista e hipócrita, que transforma um problema de política pública em
política de caça às bruxas, de culpados no sentido cristão da palavra,
procurando responsabilizar as vítimas do sistema cruel e desumano que vivemos.
É
evidente que o adolescente e os seus responsáveis devem ser responsabilizados e
arcar com as consequências do ato, mas restringir a questão a uma ação isolada
de violência dentro da instituição escola é tapar o sol com a peneira.
As
soluções mais imediatas nem sempre são as mais apropriadas e esquecemos que
vivemos uma crise de valores, de concepções de mundo e procuramos soluções
imediatas para problemas sistêmicos.
Em
outras palavras, o problema vai além da questão pedagógica e dentro de uma
sociedade capitalista não é possível uma educação emancipadora, mas é
necessário criar condições para isso, com práticas emancipadoras. Precisamos
organizar a resistência, entender a escola como instrumento de luta, trabalhar
na perspectiva contra hegemônica e reafirmar o nosso compromisso de classe. Os
psicólogos dentro das escolas, bem como os profissionais de saúde serão sempre
bem-vindos, mas isso não é a dissolução do problema. Tentam a todo custo
transformar a instituição da escola como a grande detentora do poder de
transformar o mundo, sendo mais fácil, assim, acabar com essa instituição tão
necessária. Ou invertemos a ordem dessa sociedade enferma ou uma hora ou outra
nos depararemos com questões lamentáveis como essa.
Por
fim, nos solidarizamos com todas as vítimas do sucedido, clamamos por justiça.
No entanto, entendemos que essa justiça não passa somente em punir os culpados,
mas por um debate enleado com ações que envolvam toda a sociedade, para que se
entenda que a violência tem os seus meandros dentro de várias perspectivas e
que precisam ser revistas em todas as suas instâncias.
A
escola deve ser um espaço de interação de construção do desenvolvimento humano,
comprometida com a formação do homem emancipado, em que a violência seja
veementemente contestada.
O
que assistimos ontem foi a vitória das forças obscurantistas que capturaram a
nossa sociedade. Precisamos educar contra o fascismo e entender que a nossa
luta é compreender as raízes que estão adoecendo a nossa sociedade.
Entende-se,
assim, que a emancipação não é uma condição individual, mas coletiva da
humanidade e enquanto houver exploração de uma classe sobre a outra, não há
emancipação.
Brasil não tem plano para prevenir
ataques em escolas
Não
há no Brasil nenhum plano ou política nacional para prevenir que as escolas
sejam vítimas de ataques, como o que ocorreu na manhã desta segunda (27) em São
Paulo, em que um aluno de 13 anos matou uma professora a facadas.
Para
especialistas, a ausência de diretrizes para o tema deixa as escolas sozinhas e
sem a mínima estrutura necessária para lidar com um novo tipo de violência no
país, que vem crescendo rapidamente.
Levantamento
de pesquisadores da Unicamp e da Unesp contabiliza 22 ataques a escolas
brasileiras desde 2002, com um total de 36 mortes. Desde agosto do ano passado,
foram nove casos.
Outro
relatório, preparado pelo grupo de transição do governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), também mapeou o problema.
O
Ministério da Educação admite a necessidade de uma política para o combate
desse tipo de ataque, mas informou que ainda está trabalhando "no desenho
de uma ampla política de melhoria do clima e da convivência escolar e de
fortalecimento de ações intersetoriais para o diagnóstico e tratamento das
questões relacionadas à violência". "Vamos aprofundar e acelerar esse
processo", promete a pasta.
Segundo
os especialistas, as semelhanças e inspiração entre os casos de ataque à escola
a necessidade urgente de monitoramento de ações de grupos extremistas dentro e
fora da internet.
"Os
casos se comunicam de forma nacional, não há nenhuma restrição territorial
entre eles. O caso de Suzano [em 2019] foi baseado no de Realengo [em 2011]. O
de Aracruz [2022] teve o Suzano como inspiração. E o de ontem foi inspirado o
de Suzano e Aracruz", diz Daniel Cara, professor da USP e um dos
responsáveis pela elaboração do relatório.
Conforme
mostrou a Folha de S.Paulo, o adolescente que matou a professora e feriu outras
cinco pessoas na escola estadual Thomazia Montoro fazia referências nas redes
sociais ao autor do massacre em Suzano, que deixou oito mortos em 2019.
Em
sua conta no Twitter, ele usava o nome Taucci e uma sequência de números.
Taucci é o sobrenome do garoto que abriu fogo contra colegas em Suzano há
quatro anos.
O
agressor também usou uma máscara sobre o nariz e a boca com o desenho de uma
caveira. É a mesma máscara usada tanto pelos atiradores de Suzano quanto pelo
adolescente que atacou duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo, em novembro
do ano passado.
"Fica
clara a ligação entre os casos e o processo, que está ocorrendo de forma livre
e bem-sucedida, de cooptação de jovens pela extrema direita. Enquanto não
houver um plano para frear esses grupos extremistas, as escolas vão ficar
suscetíveis a esses ataques", diz Cara.
Para
Luciene Tognetta, pesquisadora e líder do Gepem (Grupo de Estudos e Pesquisas
em Educação Moral) e que atuou no atendimento aos alunos após o massacre de
Suzano, o país se acostumou a naturalizar a violência nas escolas e, por isso,
não entende a gravidade da situação atual.
"A
gente convive há anos com uma educação sucateada, com professores
desvalorizados e desrespeitados, com a violência presente dentro da escola. É
um ambiente tão adoecedor, tão estressante, tão colapsado que se tornou
propício para esse tipo de ataque. E nós, como sociedade, estamos assistindo
sem fazer nada", diz.
Uma
professora de português de uma escola estadual da região central de São Paulo
conta que violência e ameaças se tornaram rotina dentro de sala de aula, assim
como a dificuldade da equipe pedagógica em lidar com essas situações.
Segundo
ela, os professores são desencorajados a registrar ocorrências que são
consideradas "menores", como ameaça ou agressões verbais. Ela contou
que um aluno do 7º ano do ensino fundamental levou uma faca para intimidar os
colegas. A orientação da direção ao saber do caso foi apenas dar uma
advertência ao menino.
"São
situações que vão sendo negligenciadas, crianças que estão em sofrimento e não
são ouvidas. Até que elas encontram, nas redes sociais, um grupo que faz
sentido, que lhes dá alguma esperança. É aí que elas caem nesses grupos
extremistas", diz Tognetta.
O
autor do ataque à escola nesta segunda já havia sido denunciado à polícia
exatamente por ter feito ameaças contra colegas. O comportamento violento
também foi o que o levou a ser transferido para escola Thomazia Montoro, na
Vila Sônia, zona oeste da capital.
"As
escolas podem até identificar os comportamentos suspeitos, mas, se estiverem
sozinhas, não vão conseguir evitar tragédias. A gente não tem rede de saúde, de
assistência social ou de investigação para ajudar as escolas a evitarem esses
desastres que elas estão vendo", diz Telma Vinha, professora do
Departamento de Psicologia Educacional da Unicamp.
Por
se tratar de uma questão que envolve diversos aspectos, os especialistas
afirmam que a política de prevenção a ataques precisa ser pensada de forma
intersetorial, considerando os aspectos educacionais, de saúde, assistência
social e de segurança pública.
"Não
adianta, mais uma vez, jogar a culpa na escola e achar que ela deve resolver
sozinha. Esse é um problema a ser enfrentado pela sociedade toda, afinal,
envolve a todos nós: quando uma escola é atacada, toda a comunidade está sob
risco", diz Telma.
Professor, profissão esfaqueada! Por
Valéria Guerra Reiter
A
covardia anda à solta. Morrer esfaqueada pelas costas ao exercer o sagrado
magistério virou notícia. Porém, não é a notícia mais importante em nosso país,
é apenas a nota sensacionalista da hora.
A
família enlutada de Elizabete Tenreiro, sim, ressente e ressentirá sua perda
lastimável. Em um país onde morreram quase um milhão de almas, por conta da
contaminação pelo vírus SARS-COV2, quando assistimos um aluno de treze anos
usar uma máscara de caveira entrar em uma sala de aula e esfaquear pelas costas
a autoridade maior da sala de aula: o professor.
O
mundo está funcionando ao toque de caixa imposto pelo advento tecnológico. E
claro, que nesta esteira de quarta, ou quinta revolução industrial: o mercado
está mais vivo do que nunca. Ele agora deita em sua Caixa Forte, e à guisa do
Tio Patinhas mergulha no espelho d’água monetário. Milton Friedman deve estar
comemorando esta fase do capitalismo neoliberal de onde ele estiver, se
estiver...
Hoje
o deus-mercado aproveita tudo de ruim que qualquer humano ofereça para
transformar em dinheiro; desde influencers medíocres, com suas letras musicais
infames e ridículas até políticos que topam altas paradas para ficarem mais
ricos. O Brasil está sendo recolonizado de golpe em golpe. O povo só obedece;
afinal a chibata dos baixos salários, do analfabetismo, do desemprego e de
outras mazelas é o recheio do bolo do poder.
Os
colégios públicos são prisões travestidas de educandários. Quem estuda e
leciona na Rede Pública é mais infeliz que um escravo forro. Visto que a
referida vítima ao conseguir a alforria, se via livre das amarras do decreto da
morte anunciada pelo processo cruel do escravismo.
Quem
perseguiu e matou os chamados “negros da terra”, ou índios; e trouxe milhares
de africanos abarrotados em navios negreiros, sob toda sorte ou antissorte de
maus tratos, não poderia perder ao longo dos séculos sua pecha de
capitão-do-mato. Capitão-do-mato este que passou a vestir Prada, e ocupar
cargos em empresas, no parlamento, no executivo, e também no judiciário
nacional.
Quatrocentos
e vinte e cinco anos foi a condenação de um ex-governador do Rio de Janeiro,
que hoje está solto. Como não ser esfaqueado em salas de aula feitas “nas
coxas” de um sistema senhorial, que planejou para os nascidos nestas terras, e
descendentes da miscigenação: o destino cruel,
de eternos condenados e escravizados de uma política mundial imperiosa.
Os
espaços criados no sul do Brasil, sob os holofotes de uma lei de Terras (1850)
saqueadora de direitos da população, especialmente a escrava, foi realizada por
um pensamento “científico” que afirmava que há diferença evolutiva entre
etnias. Era preciso “branquear” o povo brasileiro.
O
professor está sendo esfaqueado pelas costas todos os dias. Concorrer com
influencers mal dançarinos que enxovalham o português e enriquecem “cantando”
dialetos desafinados pode consciente ou inconscientemente despertar nos jovens
brasileiros a ira, ao se deparar com conteúdo da boa química, ou da boa
biologia, afinal tal clientela fora moldada a aceitar “O que rola por aí” e
“Brigadeiro caseiro” como disciplinas da nova grade do Ensino Médio, que foi
implantada pela Reforma “criminosa” do Temer.
Talvez,
no íntimo, o rapazola que de forma hedionda tirou a vida da professora de
Ciências na Vila Sônia em São Paulo tenha se revoltado contra o status quo
doentio, que se traduz na base da educação que segrega, pune e exclui. Não
esqueçamos que o senhor secretário de Educação de São Paulo, Renato Feder,
“lamentou o ocorrido”. Será que sua politica de exigir via internet a realização da chamada diária, como forma
poderosa de controle de alunos e professores (humilhados por baixos salários)
também não se constitui em “punhalada” no cotidiano sofrido da classe docente e
discente da Rede de Ensino?
Sem
dúvida, que o psicológico humano dos “clientes”
maltrapilhos do Sistema de Ensino falido e explorado neste país está
abalado...agora existe uma cruz no lugar do Deus Guaracy (deus Sol) e Tupã (
deus Trovão). A cruz da eterna desigualdade.
Dia
27 de março de 2023, manhã, uma professora foi assassinada por um garoto de 13
anos. A História não pode negar este fato. Ele é fruto de um episódio funesto
da História do Brasil, que completará 59 anos no próximo dia 31 de março: O
golpe militar de 1964.
Fonte:
Brasil 247/FolhaPress
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