quinta-feira, 30 de março de 2023

Como a peste bubônica de 700 anos atrás ainda afeta nossa saúde hoje em dia

A devastação causada pela pandemia de peste deixou uma marca genética tão forte na humanidade que ainda afeta nossa saúde quase 700 anos depois.

Cerca de metade da população morreu quando a peste bubônica, também conhecida como peste negra, varreu a Europa em meados do século 14.

Um estudo pioneiro que analisou o DNA de ossadas centenárias encontrou mutações que ajudaram pessoas a sobreviver à doença.

Mas essas mesmas mutações estão ligadas a doenças autoimunes que hoje afligem a população.

A peste bubônica marcou um dos capítulos mais mortais e sombrios da história humana. Estima-se que até 200 milhões de pessoas morreram.

Pesquisadores de um novo estudo suspeitam que um evento de tamanha proporção pode ter moldado a evolução humana.

Eles analisaram o DNA retirado dos dentes de 206 esqueletos antigos — e foram capazes de datar com precisão os restos mortais como sendo de antes, durante ou depois da peste bubônica.

A análise incluiu ossadas de covas para vítimas da peste do cemitério de East Smithfield que foram usadas ​​para sepultamentos em massa em Londres, no Reino Unido, além de amostras vindas da Dinamarca.

A descoberta, publicada na revista científica Nature, envolve mutações em um gene chamado ERAP2.

Se você tivesse determinadas formas da mutação, tinha 40% mais chances de sobreviver à peste.

"É bastante, é um efeito enorme, é uma surpresa encontrar algo assim no genoma humano", afirma Luis Barreiro, professor da Universidade de Chicago, nos EUA.

A função do gene é produzir as proteínas que desmembram os micróbios invasores e chamar a atenção do sistema imunológico sobre eles, preparando-o para reconhecer e neutralizar o inimigo de forma mais eficaz.

O gene aparece em diferentes versões — aquelas que funcionam bem e aquelas que não fazem nada — e você recebe uma cópia de cada progenitor.

Assim, os sortudos, com maior probabilidade de sobreviver, herdaram uma versão de alto desempenho da mãe e do pai.

E os sobreviventes da peste tiveram filhos, transmitindo assim essas mutações úteis, de modo que de repente se tornaram muito mais comuns.

"É grandioso ver uma mudança de 10% ao longo de duas a três gerações, é o evento de seleção mais forte em humanos até hoje", afirma o geneticista evolutivo Hendrik Poinar, professor da Universidade McMaster, no Canadá.

Os resultados foram confirmados em experimentos modernos usando a bactéria causadora da peste — Yersinia pestis. Amostras de sangue de pessoas com as mutações úteis foram mais capazes de resistir à infecção do que aquelas sem.

"É como assistir à peste negra se desenvolver em uma placa de Petri — é revelador", diz Poinar.

Ainda hoje essas mutações resistentes à peste são mais comuns do que eram antes da peste bubônica.

O problema é que foram associadas a doenças autoimunes, como a doença inflamatória intestinal de Crohn — ou seja, a mesma coisa que ajudou a manter seus ancestrais vivos há 700 anos pode estar prejudicando sua saúde hoje.

Outras forças históricas sobre nosso DNA deixaram um legado que sentimos. Cerca de 1% a 4% do DNA humano moderno vem da procriação entre nossos ancestrais com neandertais — e essa herança afeta nossa capacidade de responder a algumas doenças, incluindo a covid-19.

"Assim, essas cicatrizes do passado ainda impactam nossa suscetibilidade a doenças hoje, de uma maneira bastante notável", observa Barreiro.

Segundo ele, a vantagem de sobrevivência de 40% foi o "efeito de aptidão seletiva mais forte já estimado em humanos". Aparentemente, diminui o benefício das mutações de resistência ao HIV (vírus causador da Aids) ou daquelas que ajudam a digerir o leite — embora ele alerte que as comparações diretas são complicadas.

Mas a pandemia de covid-19 não deixará um legado semelhante.

A evolução funciona por meio de sua capacidade de reproduzir e transmitir seus genes. A covid mata em grande parte os idosos que já passaram da fase de ter filhos.

Foi a capacidade da peste de matar em todas as faixas etárias e em números tão grandes que fez a doença ter um impacto tão duradouro.

 

·         O que é a peste bubônica e por que a doença não é mais tão mortal apesar de novos surtos

 

Em 6 de julho, uma região da China foi considerada em alerta após confirmar um caso de peste bubônica na cidade de Bayannur, na região da Mongólia Interior (região autônoma da China), no norte do país.

Um novo alerta surgiu no último fim de semana, após autoridades locais decretarem o isolamento de um vilarejo da cidade, após o registro de duas mortes pela peste negra, como também é conhecida a enfermidade.

A decisão de isolar o vilarejo foi delicada. Isso porque a doença causou milhões de mortes durante o século XIV — ainda é considerada a pior pandemia da história — e seu ressurgimento, em meio à crise da covid-19, causa apreensão.

Embora tenha sido controlada por mais de seis séculos, por diferentes fatores ambientais e médicos, a peste bubônica nunca parou de ressurgir em situações pontuais, em diferentes partes do mundo. Nos últimos anos, foram registrados casos nos Estados Unidos, no Peru, na República Democrática do Congo... e agora na China.

"É bom que o caso da China tenha sido detectado e relatado em estágio inicial, porque pode ser isolado, tratado e impedido de se espalhar", disse o microbiologista Matthew Dryden, da Universidade de Southampton, no Reino Unido, a BBC.

A peste bubônica é causada por bactérias. "Ela é tratada com antibióticos", explicou o especialista. "Mas, embora possa parecer alarmante por ser uma doença infecciosa grave emergindo no Oriente, no momento pode ser facilmente tratada", acrescentou Dryden.

Mas, afinal, o que é a peste bubônica? Por que ela causou tantas mortes no passado? E por que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera esse e outros surtos de "baixo risco"?

·         O que é a peste bubônica?

Também chamada simplesmente de "a praga" ou "a peste", é uma doença infecciosa potencialmente fatal. Ela é causada pela bactéria Yersinia pestis, que vive em animais, especialmente os roedores, mais especificamente nas pulgas que eles carregam em seus pelos.

O seu nome vem justamente de um dos sintomas que causa: um inchaço doloroso do linfonodo, que atinge os tecidos da axila ou da virilha, formando uma espécie de bolha, conhecida como "bubão".

De 2010 a 2015, foram registrados 3.248 casos no mundo. Destes, 584 pessoas morreram.

Historicamente, era conhecida como "a peste negra", em referência ao fato de causar gangrena em certas partes do corpo, como nos dedos das mãos e dos pés, que acabam totalmente enegrecidos.

Estima-se que a pandemia dessa doença tenha causado a morte de um quarto da população europeia no século XIV.

·         Os sintomas

De acordo com a OMS, uma pessoa pode desenvolver a doença de dois a seis dias após ser infectada.

Além de bubões ou gânglios linfáticos inchados, que podem ficar do tamanho de um ovo de galinha, há outros sintomas como febre, calafrios, dores de cabeça e dores no corpo.

A doença também pode afetar os pulmões e causar tosse, dores no peito e falta de ar. A bactéria que causa a peste também pode entrar na corrente sanguínea e originar uma condição conhecida como sepse, infecção generalizada que pode afetar tecidos, órgãos e até levar à morte.

·         Como pode ocorrer a infecção?

Para os humanos, é possível se infectar das seguintes formas:

  • Por picadas de pulgas infectadas
  • Ao tocar animais infectados, como ratos
  • Ao entrar em contato com gotas de salivas de pessoas ou animais infectados

O corpo de uma pessoa que morreu em decorrência da peste pode infectar outros, como, por exemplo, aqueles que preparam o enterro.

A bactéria pode entrar no corpo por um ferimento na pele, se houver contato com o sangue de um animal infectado.

Cães e gatos domésticos podem contrair a peste bubônica por meio de picadas de pulgas ou pela ingestão de roedores infectados.

Devido à emergência declarada na China, em razão dos casos recentes, a caça e o consumo de animais que possam estar infectados foram proibidos.

Existe um tratamento eficaz?

A abordagem médica mais eficaz é baseada na administração de antibióticos. Sem eles, a doença geralmente é fatal.

O diagnóstico precoce pode salvar vidas.

·         É possível haver outra pandemia como a do passado?

A peste bubônica ainda não foi erradicada em muitas partes do mundo. Nos últimos anos, ocorreram surtos em países como a República Democrática do Congo e Madagasar.

Embora a praga tenha causado uma pandemia que se espalhou por amplas áreas do planeta na época medieval, a maioria dos surtos que ocorrem atualmente são pequenos e controláveis.

"A peste bubônica esteve conosco e continuará por séculos. Estamos analisando os números de casos na China", disse a porta-voz da OMS, Margaret Harris, sobre os casos mais recentes. "No momento, não consideramos de alto risco. Mas estamos observando e monitorando com atenção", acrescentou.

 

Fonte: BBC News Saúde

 

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