quarta-feira, 29 de março de 2023

Cooperação internacional com países importadores é essencial para combater crimes ambientais

O aumento dos crimes ambientais e correlatos no Brasil possui relação com um processo de fragilização e desestruturação da legislação e dos órgãos ambientais, que na última década — e, em especial, desde 2019 — sofreu cortes orçamentários e de redução de pessoal inéditos em âmbito nacional. Esse contexto favoreceu o avanço da criminalidade, refletido, por exemplo, na expansão dos garimpos ilegais em Terras Indígenas, com graves consequências para as populações locais e para o meio ambiente, como ficou claro na crise humanitária que afeta o povo Yanomami.

O enfraquecimento da fiscalização ambiental, somado ao estímulo às práticas extrativistas ilegais por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro e de sua administração,  contribuiu para mudar o perfil da criminalidade ambiental, principalmente na Amazônia. Em outras palavras, houve um fortalecimento de grupos criminosos organizados que lucram com crimes ambientais, ao mesmo tempo em que se beneficiam de outras atividades ilícitas organizadas, como o tráfico de drogas, de armas e de pessoas. Essa relação ficou explícita no caso do grupo responsável pelo assassinato do jornalista Dom Philips e do indigenista Bruno Pereira, em 2022. Ao mesmo tempo que o grupo lucrava com a pesca ilegal em terras protegidas, também estava envolvido com o tráfico de drogas.

E mesmo quando as denúncias de crimes ambientais chegam à fase judicial, ainda é baixo o número de condenações por tais ilícitos. Apesar de alguns avanços recentes, como o uso de imagens via satélite e a criação de sistemas de integração de informações, alguns gargalos históricos impõem empecilhos a um combate eficaz destes crimes. Nesse contexto, a promoção da cooperação internacional, especialmente com autoridades relevantes em países importadores de produtos florestais, é um dos mecanismos que se destacam em estudo recente, de minha autoria em parceria com Luísa Falcão e publicado pela Plataforma CIPÓ, sobre operações de combate ao crime ambiental, que buscou fornecer insumos para o aprimoramento das práticas das instituições de comando e controle.

Através da cooperação internacional, ao se reportar irregularidades a países destinatários dos produtos florestais, como em situações de apreensões de madeira extraída ilegalmente, se incentiva a responsabilização não apenas do vendedor da madeira brasileira, mas também do comprador nos mercados consumidores. Considerando a carência de recursos humanos e materiais dos órgãos fiscalizadores no país, especialmente na região Norte, a cooperação internacional se destaca como uma alternativa eficaz para identificar aqueles que lucram com comércio ilegal de recursos da floresta, como madeira e ouro.

Operações de combate ao crime ambiental de grande repercussão, como a Operação Arquimedes, engendradas por órgãos como Polícia Federal, Ibama e Ministério Público Federal, utilizaram dos mecanismos de cooperação, ao identificar que, de portos como o de Manaus (AM), se concentravam as exportações de madeira para o exterior, oriunda de diversas localidades da região. Identificando fraudes documentais e contêineres repletos de madeira extraída ilegalmente, passaram a trocar informações com autoridades estrangeiras. Em 2018, a Justiça Federal autorizou o compartilhamento de provas com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, por meio de instrumento que rege a cooperação bilateral entre os dois países, o Mutual Legal Assistance, que no Brasil é regulamentado pelo Decreto 3.810/2001. A prática inclusive incentiva a criação de um ambiente favorável à regularização da exploração madeireira para fins de reabertura do mercado consumidor estrangeiro.

A cooperação pode ir além do compartilhamento de informações e documentos e ser expandida para atuação conjunta, como a criação de equipes conjuntas de investigação e na construção de mecanismos de devida diligência (due diligence) e rastreamento de cadeias produtivas. Autoridades competentes nos países envolvidos, como a Polícia Federal e a Receita Federal, poderiam integrar suas bases de dados com sistemas de alerta de infratores recorrentes, de modo a facilitar a responsabilização legal de (nos dois lados da cadeia) empresas e indivíduos.

Para além do incentivo à cooperação internacional, o estudo também traz outras recomendações, como a promoção da criação de mais varas, promotorias e unidades especializadas na área ambiental; a adoção de práticas investigativas que foquem nas transações financeiras relacionadas ao comércio de produtos e ativos advindos dos crimes ambientais, de modo a responsabilizar legalmente os que financiam e lucram com tais crimes; entre outras medidas. A responsabilização em todos os elos da cadeia, da extração ao consumo, deve ser entendida como prioridade para a construção de um contexto que promova o desenvolvimento sustentável e a justiça climática na Amazônia.

 

       “Nunca Mais Outra Vez” e “Dinamite Pura”: organizações da sociedade civil mostram o impacto do governo Bolsonaro sobre o meio ambiente

 

Quatro anos de desmonte político-institucional deixaram o meio ambiente no Brasil em sua pior situação em pelo menos duas décadas: é o que comprovam duas análises divulgadas nesta 2ª feira (27/3) pelo Observatório do Clima, Observatório da Mineração e o Sinal de Fumaça.

No relatório “Nunca mais outra vez“, o quarto e último da série do Observatório do Clima que documentou a necropolítica ambiental promovida pelo antigo governo, a paralisia da política ambiental na era Bolsonaro é nítida, especialmente no que diz respeito à execução do orçamento para a área.

A média anual de liquidação orçamentária para a área ambiental na gestão Bolsonaro foi de R$ 2,8 bilhões, a mais baixa da série histórica iniciada no 1º governo FHC, em 1995. Os gastos do governo federal em 2022 ficaram em R$ 2,53 bilhões, o menor índice desde o ano 2000. O esvaziamento orçamentário e a paralisia institucional se refletiram diretamente no descontrole ambiental observado no Brasil nos últimos quatro anos.

O relatório elenca alguns “feitos” da política antiambiental de Bolsonaro: maior aumento de desmatamento na Amazônia em um mandato presidencial (+60%); maior alta nas emissões de gases de efeito estufa em 19 anos; redução de quase 49% nas autuações por desmatamento na Amazônia; aumento de 212% nas invasões e de 125% no garimpo ilegal em Terras Indígenas; recordes de violência no campo; paralisação na demarcação de novas Reservas Indígenas e Unidades de Conservação; e a redução da ambição climática do Brasil no Acordo de Paris. Brasil de Fato, Folha e O Tempo repercutiram esses números.

Já o Observatório da Mineração e o Sinal de Fumaça lançaram o relatório “Dinamite Pura“, abordando os efeitos da gestão Bolsonaro sobre a mineração e o garimpo no Brasil. A análise mostra que diversas medidas tomadas pelo antigo governo privilegiaram os interesses da indústria mineradora e dos garimpeiros em detrimento dos Povos Indígenas e comunidades tradicionais, deixando uma verdadeira “bomba climática” no colo dos brasileiros.

“A cúpula do governo bolsonarista promoveu mudanças legais e infralegais que beneficiaram grandes mineradoras, fizeram explodir as redes criminosas do garimpo ilegal e colocaram instituições como o Ministério de Minas e Energia e a Agência Nacional de Mineração totalmente subservientes a interesses escusos”, destacou o relatório.

Em sua coluna n’O Globo, Miriam Leitão destaca algumas das 20 sugestões feitas no relatório para o atual governo: “Realizar novos concursos para ampliação do número de servidores e recomposição de quadros técnicos de órgãos como a Agência Nacional de Mineração e o IBAMA, em particular; revisar as nomeações de todos os superintendentes regionais da ANM e exonerar de acordo; rever permissões, prazos e autorizações tácitas de lavra garimpeira e direitos minerários concedidos pela Agência Nacional de Mineração nos últimos quatro anos, além da revisar processos de pesquisa mineral com participação do CPRM e de empresas privadas nos estados; (…) recomendar ao Banco Central diligência aperfeiçoada sobre as DTVMs que comercializam ouro para descadastrar instituições financeiras envolvidas com garimpo ilegal”. A jornalista também destaca a recomendação do “fim da ‘fiscalização remota’ para garimpos e barragens e ampliação de vistorias presenciais, incluindo monitoramento permanente da segurança das estruturas sem terceirizar para empresas e auditorias.”

 

       Seis empresas de mineração e 12 pessoas em MG vão responder por exploração irregular de recursos minerais

 

Seis empresas de mineração e 12 pessoas vão responder por extração de recursos minerais em área tombada da Serra do Curral, sem a competente autorização, e por exploração de matéria-prima pertencente à União. A Justiça Federal de Belo Horizonte recebeu, na última quarta-feira (22), a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), que pede, além da condenação dos envolvidos, a fixação do valor mínimo de R$ 50,7 milhões para a reparação dos danos causados.

Segundo a peça de acusação, entre fevereiro e julho de 2020, as empresas denunciadas, mediante simulação de terraplanagem com guia de utilização obtida com documentos indevidos, extraíram recursos minerais em trecho da serra nos municípios de Belo Horizonte (MG) e Sabará (MG). Segundo o MPF, as obras gerais de terraplanagem estão sujeitas à autorização dos respectivos municípios em que forem realizadas, desde que não haja comercialização das terras e dos materiais extraídos com a atividade. No entanto, foi atestado por perícia que a atividade que estava sendo realizada no terreno não era de terraplanagem, mas sim de extração mineral. A exploração irregular caracteriza crime previsto no artigo 55, combinado com o artigo 3º, ambos da Lei 9.605/1998.

Ainda de acordo com a denúncia, os envolvidos no esquema adquiriram, transportaram, industrializaram e comercializaram os recursos extraídos pelas empresas. Dessa forma, as 12 pessoas que se tornaram rés também vão responder por crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, previsto pelo artigo 2º da Lei 8.176/1991.

Quanto à possibilidade de oferecimento de acordo de não persecução penal (ANPP), o MPF aponta que não ofereceu o benefício por entender que o instrumento não é suficiente para a reprovação e prevenção do crime. Segundo o MPF, a gravidade dos delitos e a dimensão social, econômica e ambiental impedem o oferecimento do acordo. Além disso, foram verificadas diversas artimanhas dos envolvidos para ludibriar a verdade dos fatos e sucessivos descumprimentos de termos de ajustamento de conduta (TACs), o que impede a aplicação do ANPP ao caso.

Empresas denunciadas e que se tornaram rés:

Valefort Comércio E Transporte Ltda-Me

Mineração Gute Sicht Ltda

Fleurs Global Mineração Ltda

Irontech Mineral Ltda

Saae Participações S/A

CDM Participações S/A

 

Fonte: Por Flávia do Amaral Vieira, no Le Monde/ClimaInfo/Ascom MPF

 

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