quarta-feira, 29 de março de 2023

Mensagens pelo WhatsApp não bastam para conter solidão de idosos, diz especialista em ciência da felicidade

A pandemia da covid-19 levou governos em todo o mundo a adotarem medidas rígidas de restrição e isolamento social para evitar a disseminação da doença. Os idosos faziam parte do grupo de risco e passaram a ser evitados pela própria família e amigos para reduzir a chance de transmissão.

Denize Savi, especialista em ciência da felicidade e coordenadora da organização Doe Sentimentos Positivos, disse que os idosos sofreram ainda mais na pandemia porque eles não adquiriram o hábito de lidar com as novas tecnologias de comunicação como os mais jovens.

"Eles acabaram ficando isolados. Isso agravou a tristeza, aumentou muito o número de depressão e ansiedade. É preciso que a gente olhe para esse cenário com empatia, com cuidado, porque eles estão precisando de atenção, principalmente agora nesse pós-pandemia", afirmou a especialista.

Denize diz que estudos recentes apontam que esse isolamento da população em geral pode refletir numa futura epidemia de saúde mental neste período pós-pandemia.

E para evitar que doenças psicológicas atinjam a sociedade de maneira massificada, ela diz ser necessário criar uma rede de apoio em torno das pessoas, principalmente as mais vulneráveis, como os mais velhos.

"A família precisa se reaproximar dessas pessoas. Porque o contato físico é extremamente importante, fundamental", diz.

Outra orientação da psicóloga é evitar enviar notícias ruins para os mais velhos.

"Às vezes, por exemplo, você soube que uma pessoa do seu convívio, mais de idade, faleceu (...) [É necessário] minimizar essas questões. Realmente levar notícias boas e trazer para a roda de conversa algo que seja frutífero, que vai deixar essa pessoa feliz", diz.

Mas ela também dá um puxão de orelha nos idosos que não procuram a família.

"Da mesma forma que os filhos e os netos precisam procurar os idosos para que haja esse convívio, os idosos também têm que fazer isso. Eles também têm que mandar um recadinho: 'Poxa, vamos fazer um almoço neste fim de semana?'", afirma a especialista.

Quando nenhuma dessas técnicas resolver, os idosos, segundo ela, devem procurar alguma ocupação por conta própria. Algo, de preferência, que tenha um impacto social por meio da solidariedade.

"Às vezes, a idosa tem um talento para tricô. Ela pode fazer blusinhas e casaquinhos para crianças de creches. O maior segredo de tudo não é saber o que tem que ser feito. É ter disciplina. Ter disciplina é o mais difícil. Isso vale para todas as idades, mas em especial para os idosos", diz Denize.

•        A importância da presença

A psicóloga reforça que, segundo estudos, o contato exclusivamente telefônico ou via WhatsApp e redes sociais não é suficiente para aumentar a sensação de felicidade e bem-estar.

"É o contato físico, o afeto, principalmente o abraço e o olho no olho e o carinho, que fazem com que o ser humano floresça para uma vida com mais bem-estar. Então não adianta o familiar ligar para saber como o pai ou a mãe está se ele não fizer uma visita presencial. É extremamente importante estar junto de verdade. Muitas vezes é muito difícil porque mora em cidades distantes, mas é necessário se organizar para, pelo menos em algum momento, estar junto. Porque isso é fundamental", afirma ela.

Esse contato físico, segundo Denize, é essencial para evitar que os idosos fiquem doentes.

"[Essa distância] pode levar a doenças como Alzheimer, Parkinson, depressão, ansiedade, esquizofrenia e tantas outras doenças mentais", diz a psicóloga.

A especialista em ciência da felicidade diz que uma pesquisa desenvolvida pela Universidade de Harvard, que já dura mais de 80 anos, revelou que as pessoas que chegam na terceira idade com uma rede social pequena, com poucos amigos, têm uma tendência muito maior à depressão.

"A solidão, cientificamente falando, nos deixa infelizes. Então, a gente precisa olhar para as nossas amizades como algo extremamente importante para o nosso bem estar. Desde cedo, a gente já precisa cultivar essas relações porque essa pesquisa mostra que uma vida feliz é uma vida compartilhada", diz.

"Essa pesquisa inclusive mostra que as pessoas que têm mais ligações sociais, além de serem mais felizes, são mais saudáveis. Elas vivem mais. A gente percebe que entre as pessoas na terceira idade, sem amigos, a tendência é elas adoecerem e virem a óbito antes", afirmou a especialista.

A psicóloga afirmou ainda que é importante que as pessoas ao redor desses idosos levem carinho e afeto para eles. Ela ressalta que também são necessárias políticas públicas para que os idosos que vivem sozinhos tenham espaços para interagir entre si.

"O acolhimento é fundamental porque as pessoas deixam de sentir esse isolamento, essa solidão, e passam a sentir-se importantes. Então perceba que o contato físico, o encontro, promove isso."

•        Notícias negativas

Além de ser insuficiente para evitar quadros de doenças mentais, mandar mensagens a idosos por meio de aplicativos pode causar ainda mais ansiedade neles.

"O que a gente vê hoje é muita notícia negativa. Isso vai nos deixando cada vez mais preocupados, ansiosos e introspectivos. Precisamos promover o contrário. Falar de coisas que vão impulsionar esse reencontro entre as pessoas. Essa esperança de que as coisas estão mudando. O que acontece é que o ser humano tem uma tendência natural ao negativo."

"O pesquisador americano Rick Hanson diz que o cérebro humano é teflon para o positivo e velcro para o negativo. E o que acontece quando a gente vê uma notícia ruim? Aquela notícia não fica na nossa mente apenas nos segundos que nós vemos na televisão ou no jornal. Ela reverbera durante todo o dia. E se a gente passa uma hora tendo só notícia ruim ou ao longo do dia, tendo contato com muitas notícias, a nossa visão de mundo vai ser totalmente negativa, o que vai nos deixando cada vez menos confiantes pela vida."

Denize Savi afirma que devemos sim nos manter informados, mas que também é necessário se policiar para não se expor tanto a essa "tendência natural ao negativo".

•        Políticas públicas

Entre as iniciativas, a psicóloga diz ser crucial a construção de espaços de convivência para os idosos. Ela defende que esses locais sirvam não só de pontos de encontro, mas que também ofereçam cursos profissionalizantes, aulas de dança e esportes.

"Isso precisa ser retomado, porque teve uma pausa na pandemia e agora sim é um momento de chamado dessas pessoas. Muitos têm medo de sair porque a pandemia nos deixou muito inseguros. Isso é fundamental para que elas voltem a ter esse brilho pela vida", afirma.

Depois da pandemia, a psicóloga diz que o combate à solidão tem sido um dos maiores desafios da psicologia.

•        A importância da amizade

A psicóloga ressalta que cultivar amizades desde a infância é essencial para ter uma vida adulta mais feliz.

"É a partir dessa convivência com outras crianças que ela vai aprender empatia, desenvolver a criatividade, o senso de responsabilidade e que ela vai saber o que é compartilhar, dividir, aprender e negociar", diz a psicóloga.

Ela afirma ainda que a amizade colabora na adolescência com a construção da identidade e que nesse momento você começa a encontrar os maiores amigos. Essas companhias, segundo ela, são o alicerce da vida adulta na resolução de problemas.

"Quando a gente compartilha os nossos problemas, eles ficam menores. Quando a gente é acolhido por um amigo, a gente ganha forças para encarar o dia a dia e os desafios. Muitas vezes você não se dá bem com as pessoas da sua família, mas você se dá bem com os seus amigos. Essa é a família que a gente escolhe, como diz o ditado popular."

 

       Os benefícios de se achar mais jovem do que realmente é

 

Que idade você acha que corresponde à meia-idade? De 40 a 60 anos? Dos 50 aos 70? Em algum ponto intermediário?

Provavelmente não vai te surpreender saber que a resposta que as pessoas dão a isso depende de quantos anos elas têm no momento em que ouviram a pergunta.

Quando meio milhão de pessoas preencheram um questionário online em 2018, os participantes que tinham entre 20 e 30 anos responderam que, em média, a meia-idade começava aos 40 anos, enquanto a velhice tinha início aos 62.

Em contrapartida, os maiores de 65 anos não pensavam que se chegava à velhice antes dos 71 anos.

É bastante óbvio o que acontece. Ninguém gosta de pensar que está envelhecendo — então, se você tem 40 anos, adora artigos que proclamam que os 40 são os novos 30.

Da mesma forma, as pessoas na faixa dos 70 anos ficam animadas com sugestões de que, com os avanços na nutrição e nos cuidados de saúde, praticamente acabaram de sair da meia-idade.

Além disso, tendemos a querer nos dissociar de qualquer grupo que seja estigmatizado.

Isso significa que resistimos a ser designados como velhos, quando vemos o idoso retratado como frágil, sedentário, doente e até mesmo um fardo para a sociedade.

Claro que a velhice é uma realidade, e os idosos devem ser tratados com respeito e dignidade.

Será então que as pessoas estão simplesmente se iludindo quando se recusam a se considerar velhas?

Na verdade, esta pode ser uma estratégia sensata, que pode ser realizada e melhorar a qualidade de vida.

Em 2003, os pesquisadores Hannah Kuper e Michael Marmot (famosos por demonstrar o impacto que o status socioeconômico pode ter em nossa saúde e expectativa de vida) realizaram um amplo estudo no qual os participantes foram novamente questionados: quando a velhice começa?

As respostas variaram, claro, mas o que Kuper e Marmot descobriram foi que as pessoas que pensavam que a velhice começava mais cedo eram mais propensas a ter um ataque cardíaco, sofrer de doenças cardíacas ou ter uma saúde física em geral precária quando monitoradas de seis a nove anos depois.

Os participantes desta pesquisa estavam participando do chamado estudo Whitehall II, um estudo longitudinal com mais de 10 mil funcionários públicos que trabalhavam em Londres.

A pesquisa é robusta e os participantes responderam a uma grande variedade de perguntas.

Isso significava que Kuper e Marmot podiam estabelecer que outros fatores, como o nível de emprego, não poderiam explicar as diferenças nos resultados de saúde.

Como poderia então a idade que você designa como o início da velhice ter um impacto tão grande na sua saúde?

Uma teoria é que a resposta para a simples pergunta de "quando a velhice começa" fornece, na verdade, muito mais informação sobre uma pessoa do que você imagina.

Pode ser, por exemplo, que a pergunta leve as pessoas a pensar sobre sua própria saúde física e, se tiverem problemas de saúde pré-existentes ou um estilo de vida ruim, podem não se sentir tão bem e pensar que a velhice está chegando mais cedo.

As pessoas que dizem que a velhice chega mais rápido também podem ser mais fatalistas e menos propensas a procurar ajuda para problemas de saúde ou a adotar rotinas mais saudáveis, acreditando que o declínio é inevitável.

Elas podem supor, por exemplo, que as pessoas mais velhas são frágeis, e começar a andar deliberadamente mais devagar e pegar leve, quando isso é exatamente o que não deveriam fazer em prol de sua saúde física e mental.

Elas podem esperar esquecer coisas devido à idade, então param de contar com suas memórias. É até possível que o estresse de se apegar a ideias negativas sobre o envelhecimento contribua para a inflamação crônica e mais problemas de saúde a longo prazo.

De maneira que viver de acordo com o estereótipo de uma pessoa mais velha poderia aumentar justamente os problemas que temem.

E, claro, o inverso pode ser verdade também.

As pessoas que pensam que a velhice começa mais tarde podem estar mais conscientes sobre sua saúde e condicionamento físico e, portanto, tomar medidas ativas para se manter em forma.

Elas acreditam que são mais jovens e, portanto, se comportam de maneira mais jovem, criando um círculo virtuoso.

Seja qual for a explicação, o estudo de Kuper e Marmot não é a única pesquisa a demonstrar benefícios mensuráveis de pensar positivamente sobre o envelhecimento.

Becca Levy, da Escola de Saúde Pública de Yale, também produziu resultados extraordinários, usando dados do Estudo Longitudinal de Envelhecimento e Aposentadoria de Ohio, que acompanhou mais de mil pessoas que tinham pelo menos 50 anos na época.

Levy descobriu que as pessoas que tinham ideias positivas sobre seu próprio envelhecimento (que concordavam com comentários como "tenho tanta vitalidade quanto no ano passado" e que discordavam que à medida que você envelhece fica menos útil) viveram em média 22,6 anos após terem participado do estudo pela primeira vez, enquanto aquelas que se sentiam menos positivas sobre a velhice viveram, em média, apenas 15 anos a mais.

Em seguida, surgiu um novo estudo conduzido por Susanne Wurm, da Universidade de Greifswald, no norte da Alemanha, que pode definir o problema com mais precisão.

E suas descobertas oferecem boas notícias para as pessoas que pensam mais negativamente sobre a chegada da velhice. Elas não se mostraram mais propensas do que a média a morrer cedo.

Mas, novamente, as pessoas que viam a velhice de forma mais positiva, como um momento para aprender coisas novas e fazer novos planos, por exemplo, viviam mais em média.

Neste estudo, não importava tanto o que as pessoas pensavam sobre as implicações físicas do envelhecimento, o que importava era se elas acreditavam que ainda iriam se desenvolver e crescer mentalmente.

Nenhuma destas pesquisas significa que podemos parar ou reverter magicamente o processo de envelhecimento.

Visão, audição, memória, massa muscular, resistência óssea, processos de recuperação: pode escolher, tudo isso declina. E as pessoas mais velhas são, obviamente, mais vulneráveis a toda uma variedade de doenças.

Todos estes grandes estudos são baseados em médias, então dizer que não está na meia-idade não evitará que todo mundo fique doente.

Mas no livro The Expectation Effect ("O efeito da expectativa", em tradução livre), o jornalista especializado em ciência David Robson dá algumas dicas.

Ele indica que, em vez de lamentar a perda da juventude, devemos nos concentrar nas experiências e no conhecimento que adquirimos à medida que envelhecemos — e perceber o quão melhor lidamos com as situações.

Quando as pessoas mais velhas não se sentem bem, elas não devem supor que tudo se deve à idade avançada.

Acima de tudo, à medida que envelhecemos, nunca deveríamos desistir de tentar ser mais saudáveis e acreditar que ainda podemos fazer muitas coisas.

Se adotarmos esta atitude, provavelmente viveremos mais e aproveitaremos estes anos.

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Fonte: BBC Future

 

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