Como mudanças
climáticas estão alterando comportamento, reprodução e tamanho de animais
Asas
desproporcionais, aumento de tamanho, reprodução de mais fêmeas do que machos e
dificuldade para reconhecer alimentos devido a modificações cognitivas estão na
lista de alterações sofridas por animais devido às mudanças do clima.
Pesquisas
mostram que para conseguir sobreviver ao aumento da temperatura, à poluição de
rios e aos eventos climáticos extremos, como longos períodos de seca e de
chuvas intensas, espécies estão alterando o seu modo de vida, sua maneira de se
reproduzir e até o seu tamanho.
Na
lista de animais mais atingidos pelas alterações do clima, as abelhas aparecem
como um dos mais impactados. Não é à toa que cada vez mais é difícil
encontrá-las em diversos pontos do mundo em que eram frequentes.
"Com
o aumento das secas, o período de floração das plantas diminui. Com isso,
muitas abelhas não estão conseguindo néctar e pólen, que coletam nas flores.
Consequentemente estão desaparecendo", diz Michael Hrncir, professor do
Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (SP).
Contudo,
os impactos negativos sobre as abelhas não ocorrem apenas por falta de
alimento. Pesquisas mostram que o aumento de temperatura também está provocando
deformações nas asas de algumas espécies. "Em decorrência do estresse
causado pelas mudanças climáticas temos comprovação que algumas abelhas nascem
com uma asa maior que a outra."
·
Alterações cognitivas
Diferentemente
dos seres humanos, que conseguem controlar a temperatura do corpo, por serem
seres endotérmicos, a temperatura das abelhas equivale à do ambiente em que
estão inseridas mais a que produzem ao bater as asas. "Para se ter uma
ideia, uma abelha bate, em média, 250 vezes as asas por segundo", apontou
Michael.
Assim,
se uma abelha está em um ambiente a 30 graus, ao bater as asas, o seu músculo
ativo faz sua temperatura corporal chegar a até 42 graus. O problema é que a
elevação da temperatura além de provocar um superaquecimento também ocasiona
impactos cognitivos.
"Estudos
revelam que algumas espécies de abelhas estão perdendo a capacidade de
cognição, como reconhecer uma flor ou o caminho de volta para colônia, por
exemplo, por conta da elevação da temperatura", ressaltou o pesquisador da
USP.
O
desaparecimento de abelhas pode provocar um efeito em cascata. Isso porque é
através do seu trabalho de polinização que muitas sementes surgem e flores
sobrevivem.
Sua
capacidade de aumentar em cerca de 25% o rendimento das colheitas -,
consequentemente, dos alimentos que comemos – corre risco à medida que mudanças
drásticas no clima ocorrem.
·
Mais fêmeas do que machos
Quem
também é impactado diretamente pelas mudanças do clima são os quelônios -
tartarugas marinhas e de água doce.
Diferentemente
de outros animais, elas dependem de um fator externo para que o sexo do filhote
seja determinado.
É
a temperatura da areia onde os ovos são colocados que vai estabelecer se
nascerá uma fêmea ou um macho. Em regra, temperaturas altas (acima de 30 graus)
produzem mais fêmeas; temperaturas mais baixas (abaixo de 29 graus) produzem
mais machos.
"Entretanto,
quando temos aumento da temperatura passamos a ter uma tendência de geração
apenas de filhotes do sexo feminino. Isso provoca um desequilíbrio demográfico
da espécie", afirmou Fernanda Werneck, especialista em anfíbios e répteis
do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa).
Além
disso, pela reprodução dos quelônios ser sexuada - macho transfere os
espermatozoides para dentro do corpo da fêmea. A diminuição de indivíduos do
sexo masculino provoca uma queda abrupta no número de exemplares da espécie,
antes mesmo do processo de confecção dos ninhos.
·
Anfíbios diminuem de tamanho
Outros
animais impactados pelas mudanças do clima são os anfíbios, como sapos, rãs e
pererecas. Com o aumento da temperatura, espécies estão mais suscetíveis às
infeções do fungo quitrídio - Batrachochytrium dendrobatidis -,
responsável por declínios de diversas espécies de anuros, no passado.
O
coordenador do Laboratório de Herpetologia e Comportamento Animal da
Universidade Federal de Goiás (UFG), Rogério Pereira Bastos, aponta que a
diminuição de locais apropriados para reprodução (corpos d’água), que estão
ficando secos ou escassos, está fazendo com que algumas espécies diminuam de
tamanho.
"Como
o período seco tende a ficar maior, os anfíbios terão menor disponibilidade de
presas para se alimentarem. Assim, eles chegarão à fase adulta com tamanho
menor."
O
problema é que o tamanho dos anfíbios influencia na vocalização do macho –
mecanismo utilizado para atrair as fêmeas. Assim, as mudanças climáticas também
estão alterando a reprodução de algumas espécies de anfíbios.
"Machos
menores têm vocalizações mais agudas (frequências maiores) e machos maiores têm
vocalização mais grave (frequências menores). Como a mudança climática está
ocorrendo em período de tempo pequeno, será que o sistema auditivo das fêmeas
ainda conseguirá reconhecer as vocalizações dos machos de suas espécies?",
questionou o pesquisador.
Um
estudo sobre a perereca Boana goiana, encontrada na Floresta
Nacional da Silvânia (GO), mostrou que, em quase duas décadas, características
do canto da espécie diminuíram à medida que a quantidade de recursos naturais
reduziu na floresta.
"Já
temos modelos que preveem como será a destruição geográfica dos anfíbios daqui
a 50 anos. Nesta nova distribuição, teremos unidades de conservação? O que se
vê é que não teremos. Então, seria interessante criar unidades de conservação
nas áreas que serão mais adequadas para os anfíbios. Assim, poderemos conservar
mais espécies, criando uma rede de proteção", defendeu Rogério.
·
Lagarto aumenta de tamanho
Ao
mesmo tempo que existem espécies que estão diminuindo de tamanho, por conta das
mudanças do clima, outras estão aumentando. É o que revela um estudo publicado
no periódico científico Biological Journal of the Linnean Society, que comparou
amostras do lagarto sul-americano Tropidurus torquatus, da década
de 1960 com as de 2012.
Segundo
a pesquisa, o aumento de aproximadamente dois graus na temperatura nas últimas
décadas, fez com que essa espécie de lagarto atinja o tamanho adulto mínimo
dois anos antes.
"Com
as técnicas usadas, soubemos que, emm 1960, lagartos se tornavam sexualmente
maduros por volta dos 5 anos em locais mais urbanos, e por volta dos 6 ou 7
anos em locais de floresta. No presente, a maturidade acontece ao menos dois
anos antes. Se assumimos expectativas de vida similares, uma possibilidade é
que o período de reprodução tenha sido acelerado", apontou Carlos Navas,
professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).
Para
chegar à conclusão, que o aumento de temperatura pode ter influenciado no
tamanho do lagarto sul-americano Tropidurus torquatus, os
cientistas tomaram por base um estudo similar feito com uma espécie de geco
- Homonota darwinii - da Patagônia argentina.
"Nele,
encontramos que animais coletados em locais mais frios atingiam a maturidade
sexual um ano mais tarde", apontou Navas.
·
Mais vulneráveis
Carla
Piantoni, cientista da Universidade do Havaí, em Manoa (EUA), que também
participou da pesquisa, ressalta que o fato dos lagartos serem animais
ectotérmicos, ou seja, sua temperatura não é regulada diretamente pelo
metabolismo, como acontece nos mamíferos, os deixa ainda mais vulneráveis ao
aumento da temperatura provocado pelas mudanças climáticas.
"Muitos
lagartos são bons mantendo temperaturas corporais relativamente estáveis, mas
sempre que as condições de temperatura do ambiente permitem. Contudo, como nem
sempre é o caso, terminam sendo expostos à variação termal. Essa variação pode
ter impacto no desenvolvimento deles, na primeira reprodução e no número de
ovos", apontou.
A
especialista em anfíbios e répteis, Fernanda Werneck, do Instituto Nacional de
Pesquisa da Amazônia (Inpa), que há anos tenta entender como a seleção natural
atua sobre os animais da Amazônia, cita como exemplo o lagarto Tropidurus
torquatus, popularmente conhecido como calango.
Encontrado
em regiões do Cerrado e nas bordas de floresta, a espécie não tem conseguido se
adaptar ao novo clima e tem desaparecido na última década.
Em
contrapartida, o lagarto Cnemidophorus lemniscatus parece
estar se ‘beneficiando’ das mudanças do clima e expandindo sua presença.
Contudo, o que parece ser benéfico a longo prazo pode ser ruim.
"Temos
que entender que quando uma espécie migra para outra região para sobreviver, em
busca de alimento ou de um ambiente parecido com o que ela vivia, essa nova
espécie, normalmente, compete com espécies nativas. Isso causa prejuízos a
longo prazo", explicou Werneck.
·
Macacos mudam comportamento
A
perda de áreas de Mata Atlântica, seja para a pecuária ou agricultura também
altera o comportamento dos macacos.
Em
busca de sobreviver, o macaco-prego passou a tomar água de coco para evitar a
desidratação. A constatação foi feita pelo pesquisador Hilton Japyassú da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), em parceria com Danilo Sabino e Esaú
Marlon.
"Eles
foram expulsos de áreas mais favoráveis à sua sobrevivência, e uma simulação
computacional mostra que em cinquenta anos eles estarão restritos à Mata
Atlântica do Sul da Bahia", ressaltou Hilton.
Segundo
o pesquisador, atualmente, ao norte da Bahia, resiste uma população que passou
a utilizar o mangue regularmente, ao aprender a abrir coco e beber sua água.
"Para
não se expor demais, os macacos usam do coqueiral abandonado. Além disso,
constatamos que para não gastar muita energia, preferem os coqueiros mais
baixos, e escolhem o coco pelo seu tamanho, dando preferência aos
intermediários."
·
Oceano mais quente expulsa caranguejos
No
litoral do Sudeste brasileiro, outro animal sofre processo semelhante para se
adaptar ao oceano quase um grau mais quente do que há quarenta anos.
Tânia
Márcia Costa, bióloga e professora do Instituto de Biociências da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), conta que o caranguejo chama-maré - Leptuca
cumulanta – que até 2010, historicamente, tinha como limite sul o
Estado do Rio de Janeiro, passou a habitar o litoral de São Paulo, onde as
temperaturas são mais frias.
"O
que vem acontecendo é um processo de tropicalização, com os animais procurando
regiões mais frias. O problema é que quando eles chegam em regiões a que não
estavam habituados podem comprometer todo o ecossistema. Levando à redução ou
extinção de espécies nativas da nova área que ele passou a habitar",
disse.
Diretamente
relacionado com as mudanças climáticas, o aumento da temperatura dos oceanos é
causado pela emissão de gases do efeito estufa. Em regra, o aquecimento
atmosférico transmite energia térmica para as águas, que consequentemente
aumentam de temperatura.
Dessa
forma, como um efeito dominó, o aquecimento provocado pelo homem, culmina no
aquecimento do oceano, que interfere diretamente na vida aquática.
"Temos
três efeitos das mudanças climáticas que estão impactando diretamente os
animais: aumento da temperatura; acidificação de oceanos e ambientes de água
doce; e os recorrentes eventos extremos, como tempestades e secas",
apontou Tânia.
Segundo
a bióloga, os três efeitos interferem diretamente no organismo das espécies
marinhas. Isso porque, ao aumentar a temperatura da água, a primeira resposta
do animal com o metabolismo acelerado, normalmente, é elevar sua alimentação.
"Ou
seja, ele vai precisar comer mais. Com isso, também vai ficar mais exposto a
predação”, ressaltou a bióloga. “Sem contar que nem todos vão aguentar uma
temperatura tão alta. Muitas espécies já estão no limite da temperatura",
completou.
·
Aquecimento pode provocar fome
As
inúmeras mudanças em pouco tempo são a grande preocupação dos pesquisadores que
estudam como as alterações climáticas estão impactando os animais.
No
caso dos peixes, que não são capazes de regular a temperatura do corpo e são
dependentes interinamente da temperatura da água para sobreviver, um aumento de
1,5 grau já é suficiente para provocar a extinção de muitos desses seres, que
são vitais na dieta da população.
"Embora
várias dessas espécies aquáticas tenham aprendido a se adaptar a ambientes
extremos ao longo de centenas de milhares de anos, elas nunca foram submetidas
a uma situação tão complicada como as que estão sendo provocadas pelo
homem", afirma Adalberto Val Luis, biólogo e pesquisador do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
O
biólogo cita o aumento da acidez da água, como um dos problemas que mais estão
comprometendo a vida de peixes nos rios da Amazônia.
"Essa
poluição da água não acontece apenas pelo desmatamento e pelas queimadas, mas
também de como usamos o ambiente e descartamos medicamentos. Um
anticoncepcional, por exemplo, descartado em um rio de maneira irregular pode
impactar na reprodução de peixes e comprometer todo um ecossistema",
alertou.
Para
se ter uma ideia, 90% da proteína consumida pelas 25 milhões de pessoas que
vivem na Amazônia brasileira advém dos peixes. Ou seja, as mesmas ações humanas
que comprometem os animais hoje, podem ser responsáveis por provocar fome no
futuro.
·
Possíveis soluções
Fernanda
Werneck, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), alerta que antes
de uma espécie ser extinta, normalmente, ela concede sinais: muda de habitat,
tenta adaptar-se a nova temperatura ou sofre mutações.
"Uma
espécie não é extinta do dia para a noite, esse processo acontece em capítulos.
O problema é que já estamos vendo esses processos acontecendo. Por isso, da importância
de medidas como combate ao desmatamento, preservação de áreas de conservação e
incentivo à pesquisa. Toda espécie é importante para o ecossistema e para a
vida no planeta", afirmou a pesquisadora.
Fonte:
BBC News Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário