quinta-feira, 1 de maio de 2025

Paulo Henrique Arantes: O vácuo legal das redes sociais chega a matar

Ao receber o título de Doutor Honoris Causa em Comunicação e Cultura na Universidade de Turim, em 11 de junho de 2015, o escritor e filósofo Umberto Eco referiu-se aos usuários das mídias sociais como “uma legião de imbecis, que antes falavam apenas no bar, depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. O consagrado autor de “O Nome da Rosa” foi além: “Normalmente, eles, os imbecis, eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra que um Prêmio Nobel”. Não satisfeito, acrescentou: “O drama da internet é que ela promoveu o idiota a portador da verdade”.

É triste constatar a verdade absoluta na fala do escritor italiano, mas dar voz também aos imbecis talvez seja o preço da liberdade. Quem frequenta as redes sociais de forma ampla, em rol de “amizades” que vá além do, digamos, círculo de convivência presencial, sabe do que se trata. Não se pode negar a mídia social como palco revelador das faces verdadeiras: personalidades, crenças e crendices, ódios e amores antes recolhidos são catapultados do teclado para o mundo, satisfazendo aquele desejo de boa parcela da humanidade de se exibir.

Contudo, essa liberdade de expressão, absoluta nas redes, não exime ninguém de crimes como calúnia, difamação, insulto, escárnio por motivo religioso, favorecimento da prostituição, ato ou escrito obsceno, incitação do crime, apologia ao crime, falsa identidade, pedofilia, preconceito, discriminação ou revelação de segredo profissional, todos descritos no Código Penal. 

Mas a amplitude do alcance a que chegaram as redes sociais obriga a Justiça e ir além, muito além disso. O Legislativo tem o dever de aprovar uma norma específica que puna a disseminação de fake news, arma decisiva a favorecer 10 entre 10 tiranetes no mundo. Fiquemos em dois: Trump e Bolsonaro não existiriam politicamente sem o uso diuturno e profissionalizado de fake news em redes sociais.

O problema, contudo, vai muito além da política. As fake news e outros crimes de internet, como a instigação a atitudes aberrantes e mesmo inacreditáveis, ceifam vidas. A destruição de reputações mata. Pessoas chegam a se suicidar por causa do alcance de crimes contra a honra em rede social.

Em alguns casos, condena-se à morte. Assim aconteceu com a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos, residente no Guarujá. Em maio de 2014, uma foto dela foi postada numa mídia social, junto com a acusação de sequestro de crianças para rituais de magia negra. Informação mentirosa, boato surgido sabe-se lá por que motivo. Fabiane foi espancada até a morte por moradores do bairro em que morava, sem jamais ter feito nada parecido com magia negra, muito menos usando crianças.

O Direito só age naquilo que é exteriorizado, e nunca sobre o que está dentro do pensamento. Qualquer ser humano, internamente, dentro de sua cabeça, já cometeu ilícitos, preconceitos, mas isso fica restrito à nossa esfera de reflexão. Na internet, em vez de as pessoas pensarem, elas simplesmente se manifestam. E aí o Direito tem que ser aplicado.

E o que dizer das campanhas eleitorais? A quantidade de mentiras disseminadas sobre este ou aquele candidato, bem como o teor das invencionices, é assustador, como se sabe, ainda que no último pleito eleitoral o TSE tenha atuado com firmeza contra tais práticas.

<><> Jornalistas compram pelo valor de face

Não foi hoje que os políticos perceberam a importância das redes sociais: há muito tempo eles sabem que deixar de participar delas será um ônus. Seus perfis acabam sendo fontes de opinião. 

Quando um senador, um deputado ou um ministro posta uma frase qualquer no Twitter, às vezes sem a menor relevância factual, isso basta para estarem nas manchetes dos velhos jornais quase na mesma hora, comprovando a docilidade dos jornalistas de hoje, que invariavelmente “mordem a isca” lançada pelo político na rede social, sem questionamento.

Esse comportamento dos profissionais de imprensa está ligado à prática do jornalismo declaratório. Muitos jornalistas perderam ou nunca tiveram capacidade ou interesse de investigar e contextualizar os fatos e se satisfazem em colher frases que provoquem outras frases, numa contínua rede de dizeres.

¨      A hora de criar uma doutrina nacional para defender o Brasil na guerra da informação. Por Reinaldo Joaé Aragon Gomes

O Brasil está sendo invadido. Não por exércitos ou mísseis, mas por plataformas digitais estrangeiras, algoritmos que não obedecem às nossas leis e narrativas que moldam silenciosamente os rumos da nossa sociedade. Essa invasão não usa armas visíveis, mas compromete, todos os dias, nossa democracia, nossa liberdade e o nosso futuro. Estamos perdendo o controle sobre o que somos e o que podemos ser.

Sem uma doutrina nacional de soberania informacional, corremos o risco de nos tornarmos colônia de interesses invisíveis, onde nossas decisões, nossos dados e nossa cultura são moldados de fora para dentro. No século XXI, a guerra híbrida não precisa mais de tanques. Ela se dá por meio do controle das infraestruturas digitais, da manipulação de dados, da dominação algorítmica. A soberania de um país hoje se mede pela sua capacidade de controlar seus próprios sistemas, suas redes, suas tecnologias. E o Brasil segue indefeso.

Soberania informacional é soberania nacional. Ela articula três dimensões: a soberania digital, que garante o controle sobre plataformas e redes essenciais; a soberania de dados, que protege juridicamente as informações da nossa população; e a soberania tecnológica, que assegura o domínio sobre as inovações que definirão o amanhã. Estamos falhando em todas as frentes.

Essa vulnerabilidade é fruto de uma série de negligências históricas que atravessam governos, instituições e elites brasileiras. A sociedade civil e o meio acadêmico, com algumas exceções, limitaram-se a análises fragmentadas sobre desinformação eleitoral e crimes cibernéticos, sem integrar esses fenômenos em uma visão estratégica mais ampla sobre soberania informacional. O debate ficou restrito a questões pontuais, sem impulsionar uma mobilização nacional capaz de articular pesquisa, diagnóstico e formulação de políticas públicas robustas.

O Estado brasileiro foi omisso. Governos, ministérios, legisladores: todos falharam ao não colocar a soberania informacional no centro da agenda. Perdemos tempo e oportunidades enquanto a China, a Rússia e até a União Europeia erguiam barreiras de proteção e desenvolviam alternativas soberanas.

As Forças Armadas, ainda presas a paradigmas da Guerra Fria, ignoraram que a guerra contemporânea se trava no ciberespaço. O Legislativo cedeu a lobbies. As elites econômicas e midiáticas mantiveram-se confortavelmente submissas à lógica colonial da dependência tecnológica. As universidades e a sociedade civil, com raras exceções, ficaram limitadas a diagnósticos pontuais, sem construir uma visão estratégica integrada. Chegou a hora de romper esse ciclo.

A soberania informacional não pode mais ser periférica. Ela deve estar no centro da polícia, da educação, da cultura e da defesa nacional. É urgente garantir que toda infraestrutura crítica do Estado opere co tecnologias seguras, auditáveis e sempre que possível, com código aberto. Precisamos desenvolver nossas plataformas e investir na formação massiva em letramento digital e pensamento crítico. 

Mais o que uma questão técnica, essa é uma batalha cultural. Estamos disputando afetos, valores e sentidos. A desvalorização do Brasil, a ridicularização da nossa capacidade de inovação, a internalização de um complexo de vira-lata são armas do inimigo. Precisamos forjar uma noa narrativa, que já conhecemos: de orgulho, de dignidade informacional e de autonomia. 

A soberania informacional é a nova fronteira da independência nacional. Cada dado, cada rede, cada algoritmo é hoje um território em disputa. Continuar de braços cruzados é entregar o país à manipulação e à servidão digital.

Ainda há tempo para agir. Mas o relógio corre — e o atraso cobra caro. Cabe a nós, sociedade brasileira, atravessar essa fronteira com coragem, com inteligência e com o compromisso coletivo de quem não aceita viver ajoelhado diante das plataformas. A soberania informacional é uma urgência histórica. E o Brasil só será livre quando for, de fato, soberano.

¨      Quando o iPhone vira manifesto: o embate entre tarifas, transparência e poder. Por Washington Araujo

Com mais de quatro décadas dedicadas à administração pública e ao setor financeiro — 18 anos no Banco do Nordeste, onde chefiei áreas estratégicas de comércio exterior e câmbio, e 21 anos no Senado Federal, além da atividade como professor universitário —, aprendi que as grandes mudanças econômicas nem sempre começam com leis ou decretos. Às vezes, começam com um gesto. Em 28 de abril de 2025, um gesto simbólico — ainda que não implementado — causou alvoroço no coração político dos Estados Unidos: a suposta intenção da Amazon de incluir, nos produtos vendidos, uma nota explicando o quanto das tarifas comerciais impactava o preço final de um iPhone, por exemplo.

A Casa Branca reagiu com virulência. A porta-voz Karoline Leavitt classificou a ideia como “ato político hostil”, sugerindo vínculos entre Jeff Bezos e o governo chinês, e acusou a empresa de parcialidade por não ter feito o mesmo durante o governo Biden. Bezos, que esteve presente na posse de Trump em janeiro ao lado de Elon Musk e Mark Zuckerberg, virou novamente alvo — mesmo após gestos de aproximação com o novo governo. A Amazon negou oficialmente que planejasse tal ação, mas o estrago simbólico estava feito. A guerra comercial ganhava uma nova trincheira: a da narrativa.

Play Video

<><> A tarifa do “Dia da Libertação”: retórica protecionista e impacto real

A decisão que acendeu o pavio foi a adoção, em 2 de abril de 2025, de uma tarifa adicional de 10% sobre todas as importações acima de US$ 800. Batizada politicamente de “tarifa do Dia da Libertação”, a medida impôs novas barreiras a bens de consumo, peças industriais e equipamentos, atingindo países aliados como o Brasil. As exceções foram mínimas, restritas ao Canadá e ao México, membros do acordo USMCA.

A China respondeu à altura, impondo tarifas de até 34% sobre produtos americanos e restringindo a exportação de terras raras — minerais essenciais para a indústria de eletrônicos e semicondutores. Os Estados Unidos, por sua vez, eliminaram a isenção para encomendas de baixo valor vindas da China, Hong Kong e Macau, o que impactou diretamente plataformas populares como Shein e Temu. Em alguns itens, as tarifas chegaram a 245%. Pequim respondeu com taxas de até 125%.

Trata-se da maior ofensiva tarifária desde a década de 1930. Mas, diferente do discurso de soberania econômica, o efeito real é um aumento expressivo nos preços, retração nas margens de lucro, risco de desemprego e instabilidade global nas cadeias de produção. O cenário deixa claro: em meio à guerra retórica, quem sangra é a economia real.

<><> Demissões, reajustes e empresas sob pressão

A United Parcel Service (UPS), maior empresa de logística dos EUA e principal parceira da Amazon, anunciou a demissão de 20 mil funcionários. A justificativa da CEO Carol Tomé foi clara: queda nos volumes transportados da Amazon e necessidade de reestruturar a operação frente à nova realidade tarifária.

Outras empresas também reagem. A rede de restaurantes Chipotle Mexican Grill, presente em mais de 3 mil localidades nos EUA, reportou aumento nos custos operacionais. Carnes bovinas importadas da Austrália, embalagens do Vietnã e abacates da Colômbia e do Peru passaram a ter tarifas de 10%, o que elevou os custos da empresa. A construção de novos restaurantes também encareceu, com prateleiras e móveis vindos da China agora mais caros. O CFO Adam Rymer revisou para baixo as projeções de vendas, alertando investidores para “um ambiente macroeconômico desfavorável”.

No setor automotivo, a Tesla, embora mantenha boa parte da produção em solo americano, sofre na divisão de energia, dependente de baterias LFP importadas da China. A suspensão de pedidos chineses dos modelos Model S e Model X, como retaliação, é uma perda significativa. Elon Musk, conselheiro informal de Trump, defendeu tarifas mais baixas nos bastidores, mas não obteve êxito.

<><> Setores inteiros sob efeito dominó: tecnologia, varejo, semicondutores

As consequências não se limitam a algumas empresas. Os efeitos se espalham por setores inteiros. A indústria automotiva enfrenta tarifas entre 10% e 25% sobre peças e componentes, afetando empresas como General Motors e Ford, com queda nas exportações e pressão sobre os lucros. O fundo DRIV, que reúne ações do setor de veículos elétricos e autônomos, refletiu essa instabilidade com grande volatilidade.

No setor tecnológico, o fim das isenções fiscais (regime de minimis) encareceu notebooks e smartphones. A Apple já avalia transferir parte da produção para o Vietnã e a Índia. A HP, outra gigante, também estuda relocalização. O fundo XLK, que representa o setor de tecnologia no mercado financeiro, apresentou desempenho inferior ao S&P 500 em abril.

No varejo, plataformas como Shein e Temu, voltadas ao público jovem e popular, perderam competitividade. O Walmart, maior rede varejista americana, começou a repassar os aumentos nos preços de roupas, brinquedos e eletrônicos. O fundo XRT, que acompanha o setor varejista, também oscilou negativamente.

Em semicondutores, o impacto das restrições chinesas às exportações de terras raras foi direto. Empresas como Nvidia e Intel viram os custos subirem e os cronogramas de produção atrasarem. O fundo SOXX, composto por ações do setor, registrou perdas ao longo de abril.

Outro calcanhar de Aquiles (tenhamos em conta que mesmo na mitologia Aquiles possui apenas dois calcanhares!) da atual política econômica se revela na produção agrícola norte-americana. Além do impacto das tarifas sobre fertilizantes, máquinas e sementes importadas, os produtores enfrentam escassez aguda de mão de obra. A aceleração da política de deportação de imigrantes indocumentados — muitos dos quais eram latino-americanos e asiáticos — atingiu em cheio o setor. Essas populações representavam parcela expressiva dos trabalhadores rurais, encarregados da colheita em plantações espalhadas por estados como Califórnia, Texas e Flórida. Com sua ausência, safras inteiras vêm sendo perdidas nos campos. Segundo o Departamento de Agricultura dos EUA, em 2024 houve um prejuízo estimado em US$ 3,1 bilhões por alimentos que apodreceram sem serem colhidos. Ao mesmo tempo, o trabalhador norte-americano de baixa renda resiste a assumir esses empregos, citando a dureza das jornadas e a baixa remuneração. Essa conjugação de tarifas e mão de obra escassa fragiliza o pilar agrícola do país, elevando preços e acentuando a insegurança alimentar em várias regiões.

<><> Custos bilionários e pequenas empresas no fio da navalha

Gigantes industriais também se manifestam. A GE Vernova, braço de energia da General Electric, projeta um aumento de US$ 400 milhões nos custos operacionais em 2025. A Baker Hughes, especializada em serviços e equipamentos para o setor de petróleo e gás, estima perda de US$ 200 milhões no lucro anual, e suas ações caíram 6,4% após a divulgação desses dados.

As operadoras AT&T e Verizon — esta última, líder em telecomunicações e infraestrutura de rede — alertaram para o aumento nos preços de celulares, roteadores e planos residenciais. No setor médico, a Boston Scientific, fabricante de equipamentos cirúrgicos e cardíacos, e a Johnson & Johnson projetam gastos adicionais de até US$ 600 milhões em dispositivos médicos.

As pequenas empresas, no entanto, são as mais expostas. Sem acesso facilitado a crédito, com margens reduzidas e pouca capacidade de repassar aumentos ao consumidor, muitas enfrentam risco de falência. Representando quase metade da força de trabalho dos EUA, seu colapso poderia ter efeitos devastadores sobre a economia.

<><> ETFs, investidores e a reconfiguração global

Diante desse cenário, investidores institucionais ajustaram suas estratégias. BlackRock e Vanguard, duas das maiores gestoras de ativos do mundo, aumentaram posições em setores menos expostos à guerra comercial — como saúde, software e utilities (serviços essenciais como energia e saneamento). Também aumentaram a exposição a ativos reais, como ouro e commodities agrícolas.

Esses ajustes aparecem nos ETFs (Exchange Traded Funds), fundos negociados em bolsa que replicam o desempenho de setores específicos da economia. Assim, os ETFs funcionam como termômetros do mercado: o DRIV (veículos autônomos), XLK (tecnologia), XRT (varejo) e SOXX (semicondutores) vêm refletindo a turbulência causada pelas tarifas.

No curto prazo, a continuidade da guerra tarifária deve manter essa volatilidade. Empresas precisarão reestruturar suas cadeias produtivas, diversificar fornecedores e investir em inovação logística. Mas nada disso acontece da noite para o dia — e, no meio tempo, os custos sobem e os consumidores pagam mais.

<><> Um ambiente econômico sufocante, bem mais caro e menos cooperativo

As tarifas implementadas em abril de 2025 representam uma inflexão histórica. A política tarifária, usada de forma seletiva e ideológica, transforma-se em instrumento de guerra econômica. Longe de proteger a economia nacional, ela compromete o crescimento, agrava tensões internacionais e desorganiza cadeias produtivas complexas e interdependentes.

A experiência acumulada em décadas de atuação nos setores público e privado me permite reconhecer quando uma medida econômica extrapola sua função original. Estamos diante de uma delas. O impacto se alastra — das grandes corporações às pequenas lojas, das prateleiras dos supermercados às decisões dos fundos de investimento.

Na busca por protagonismo eleitoral e poder estratégico, os Estados Unidos, hoje, arriscam perder o que sempre foi sua maior força: a confiança do mundo em sua estabilidade econômica e previsibilidade. Quando um iPhone vira panfleto, é porque a política já invadiu até o bolso do consumidor.

 

Fonte: Brasil 247

 

Nenhum comentário: