EUA: A era da Oligarquia
O
capitalismo norte-americano, ao longo do último século, teve, sem dúvida, a
classe dominante mais poderosa e com maior consciência de classe da história
mundial, abrangendo tanto a economia quanto o Estado, e projetando sua
hegemonia tanto doméstica quanto globalmente. No centro de seu domínio está um
aparato ideológico que insiste que o imenso poder econômico da classe
capitalista não se traduz em governança política e que, não importa quão
polarizada a sociedade norte-americana se torne em termos econômicos, suas
reivindicações democráticas permanecem intactas. De acordo com a ideologia
dominante, os interesses dos ultra-ricos que governam o mercado não governam o
Estado — uma separação crucial para a ideia de democracia liberal. Essa
ideologia reinante, no entanto, está agora se desintegrando diante da crise
estrutural do capitalismo norte-americano e mundial e do declínio do próprio
Estado liberal-democrático, levando a profundas divisões na classe dominante e
a uma nova dominação do Estado pela direita, abertamente capitalista. Em seu
discurso de despedida à nação, dias antes de Donald Trump retornar
triunfalmente à Casa Branca, o ex-presidente Joe Biden indicou que uma
“oligarquia” baseada no setor de alta tecnologia e que depende de “dinheiro
obscuro” na política estava ameaçando a democracia americana. O senador Bernie
Sanders, por sua vez, alertou para os efeitos da concentração de riqueza e
poder em uma nova hegemonia da “classe dominante” e o abandono de qualquer
vestígio de apoio à classe trabalhadora em qualquer um dos principais partidos
A
ascensão de Trump à Casa Branca pela segunda vez não significa que a oligarquia
capitalista tenha subitamente se tornado uma influência dominante na política
dos EUA, uma vez que esta é de fato uma realidade de longa data. No entanto,
todo o meio político nos últimos anos, particularmente desde a crise financeira
de 2008, tem se movido para a direita, enquanto a oligarquia exerce influência
mais direta sobre o Estado. Um setor da classe capitalista dos EUA está agora
abertamente no controle do aparato ideológico do Estado em um governo
neofascista no qual o antigo establishment neoliberal é um
parceiro minoritário. O objetivo dessa mudança é uma reestruturação regressiva
dos Estados Unidos em uma postura de guerra permanente, resultante do declínio
da hegemonia dos EUA e da instabilidade do capitalismo dos EUA, além da
necessidade de uma classe capitalista mais concentrada para garantir um
controle mais centralizado do Estado. Nos anos da Guerra Fria que se seguiram à
Segunda Guerra Mundial, os guardiões da ordem liberal-democrática dentro da
academia e da mídia procuraram minimizar o papel primordial, na economia dos
EUA, dos proprietários da indústria e das finanças, que foram supostamente
deslocados pela “revolução gerencial” ou limitados pelo “poder compensatório”.
Nessa visão, proprietários e gerentes, capital e trabalho, cada um restringia o
outro. Mais tarde, em uma versão um pouco mais refinada dessa perspectiva
geral, o conceito de uma classe capitalista hegemônica sob o capitalismo
monopolista foi dissolvido na categoria mais amorfa dos “ricos corporativos”.
A
democracia dos EUA, alegou-se, era o produto da interação de grupos pluralistas
ou, em alguns casos, mediada por uma elite de poder. Não havia classe dominante
hegemônica funcional nos domínios econômico e político. Mesmo que se pudesse
argumentar que havia uma classe capitalista dominante na economia, ela
supostamente não governava o Estado, que era independente. Isso foi transmitido
de várias maneiras por todas as obras arquetípicas da tradição pluralista,
desde A revolução gerencial (1941), de James Burnham,
a Capitalismo, socialismo e democracia (1942), de Joseph A.
Schumpeter, a Quem governa? (1961), de Robert Dahl), a O
Novo Estado Industrial (1967), de John Kenneth Galbraith,
estendendo-se do extremo conservador ao extremo liberal do espectro. Todas
essas obras foram elaboradas para sugerir que o pluralismo ou uma elite
gerencial / tecnocrática prevalecia na política dos EUA — não uma classe
capitalista governando os sistemas econômico e político. Na visão pluralista da
democracia realmente existente, introduzida pela primeira vez por Schumpeter,
os políticos eram simplesmente empreendedores políticos competindo por votos,
assim como os empreendedores econômicos no chamado mercado livre, produzindo um
sistema de “liderança competitiva”. Na promoção da ficção de que os Estados
Unidos, apesar do vasto poder da classe capitalista, continuavam sendo uma
democracia autêntica, a ideologia recebida foi refinada e reforçada por
análises da esquerda que buscavam trazer a dimensão do poder de volta à teoria
do Estado, substituindo as visões pluralistas então dominantes de figuras como
Dahl, e ao mesmo tempo rejeitando a noção de uma classe dominante. O trabalho
mais importante que representa essa mudança foi The Power Elite (1956),
de C. Wright Mills, que argumentou que a concepção de “classe dominante”,
associada em particular ao marxismo, deveria ser substituída pela noção de uma
“elite de poder”, tripartite, na qual a estrutura de poder dos EUA era vista
como dominada por elites vindas dos ricos corporativos, o alto escalão militar
e políticos eleitos. Mills se referiu à noção de classe dominante como uma
“teoria de atalho” que simplesmente assumia que dominação econômica significava
dominação política. Desafiando diretamente o conceito de Karl Marx sobre a classe
dominante, Mills afirmou: “O governo americano não é, nem de forma simples nem
como um fato estrutural, um comitê da ‘classe dominante’. É uma rede de
‘comitês’, e outros homens de outras hierarquias além dos ricos corporativos
sentam-se nesses comitês”.
·
A classe dominante e o Estado
Na
história da teoria política, desde a antiguidade até o presente, o Estado tem
sido classicamente entendido em relação à classe. Na sociedade antiga e sob o
feudalismo, diferentemente da sociedade capitalista moderna, não existia uma
distinção clara entre a sociedade civil (ou a economia) e o Estado. Como Marx
escreveu em sua Crítica da Doutrina do Estado de Hegel em
1843, “a abstração do Estado como tal não nasceu até o mundo
moderno porque a abstração da vida privada não foi criada até os tempos
modernos. A abstração do Estado político é um produto
moderno”, realizado plenamente apenas sob o domínio da burguesia. Isso foi
posteriormente reafirmado por Karl Polanyi em termos da natureza embutida da
economia na antiga polis e seu caráter desembutido sob o capitalismo,
manifestado na separação da esfera pública do Estado e da
esfera privada do mercado. Na antiguidade grega, em que as condições
sociais ainda não haviam gerado tais abstrações, não havia dúvida de que a
classe dominante governava a polis e criava suas leis. Aristóteles em sua Política,
como Ernest Barker escreveu em O Pensamento Político de Platão e
Aristóteles, assumiu a posição de que o domínio de classe explicava a
polis: “Diga-me a classe que é predominante, pode-se dizer, e eu lhe direi a
Constituição”. Sob o regime do capital,
em contraste, o Estado é concebido como separado da sociedade civil/economia.
Assim, surge a questão de saber se a classe que governa a economia – ou seja, a
classe capitalista – também governa o Estado.
As
próprias visões de Marx sobre isso eram complexas, nunca se desviando da noção
de que o Estado na sociedade capitalista era governado pela classe capitalista,
embora reconhecesse condições históricas variadas que modificaram isso. Por um
lado, ele argumentou (junto com Frederick Engels) em O Manifesto
Comunista que “O executivo do Estado moderno é apenas um comitê para
administrar os assuntos comuns de toda a burguesia”. Isso sugeria que o
Estado, ou seu poder executivo, tinha uma autonomia relativa que ia além dos
interesses capitalistas individuais, mas era, no entanto, responsável por
administrar os interesses gerais da classe. Isso poderia, como Marx indicou em
outro lugar, resultar em grandes reformas, como a aprovação da legislação da
jornada de trabalho de dez horas em seu tempo, que, embora parecesse ser uma
concessão à classe trabalhadora e oposta aos interesses capitalistas, era
necessária para garantir o futuro da própria acumulação de capital, regulando a
força de trabalho e garantindo a reprodução contínua da força de
trabalho. Por outro lado, em O 18 Brumário de Luís Bonaparte,
Marx apontou para situações bastante diferentes em que a classe capitalista não
governava o Estado diretamente, dando lugar a um governo semi-autônomo, desde
que isso não interferisse em seus fins econômicos e em seu comando do Estado em
última instância. Ele também reconheceu que o Estado pode ser dominado por
uma fração do capital sobre outra. Em todos esses aspectos, Marx enfatizou a
relativa autonomia do Estado em relação aos interesses capitalistas, que tem
sido crucial para todas as teorias marxistas do Estado na sociedade
capitalista. Há muito se entende que a classe capitalista tem vários meios de
funcionar como classe dominante por meio do Estado, mesmo no caso de uma ordem
democrática liberal. Por um lado, isso assume a forma de investidura bastante
direta no aparato político por meio de vários mecanismos, como o controle
econômico e político das máquinas partidárias políticas e a ocupação direta,
pelos capitalistas e seus representantes, de postos-chave na estrutura de
comando político. Os interesses capitalistas nos Estados Unidos hoje têm o
poder de afetar decisivamente as eleições. Além disso, o poder capitalista
sobre o Estado se estende muito além das eleições. O controle do banco central
e, portanto, da oferta monetária, das taxas de juros e da regulamentação do
sistema financeiro, é essencialmente entregue aos próprios bancos. Por outro
lado, a classe capitalista controla o Estado indiretamente por meio de seu
vasto poder econômico de classe externo, incluindo pressões financeiras
diretas, lobby, financiamento de grupos de pressão e think tanks, a porta
giratória entre os principais atores do governo e das empresas e o controle do
aparato cultural e de comunicação. Nenhum regime político em um sistema
capitalista pode sobreviver a menos que sirva aos interesses do lucro e da
acumulação de capital, uma realidade sempre presente que todos os atores
políticos enfrentam.
A
complexidade e a ambigüidade da abordagem marxista da classe dominante e do
Estado foram transmitidas por Karl Kautsky em 1902, quando declarou que “a
classe capitalista domina, mas não governa”; logo depois, acrescentando que “se
contenta em dominar o governo”. Como observado, foi precisamente essa
questão da relativa autonomia do Estado em relação à classe capitalista que
governou o famoso debate entre o que veio a ser conhecido como as teorias
instrumentalistas versus estruturalistas do Estado, representadas
respectivamente por Miliband na Grã-Bretanha e Poulantzas na França. As
opiniões de Miliband foram muito determinadas pelo desaparecimento do Partido
Trabalhista britânico como um partido socialista genuíno no final dos anos
1950, conforme descrito em seu Socialismo Parlamentar. Isso o
forçou a enfrentar o enorme poder da classe capitalista como classe dominante.
Isso foi posteriormente retomado em seu O Estado na Sociedade
Capitalista em 1969, no qual ele escreveu que “se é … apropriado falar
de uma ‘classe dominante’ é um dos principais temas deste estudo. De fato, “a
mais importante de todas as questões levantadas pela existência dessa classe
dominante é se ela também constitui uma ‘classe governante'”. A classe
capitalista, ele procurou demonstrar, embora “não seja, propriamente falando,
uma ‘classe governante'” no mesmo sentido que a aristocracia havia sido, ela de
fato governava a sociedade capitalista de forma bastante direta (assim como
indireta). Ela traduziu seu poder econômico de várias maneiras em poder
político, a tal ponto que, para a classe trabalhadora desafiar a classe
dominante efetivamente, ela teria que se opor à estrutura do próprio Estado
capitalista. Foi aqui que
Poulantzas, que publicou seu Poder Político e Classes Sociais em
1968, entrou em conflito com Miliband. Poulantzas enfatizou ainda mais a
relativa autonomia do Estado, vendo a abordagem de Miliband ao Estado como
assumindo um governo muito direto da classe capitalista, mesmo que estivesse em
conformidade com a maioria das obras de Marx sobre o assunto. Poulantzas
enfatizou que o domínio capitalista do Estado era mais indireto e estrutural do
que direto e instrumental, permitindo espaço para uma maior variação de
governos em termos de classe, incluindo não apenas frações específicas da
classe capitalista, mas também representantes da própria classe trabalhadora.
“A participação direta dos membros da classe capitalista no
aparato estatal e no governo, mesmo onde existe”, escreveu ele, “não é o lado
importante da questão. A relação entre a classe burguesa e o Estado é uma relação
objetiva … A participação direta de membros da classe dominante no
aparato estatal não é a causa, mas o efeito. dessa coincidência
objetiva”. Embora tal declaração possa ter parecido bastante razoável nos
termos qualificados em que foi expressa, ela tendia a remover o papel da classe
dominante como sujeito com consciência de classe. Escrevendo durante o auge do
eurocomunismo no continente, o estruturalismo de Poulantzas, com sua ênfase no
bonapartismo apontando para um alto grau de autonomia relativa do Estado,
parecia abrir o caminho para uma concepção do Estado como uma entidade na qual
a classe capitalista não governava, mesmo que o Estado estivesse sujeito a
forças objetivas decorrentes do capitalismo. Tal visão, rebateu Miliband,
apontava para uma visão “superdeterminista” ou economicista do Estado
característica do “desvio-ultra-esquerdista” ou de um “desvio à direita” na
forma de social-democracia, que normalmente negava a existência de uma classe abertamente
dominante. Em ambos os casos, a realidade da classe dominante capitalista
e os vários processos pelos quais ela exerceu seu domínio, segundo o que a
pesquisa empírica de Miliband e outros haviam demonstrado amplamente, pareciam
estar em curto-circuito, não mais parte do desenvolvimento de uma estratégia de
luta de classes a partir de baixo. Uma década depois, em sua obra de 1978 Estado,
Poder, Socialismo, Poulantzas mudou sua ênfase para defender o socialismo
parlamentar e a social-democracia (ou “socialismo democrático”), insistindo na
necessidade de manter grande parte do aparato estatal existente em qualquer
transição para o socialismo. Isso contradizia diretamente as ênfases de Marx
em A Guerra Civil na França e V. I. Lenin em O Estado
e a Revolução sobre a necessidade de substituir o Estado capitalista
da classe dominante por uma nova estrutura de comando político que emanasse de
baixo.
Influenciado
pelos artigos de Sweezy sobre “A Classe Dominante Americana” e “Elite do Poder ou Classe Dominante?” na Monthly
Review e por The Power Elite de Mills, na primeira edição
de seu livro, Quem governa a América? em 1967, Domhoff
promoveu uma análise explícita baseada em classe, mas, no entanto, indicou que
preferia a “classe governante” mais neutra à “classe dominante” com base no
fato de que “a noção de classe dominante” sugeria uma “visão marxista da história”. No
entanto, na época em que escreveu Os poderes constituídos: processos de
dominação da classe dominante na América, Domhoff, em 1978, influenciado
pela atmosfera radical da época, passou a argumentar que “uma classe dominante
é uma classe social privilegiada que é capaz de manter sua posição de topo na
estrutura social”. A elite do poder foi redefinida como o “braço de liderança”
da classe dominante. No entanto, essa integração explícita da classe
dominante na análise de Domhoff durou pouco. Nas edições subsequentes de Quem
governa a América?, até a oitava edição em 2022, ele se curvou à
praticidade liberal e abandonou completamente o conceito de classe dominante.
Em vez disso, seguiu Mills ao agrupar proprietários (“a classe social alta”) e
gerentes na categoria de “ricos corporativos”. A elite do poder era vista
como CEOs, diretores e conselhos de administração, sobrepondo-se em um diagrama
de Venn com a classe social alta (que também consistia em socialites e jet
setters), a comunidade corporativa e a rede de planejamento de políticas. Isso
constituiu uma perspectiva conhecida como pesquisa de estrutura de poder. As
noções de classe capitalista e classe dominante não eram mais encontradas.
Um
trabalho empírico e teórico mais significativo do que o oferecido por Domhoff,
e em muitos aspectos mais pertinente hoje, foi escrito em 1962-1963 pelo
economista soviético Stanislav Menshikov e traduzido para o inglês em 1969 sob
o título Milionários e gerentes. Menshikov fez parte de um
intercâmbio educacional de cientistas entre a União Soviética e os Estados
Unidos em 1962. Ele visitou “o presidente do conselho, presidente e
vice-presidentes de dezenas de corporações e de 13 dos 25 bancos comerciais”
que tinham ativos de um bilhão de dólares ou mais. Ele se encontrou com Henry
Ford II, Henry S. Morgan e David Rockefeller, entre outros. O tratamento
empírico detalhado de Menshikov do controle financeiro das corporações nos
Estados Unidos e do grupo ou classe dominante forneceu uma avaliação sólida do
domínio contínuo dos capitalistas financeiros entre os muito ricos. Por meio de
sua hegemonia sobre vários grupos financeiros, a oligarquia financeira se
diferenciou dos meros gerentes de alto nível (diretores executivos) das
burocracias financeiras corporativas. Embora houvesse o que poderia ser chamado
de “bloco milionário-gerente” no sentido dos “ricos corporativos” de Mills e
uma divisão do trabalho dentro da “própria classe dominante”, a “oligarquia
financeira, isto é, o grupo de pessoas cujo poder econômico se baseia na
disposição de massas colossais de capital fictício … [e] que é a base de todos
os principais grupos financeiros”, e não os executivos corporativos como tal,
tinham todo o controle. Além disso, o poder relativo da oligarquia financeira
continuou a crescer, em vez de diminuir. Como na análise de Sweezy de
“Grupos de Interesse na Economia Americana”, escrita para a Estrutura
da Economia Americana do Comitê Nacional de Recursos durante o New
Deal, a análise detalhada de Menshikov sobre os grupos corporativos na economia
dos EUA capturou a base dinástica familiar contínua de grande parte da riqueza
dos EUA. A oligarquia financeira dos EUA constituía uma classe dominante, mas
que geralmente não governava diretamente ou livre de interferências. A
“dominação econômica da oligarquia financeira”, escreveu Menshikov, “não
equivale à sua dominação política. Mas a última sem a primeira pode não ser
suficientemente forte, enquanto a primeira sem a última mostra que a
coalescência dos monopólios e da máquina estatal não foi suficientemente longe.
Mas mesmo nos Estados Unidos, onde esses dois pré-requisitos estão disponíveis,
onde a máquina do governo serviu aos monopólios por décadas e o domínio destes
últimos na economia está fora de dúvida, o poder político da oligarquia
financeira é constantemente ameaçado por restrições por parte de outras classes
da sociedade e, às vezes, é realmente limitado. Mas a tendência geral é que o
poder econômico da oligarquia financeira seja gradualmente transformado em
poder político.”
A
oligarquia financeira, argumentou Menshikov, tinha como seus aliados menores em
seu domínio político do Estado: gerentes corporativos; o alto escalão das
forças armadas; políticos profissionais, que internalizaram as necessidades
internas do sistema capitalista; e a elite branca que dominava o sistema de
segregação racial no sul. Mas a própria oligarquia financeira era a força
cada vez mais dominante. “A luta da oligarquia financeira pela administração
direta do Estado é uma das tendências mais características do imperialismo
americano nas últimas décadas”, resultante de seu crescente poder econômico e
das necessidades que isso gerou. No entanto, este não foi um processo
tranquilo. Os capitalistas financeiros nos Estados Unidos não agem “unidos” e
estão divididos em facções concorrentes, enquanto são impedidos em suas
tentativas de controlar o Estado pelas próprias complexidades do sistema
político dos EUA, no qual diversos atores desempenham um papel. “Parece”,
escreveu Menshikov, “que agora o poder político da oligarquia financeira
está totalmente garantido, mas não é o caso. A máquina de um Estado capitalista
contemporâneo é grande e pesada. A captura de posições em uma parte não garante
o controle sobre todo o mecanismo. A oligarquia financeira é dona da máquina de
propaganda, é capaz de subornar políticos e funcionários do governo no centro e
na periferia [do país], mas não pode subornar o povo que, apesar de todas as
restrições da “democracia” burguesa, elege a legislatura. O povo não tem muita
escolha, mas sem abolir formalmente os procedimentos democráticos, a oligarquia
financeira não pode se garantir totalmente contra “acidentes” indesejáveis.”
No
entanto, o extraordinário trabalho de Menshikov, Milionários e Gerentes,
publicado na União Soviética, não teve influência na discussão da classe
dominante nos Estados Unidos. A tendência geral, refletida nas mudanças de
Domhoff (e na Europa pelas mudanças de Poulantzas), minimizou toda a ideia de
uma classe dominante e até mesmo uma classe capitalista, substituída pelos
conceitos de riqueza corporativa e elite do poder, produzindo o que era
essencialmente uma forma de teoria da elite. A rejeição do conceito de classe
dominante (ou mesmo de uma classe governante) no trabalho posterior de Domhoff
coincidiu com a publicação de “The Ruling Class Does Not Rule”, de Block, que
desempenhou um papel significativo no pensamento radical nos Estados Unidos.
Escrevendo em uma época em que a eleição de Jimmy Carter como presidente
parecia aos liberais e social-democratas apresentar a imagem de uma liderança
distintamente mais moral e progressista em caráter, Block argumentou que não
existia uma classe dominante com poder decisivo sobre a esfera política nos
Estados Unidos e no capitalismo em geral. Ele atribuiu isso ao fato de que não
apenas a classe capitalista, mas também “frações” separadas da classe
capitalista (aqui se opondo a Poulantzas) careciam de consciência de classe e,
portanto, eram incapazes de agir em seus próprios interesses na esfera
política, muito menos governar o corpo político. Em vez disso, ele adotou uma
abordagem “estruturalista” baseada na noção de racionalização de Max Weber, na
qual o Estado racionalizou os papéis de três atores
concorrentes: (1) capitalistas, (2) gerentes (gestores?) estatais e (3) a
classe trabalhadora. A autonomia relativa do Estado na sociedade capitalista
era uma função de seu papel como árbitro neutro, no qual várias forças interferiam,
mas nenhuma governava.
Atacando
aqueles que argumentavam que a classe capitalista tinha um papel dominante
dentro do Estado, Block escreveu: “a maneira de formular uma crítica do
instrumentalismo que não entra em colapso é rejeitar a ideia de uma classe
dominante com consciência de classe”, uma vez que uma classe capitalista com
consciência de classe se esforçaria para governar. Embora ele tenha notado que
Marx utilizou a noção de uma classe dominante com consciência de classe, isso
foi descartado como apenas uma “abreviação política” para determinações
estruturais.
Block
deixou claro que quando radicais como ele optam por criticar a noção de uma
classe dominante, eles “geralmente o fazem para justificar a política
socialista reformista”. Nesse espírito, ele insistiu que a classe capitalista
não governava intencionalmente, de maneira consciente, o Estado por meios
internos ou externos. Em vez disso, a limitação estrutural da “confiança
empresarial”, exemplificada pelos altos e baixos do mercado de ações, garantiu
que o sistema político permanecesse em equilíbrio com a economia, exigindo que
os atores políticos adotassem meios racionais para garantir a estabilidade
econômica. A racionalização do capitalismo pelo Estado, na visão
“estruturalista” de Block, abriu assim o caminho para uma política
social-democrata do Estado. O que está claro é que, no final da década de 1970,
os pensadores marxistas ocidentais abandonaram quase inteiramente a noção de
uma classe dominante, concebendo o Estado não apenas como relativamente
autônomo, mas de fato amplamente autônomo do poder de
classe do capital. Isso fazia parte de um “recuo de classe” geral. Na
Grã-Bretanha, Geoff Hodgson escreveu em seu The Democratic Economy: A
New Look at Planning, Markets and Power em 1984, que “a própria ideia
de uma ‘decisão’ de classe deve ser desafiada. No máximo, é uma metáfora fraca
e enganosa. É possível falar de uma classe dominante em uma sociedade, mas
apenas em virtude do domínio de um tipo particular de estrutura econômica.
Dizer que uma classe ‘governa’ é dizer muito mais. É implicar que está de
alguma forma implantada no aparato do governo. Era crucial, afirmou ele,
abandonar a noção marxista que associava “diferentes modos de produção a
diferentes ‘classes dominantes'”. Como os posteriores Poulantzas e Block,
Hodgson adotou uma posição social-democrata que não via nenhuma contradição
final entre a democracia parlamentar como ela havia surgido dentro do
capitalismo e a transição para o socialismo.
Fonte: Por John Bellamy Foster, no Monthly
Review | Tradução: Marcos Montenegro, em Outras Palavras

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