quinta-feira, 1 de maio de 2025

Pablo Castaño: O último ano de Gustavo Petro

Nem mesmo o reality show La Casa de los Famosos, um spin-off do Big Brother, conseguiu superar a audiência do primeiro Conselho de Ministros televisionado na Colômbia, em fevereiro. Milhões de colombianos assistiram ao vivo enquanto alguns ministros criticavam o presidente Gustavo Petro, outro o enchia de elogios em um tom que lembrava uma declaração de amor, e outros membros do gabinete trocavam críticas.

Esse exercício incomum de transparência governamental, que Petro repetiu diversas vezes, tem sido uma das ideias mais recentes do presidente colombiano para reavivar sua popularidade, que caiu para 32% a apenas um ano das eleições parlamentares e presidenciais de 2026. A renúncia do ministro da Fazenda, Diego Guevara, em março, após ele pressionar por cortes orçamentários, mostra que Petro já está focado nas eleições de 2026, embora ele próprio não possa concorrer à reeleição, pois a Constituição o proíbe.

O primeiro governo de esquerda da história recente da Colômbia entra em seu quarto e último ano com a mesma sensação de instabilidade que o acompanha desde o início, resultado da falta de maioria parlamentar e da pressão implacável das elites econômicas, midiáticas e judiciais. Algumas das reformas prometidas para 2022 foram aprovadas, enquanto outras permanecem estagnadas em um Congresso controlado pelos partidos tradicionais, e o objetivo de “paz total” com os grupos armados nacionais continua sendo um sonho. O resultado das eleições de 2026 dependerá do saldo final da agenda reformista do governo, da capacidade de Petro de mobilizar seus apoiadores e da capacidade da oposição conservadora de se unir em torno dos candidatos.

O ex-guerrilheiro do M-19 que se tornou presidente tem plena consciência de que as ruas são o campo de batalha onde pode superar as forças conservadoras. Por isso, respondeu à rejeição do Senado à sua reforma trabalhista, que buscava reduzir a jornada de trabalho e melhorar o pagamento de horas extras, convocando um referendo popular sobre a medida.

Para que o referendo seja bem-sucedido, são necessários 13,5 milhões de votos, um número muito difícil de alcançar, visto que Petro foi eleito com 11,2 milhões de votos. No entanto, as pesquisas mostram apoio majoritário à realização da votação, sugerindo o apelo da retórica antielitista de Petro contra os parlamentares da oposição. Mesmo que o referendo não se realize, o Pacto Histórico, a ampla coalizão de esquerda de Petro, encontrou no referendo um grito de guerra para mobilizar sua base e seu ímpeto político para a esquerda, em um momento em que a percepção da decadência do governo se tornava insustentável.

Uma agenda de reformas incompleta

Areforma trabalhista não é a única proposta que enfrenta dificuldades em um Congresso dominado pelos partidos tradicionais. A reforma da saúde, finalmente aprovada pela Câmara dos Deputados em 6 de março, também enfrentou inúmeros obstáculos. Se o Senado confirmar seu apoio, um dos principais projetos legislativos do Pacto Histórico se tornará realidade — uma iniciativa que visa reduzir o papel das operadoras de planos de saúde privados no sistema de saúde e melhorar a prevenção e o acesso aos serviços.

Petro foi forçado a incluir representantes de partidos de centro-direita em seu governo para garantir apoio, como fez para aprovar sua primeira reforma tributária. Ao longo de seu mandato, Petro combinou mobilizações populares em apoio às suas reformas com negociações com os partidos tradicionais, cujos membros frequentemente se mostraram dispostos a abandonar a resistência em troca de posições de poder.

O governo do Pacto Histórico também obteve sucesso na aprovação da reforma educacional, que prevê o acesso gratuito à universidade para estudantes das camadas sociais mais desfavorecidas, além da reforma da previdência. Esta última é a mais importante para reduzir as enormes desigualdades sociais herdadas de décadas de governos neoliberais. (Apesar de sua economia robusta, a Colômbia é indiscutivelmente o país mais desigual da América Latina, que já é a região mais desigual do mundo.)

A reforma de Petro fortaleceu o sistema previdenciário público ao criar um “pilar de solidariedade” que garante aposentadorias dignas mesmo para aqueles que não atingiram o limite de contribuição e leva em consideração o tempo que as mulheres dedicam aos cuidados com os filhos. Apenas um em cada quatro idosos colombianos recebeu aposentadoria em 2022, segundo um relatório da Pontifícia Universidade Javeriana. Espera-se que a reforma alivie essa situação, reduzindo a pobreza entre aqueles com mais de sessenta anos.

Além disso, Petro tornou a Colômbia um exemplo internacional de políticas de transição socioecológica. Ele promoveu acordos sociais com agricultores e comunidades indígenas para proteger a Amazônia, impulsionou as energias renováveis ​​alterando regulamentações para aumentar os benefícios para as comunidades locais e cumpriu sua promessa de bloquear novas explorações de hidrocarbonetos uma medida sem precedentes que acelera o caminho para um futuro pós-combustíveis fósseis. Embora ainda seja cedo para avaliar o impacto dessas políticas, o impulso ecológico determinado do governo colombiano contrasta com a fraca ação de seus pares no Norte Global.

<><> Redistribuição de terras e a ilusória “paz total”

Uma das principais reformas pendentes é a melhoria da distribuição de terras na Colômbia, a mais desigual da América Latina: 80% das terras pertencem a 1% da população. Quase um terço dos colombianos são agricultores, o que significa que milhões sobrevivem em pequenas propriedades. Uma análise da Universidade Nacional da Colômbia revelou que cada vaca na pecuária extensiva tem mais pasto do que uma família de agricultores tem para cultivar. O conflito armado interno que assola o país desde a década de 1960 agravou o problema, já que grandes proprietários de terras frequentemente utilizam grupos paramilitares para expulsar agricultores de suas terras.

O governo do Pacto Histórico buscou reverter essa situação distribuindo terras para famílias de agricultores e formalizando pequenas e médias propriedades rurais. Esses objetivos já estavam delineados no acordo de paz assinado em 2016 entre o Estado colombiano e a guerrilha agora dissolvida das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), mas o governo conservador de Iván Duque (2018-2022) não implementou o acordo.

O governo Petro, que descartou desapropriações forçadas, destinou pouco mais de cem mil hectares, bem abaixo dos três milhões previstos no Acordo de Paz. A Lei de Jurisdição Agrária, que aceleraria a redistribuição de terras, ainda aguarda aprovação e enfrenta forte oposição da direita no Congresso. “A extrema direita sempre buscará manter a injusta propriedade da terra na Colômbia”, escreveu Petro no Twitter/X em 2024. “Eles sabem que a violência e o tráfico de drogas emergiram disso e alimentaram o projeto político de atraso sobre o qual se constroem.”

A outra grande tarefa inacabada do governo Petro é a “paz total”, seu objetivo mais ambicioso. O acordo de paz de 2016 pôs fim à guerra entre o Estado e as FARC, mas ex-combatentes dissidentes das FARC, grupos paramilitares e criminosos e a guerrilha Exército de Libertação Nacional (ELN) ainda controlam vastas áreas do território colombiano. O maior grupo é o Clã do Golfo, uma força de nove mil combatentes liderada por ex-comandantes paramilitares e traficantes de drogas. Após o fracasso das estratégias militaristas de governos anteriores, Petro iniciou processos de diálogo com vários desses grupos ilegais. Os cessar-fogos alcançados em várias partes da Colômbia reduziram a violência, confirmou um relatório da Jurisdição Especial para a Paz.

No entanto, o fracasso das negociações de paz com o ELN, que pareciam promissoras, e a eclosão da violência entre grupos armados na região de Catatumbo no início de 2025, que deixou dezenas de mortos e milhares de deslocados, enterraram o objetivo de “paz total” a curto prazo. Embora não tenha abandonado o diálogo com os grupos armados, o governo aumentou a pressão militar e se concentrou em negociações com grupos armados em escala local para acalmar o conflito e proteger os civis.

<><> A longa corrida até 2026

Enquanto tenta aprovar reformas importantes pendentes, o Pacto Histórico já olha para 2026. As eleições legislativas serão realizadas em março e as presidenciais em maio e junho. O Pacto Histórico ainda não selecionou um candidato, embora tenha confirmado que a coalizão se tornará um partido único, reduzindo o risco de divisões na esquerda. O mesmo não se pode dizer do centro e da direita, que travam uma batalha acirrada para liderar a oposição.

O nome mais cotado para suceder Petro é Gustavo Bolívar, atual diretor de prosperidade social e candidato à prefeitura de Bogotá derrotado nas últimas eleições, também conhecido como autor de romances adaptados para séries de TV de grande sucesso, como “Sin Tetas No Hay Paraíso”. Outra opção é María José Pizarro, senadora e filha de Carlos Pizarro, um companheiro de Petro na M-19, assassinado em 1990.

A direita está convencida de que Petro está derrotado, mas discorda sobre quem deve sucedê-lo. A outsider Vicky Dávila, ex-diretora da revista Semana e crítica ferrenha de Petro, se destaca na disputa, posicionando-se como a versão colombiana de Donald Trump ou Javier Milei. Ela terá que competir com potenciais candidatos do Centro Democrático, o partido ultraconservador do ex-presidente Álvaro Uribe, que atualmente está sendo julgado por supostas ligações com grupos paramilitares. Entre eles estão os senadores Miguel Uribe, María Fernanda Cabal e Paloma Valencia, todos com posições de extrema direita. O prefeito de Bogotá, Juan Manuel Galán (centro-direita), e os ex-candidatos presidenciais de centro Sergio Fajardo e Germán Vargas também podem entrar na disputa.

Sem candidatos confirmados, uma pesquisa de março mostrou uma votação altamente fragmentada, com Bolívar (11,8%), Fajardo (9,5%) e Dávila (8,3%) liderando. No entanto, as boas notícias para a esquerda param por aí, já que os eleitores que se identificam com ideologias de direita e centrista somam mais de 57%, enquanto menos de 19% se identificam como de esquerda. Alianças entre candidatos de centro e de direita serão fundamentais.

A única certeza para o Pacto Histórico é que a pré-campanha, já iniciada, se desenvolverá em duas frentes paralelas: o Congresso, para onde o governo levará a qualquer custo suas principais reformas pendentes, e as ruas, onde Petro tentará mobilizar seus apoiadores em defesa de sua reforma trabalhista, símbolo da mudança política que lidera desde 2022.

¨      Outro grande nome da extrema direita francesa enfrenta acusações de corrupção. Por Phineas Rueckert

É uma história bem conhecida: o cruzado anticorrupção que, uma vez no poder, se torna ainda mais corrupto que seu antecessor. Mas essa simples narrativa descreve com bastante propriedade o argumento de um livro recentemente atualizado sobre David Rachline — o vice-presidente do partido Rassemblement National da França e o homem que já foi considerado o “melhor amigo” de Marine Le Pen.

Les Rapaces (As Aves de Rapina) é uma investigação de dois anos da jornalista francesa Camille Vigogne Le Coat sobre a gestão de Rachline em Fréjus, a cidade do sudeste da França onde o vice-presidente do partido é prefeito desde 2014. Aqui, perto da chamativa Côte d’Azur, Rachline, que é próximo tanto de Le Pen quanto de seu protegido Jordan Bardella, supostamente aperfeiçoou a arte de coçar as costas certas e encher os próprios bolsos: um sistema de clientelismo apelidado de “Máfia Varêsa”, em homenagem ao departamento do sudeste (Le Var) onde Fréjus está localizada.

Enquanto Le Pen recorre de sua condenação por desvio de verbas do Parlamento Europeu, proferida na última segunda-feira por um tribunal francês, o livro de Le Coat oferece um panorama sobre como o partido de extrema direita supostamente organiza a corrupção em nível local. Enquanto o Rassemblement National — desde sua liderança até seus filiados locais — se apresenta como um partido antissistema, livre da corrupção que assola o establishment político, Le Coat argumenta o oposto: uma vez no poder, o Rassemblement National não apenas perpetua esquemas de corrupção já estabelecidos, mas os desenvolve.

“E se David Rachline não fosse um homem isolado, uma ovelha negra, mas o sintoma de uma doença maior dentro do partido?”, questiona Le Coat na introdução, publicada antes da condenação de Le Pen na última segunda-feira.

Longe de Bruxelas, onde o partido de Le Pen foi considerado culpado de desviar cerca de € 4 milhões de verbas do Parlamento Europeu para financiar ativismo partidário, Le Coat sugere que a cidade romana de Fréjus serviu de laboratório para a apropriação indébita de fundos públicos pela extrema direita. Em sua análise, Rachline — que assumiu o cargo em 2014, substituindo o desacreditado ex-prefeito Élie Brun, ele próprio condenado por “conflito ilegal de interesses” — foi fundamental para o esquema.

Na época, Rachline era um ativista do Rassemblement National, de 26 anos, que ascendeu rapidamente no partido como “marinista” (apoiador de Marine Le Pen). Ele dividiu os votos entre Brun e outro candidato da direita tradicional para se tornar prefeito de Fréjus. Meses depois, concorreu a senador pelo Var, tornando-se o senador mais jovem da França e um dos dois primeiros a representar o partido de extrema direita de Le Pen.

Fréjus nem sempre foi um bastião da extrema direita. Esta cidade de 57.000 habitantes, em uma antiga região comunista, antes conhecida como “Var Vermelho”, está aninhada no interior da reluzente costa, aproximadamente a meio caminho entre as praias de Saint-Tropez e Cannes. O interior agrícola e industrial do Var contrasta com o litoral repleto de resorts. Mas, a partir da década de 1980, este cinturão de ferrugem tradicionalmente de esquerda tem ido cada vez mais em direção à extrema direita.

Como Le Coat revela meticulosamente, Rachline conseguiu explorar o descontentamento popular nessa região devastada e ascender rapidamente ao poder. Mas sua ascensão teve um custo.

Uma vez no cargo, segundo Le Coat, Rachline quase imediatamente começou a se aproximar dos mesmos poderosos com quem seu antecessor se aliava, incluindo o próprio ex-prefeito desacreditado. Ela conta que, assim como Brun, Rachline se aproximou do magnata da construção Alexandre Barbero, dono de uma dúzia de empresas na região, que começou a acumular contratos com a cidade — detonando as contas públicas e pavimentando a cidade com um horroroso concreto.

Le Coat começou a investigar Rachline após saber da compra à vista de um relógio Hublot de € 15.000 de um famoso joalheiro da Côte d’Azur em 2015. O relógio, pago por seu assistente, “denuncia um esquema”, escreve Le Coat. “Foi a primeira prova cabal de um vasto mecanismo de corrupção que opera em Fréjus.”

As redes clientelistas de Rachline não se limitavam apenas à Barbero, escreve Le Coat. Seus gostos luxuosos também não se limitavam a relógios chamativos. Vários entrevistados que conversaram com Le Coat lembram-se de suas festas que duravam vários dias, de suas roupas exclusivas ou do pagamento suspeito de pequenas despesas com notas de € 500 — sendo todo, ou a maior parte, do fluxo de caixa presumivelmente financiado com dinheiro do contribuinte.

À medida que Rachline consolidava seu poder e influência, ele os usava contra grupos minoritários e moradores de baixa renda da cidade costeira. O prefeito de Fréjus, segundo Le Coat, frequentava grupos de gangues de direita como o infame Groupe Union Défense (GUD); fazia saudações nazistas de brincadeira com conselheiros; e usava policiais municipais de Fréjus como executores pessoais, enquanto desviava dinheiro que seria utilizado para a aquisição de uma frota de viaturas policiais equipadas com câmeras de segurança.

O resultado do seu mandato: não a austeridade econômica garantida pela extrema direita, mas uma dívida crescente de mais de € 150 milhões.

Esse coquetel perigoso, sugere Le Coat, poderia ser rapidamente implementado em toda a França se um candidato do Rassemblement National vencesse a presidência em 2027. A “forma de Rachline de administrar o Fréjus, recuperando as velhas redes e o clientelismo da direita tradicional [e exercendo-os] em um clima alimentado pelo antissemitismo e pelo racismo, é aquela que o partido de Marine Le Pen poderia estender por toda a França se assumisse o poder”, alerta Le Coat.

É improvável, porém, que Rachline seja o candidato do Rassemblement National em 2027. No início deste ano, o prefeito foi intimado a comparecer ao tribunal no final de setembro sob suspeita de “conflitos de interesse ilegais”, relacionados ao seu papel à frente de duas empresas responsáveis ​​pela gestão da cidade.

 

Fonte: Tradução Pedro Silva, para Jacobin Brasil

 

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