Pablo
Castaño: O último ano de Gustavo Petro
Nem
mesmo o reality show La Casa de los Famosos, um spin-off do Big
Brother, conseguiu superar a audiência do primeiro Conselho de Ministros televisionado na Colômbia, em
fevereiro. Milhões de colombianos assistiram ao vivo enquanto alguns ministros
criticavam o presidente Gustavo Petro, outro o enchia de elogios em um tom que
lembrava uma declaração de amor, e outros membros do gabinete trocavam críticas.
Esse
exercício incomum de transparência governamental, que Petro repetiu diversas
vezes, tem sido uma das ideias mais recentes do presidente colombiano para
reavivar sua popularidade, que caiu para 32% a apenas um ano
das eleições parlamentares e presidenciais de 2026. A renúncia do ministro da
Fazenda, Diego Guevara, em março, após ele pressionar por cortes orçamentários,
mostra que Petro já está focado nas eleições de 2026, embora ele próprio não
possa concorrer à reeleição, pois a Constituição o proíbe.
O
primeiro governo de esquerda da história recente da Colômbia entra em seu
quarto e último ano com a mesma sensação de instabilidade que o acompanha desde
o início, resultado da falta de maioria parlamentar e da pressão implacável das
elites econômicas, midiáticas e judiciais. Algumas das reformas prometidas para
2022 foram aprovadas, enquanto outras permanecem estagnadas em um Congresso
controlado pelos partidos tradicionais, e o objetivo de “paz total” com os grupos
armados nacionais continua sendo um sonho. O resultado das eleições de 2026
dependerá do saldo final da agenda reformista do governo, da capacidade de
Petro de mobilizar seus apoiadores e da capacidade da oposição conservadora de
se unir em torno dos candidatos.
O
ex-guerrilheiro do M-19 que se tornou presidente tem plena consciência de que
as ruas são o campo de batalha onde pode superar as forças conservadoras. Por
isso, respondeu à rejeição do Senado à sua reforma trabalhista, que buscava
reduzir a jornada de trabalho e melhorar o pagamento de horas extras,
convocando um referendo popular sobre a medida.
Para
que o referendo seja bem-sucedido, são necessários 13,5 milhões de votos, um
número muito difícil de alcançar, visto que Petro foi eleito com 11,2 milhões
de votos. No entanto, as pesquisas mostram apoio majoritário à realização da
votação, sugerindo o apelo da retórica antielitista de Petro contra os
parlamentares da oposição. Mesmo que o referendo não se realize, o Pacto
Histórico, a ampla coalizão de esquerda de Petro, encontrou no referendo um
grito de guerra para mobilizar sua base e seu ímpeto político para a esquerda,
em um momento em que a percepção da decadência do governo se tornava
insustentável.
Uma
agenda de reformas incompleta
Areforma
trabalhista não é a única proposta que enfrenta dificuldades em um Congresso
dominado pelos partidos tradicionais. A reforma da saúde, finalmente aprovada
pela Câmara dos Deputados em 6 de março, também enfrentou inúmeros obstáculos.
Se o Senado confirmar seu apoio, um dos principais projetos legislativos do
Pacto Histórico se tornará realidade — uma iniciativa que visa reduzir o papel
das operadoras de planos de saúde privados no sistema de saúde e melhorar a
prevenção e o acesso aos serviços.
Petro
foi forçado a incluir representantes de partidos de centro-direita em seu
governo para garantir apoio, como fez para aprovar sua primeira reforma tributária. Ao longo de seu
mandato, Petro combinou mobilizações
populares em
apoio às suas reformas com negociações com os partidos tradicionais, cujos
membros frequentemente se mostraram dispostos a abandonar a resistência em
troca de posições de poder.
O
governo do Pacto Histórico também obteve sucesso na aprovação da reforma
educacional, que prevê o acesso gratuito à universidade para estudantes das
camadas sociais mais desfavorecidas, além da reforma da previdência. Esta
última é a mais importante para reduzir as enormes desigualdades sociais
herdadas de décadas de governos neoliberais. (Apesar de sua economia robusta, a
Colômbia é indiscutivelmente o país mais desigual da América Latina, que já é a
região mais desigual do mundo.)
A
reforma de Petro fortaleceu o sistema previdenciário público ao criar um “pilar
de solidariedade” que garante aposentadorias dignas mesmo para aqueles que não
atingiram o limite de contribuição e leva em consideração o tempo que as
mulheres dedicam aos cuidados com os filhos. Apenas um em cada quatro idosos
colombianos recebeu aposentadoria em 2022, segundo um relatório da Pontifícia
Universidade Javeriana. Espera-se que a reforma alivie essa situação, reduzindo
a pobreza entre aqueles com mais de sessenta anos.
Além
disso, Petro tornou a Colômbia um exemplo internacional
de políticas de transição socioecológica. Ele promoveu acordos sociais com
agricultores e comunidades indígenas para proteger a Amazônia, impulsionou as
energias renováveis alterando regulamentações
para aumentar os benefícios para as comunidades locais e cumpriu sua promessa de
bloquear novas explorações de hidrocarbonetos —
uma medida sem precedentes que acelera o caminho para um futuro pós-combustíveis
fósseis. Embora ainda seja cedo para avaliar o impacto
dessas políticas, o impulso ecológico determinado do
governo colombiano contrasta com a fraca ação de seus pares no Norte Global.
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Redistribuição de terras e a ilusória “paz total”
Uma das
principais reformas pendentes é a melhoria da distribuição de terras na
Colômbia, a mais desigual da América
Latina: 80% das terras pertencem a 1% da população. Quase um terço dos
colombianos são agricultores, o que significa que milhões sobrevivem em
pequenas propriedades. Uma análise da Universidade
Nacional da Colômbia revelou que cada vaca na pecuária extensiva tem mais pasto
do que uma família de agricultores tem para cultivar. O conflito armado interno
que assola o país desde a década de 1960 agravou o problema, já que grandes
proprietários de terras frequentemente utilizam grupos paramilitares para
expulsar agricultores de suas terras.
O
governo do Pacto Histórico buscou reverter essa situação distribuindo terras
para famílias de agricultores e formalizando pequenas e médias propriedades
rurais. Esses objetivos já estavam delineados no acordo de paz assinado em
2016 entre o Estado colombiano e a guerrilha agora dissolvida das Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), mas o governo conservador de Iván
Duque (2018-2022) não implementou o acordo.
O
governo Petro, que descartou desapropriações forçadas, destinou pouco mais de
cem mil hectares, bem abaixo dos três milhões previstos no Acordo de Paz. A Lei
de Jurisdição Agrária, que aceleraria a redistribuição de terras, ainda aguarda
aprovação e enfrenta forte oposição da direita no Congresso. “A extrema direita
sempre buscará manter a injusta propriedade da terra na Colômbia”, escreveu Petro no
Twitter/X em 2024. “Eles sabem que a violência e o tráfico de drogas emergiram
disso e alimentaram o projeto político de atraso sobre o qual se constroem.”
A outra
grande tarefa inacabada do governo Petro é a “paz total”, seu objetivo mais
ambicioso. O acordo de paz de 2016 pôs fim à guerra entre o Estado e as FARC,
mas ex-combatentes dissidentes das FARC, grupos paramilitares e criminosos e a
guerrilha Exército de Libertação Nacional (ELN) ainda controlam vastas áreas do
território colombiano. O maior grupo é o Clã do Golfo, uma força de nove mil
combatentes liderada por ex-comandantes paramilitares e traficantes de drogas.
Após o fracasso das estratégias militaristas de governos anteriores, Petro
iniciou processos de diálogo com vários desses grupos ilegais. Os cessar-fogos
alcançados em várias partes da Colômbia reduziram a violência, confirmou
um relatório da Jurisdição
Especial para a Paz.
No
entanto, o fracasso das negociações de paz com o ELN, que pareciam promissoras,
e a eclosão da violência
entre grupos armados na região de Catatumbo no início de 2025, que deixou
dezenas de mortos e milhares de deslocados, enterraram o objetivo de “paz
total” a curto prazo. Embora não tenha abandonado o diálogo com os grupos
armados, o governo aumentou a pressão militar e se concentrou em negociações
com grupos armados em escala local para acalmar o
conflito e proteger os civis.
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A longa corrida até 2026
Enquanto
tenta aprovar reformas importantes pendentes, o Pacto Histórico já olha para
2026. As eleições legislativas serão realizadas em março e as presidenciais em
maio e junho. O Pacto Histórico ainda não selecionou um candidato, embora tenha
confirmado que a coalizão se tornará um partido único, reduzindo o risco
de divisões na esquerda. O mesmo não se pode dizer do centro e da direita, que
travam uma batalha acirrada para liderar a oposição.
O nome
mais cotado para suceder Petro é Gustavo Bolívar, atual diretor de prosperidade
social e candidato à prefeitura de Bogotá derrotado nas últimas eleições,
também conhecido como autor de romances adaptados para séries de TV de grande
sucesso, como “Sin Tetas No Hay Paraíso”. Outra opção é María José
Pizarro, senadora e filha de Carlos Pizarro, um companheiro de Petro na M-19,
assassinado em 1990.
A
direita está convencida de que Petro está derrotado, mas discorda sobre quem
deve sucedê-lo. A outsider Vicky Dávila, ex-diretora da revista Semana e
crítica ferrenha de Petro, se destaca na disputa, posicionando-se como a versão
colombiana de Donald Trump ou Javier Milei. Ela terá que competir com
potenciais candidatos do Centro Democrático, o partido ultraconservador do
ex-presidente Álvaro Uribe, que atualmente está sendo julgado por supostas
ligações com grupos paramilitares. Entre eles estão os senadores Miguel Uribe,
María Fernanda Cabal e Paloma Valencia, todos com posições de extrema direita.
O prefeito de Bogotá, Juan Manuel Galán (centro-direita), e os ex-candidatos
presidenciais de centro Sergio Fajardo e Germán Vargas também podem entrar na disputa.
Sem
candidatos confirmados, uma pesquisa de março
mostrou uma votação altamente fragmentada, com Bolívar (11,8%), Fajardo (9,5%)
e Dávila (8,3%) liderando. No entanto, as boas notícias para a esquerda param
por aí, já que os eleitores que se identificam com ideologias de direita e
centrista somam mais de 57%, enquanto menos de 19% se identificam como de
esquerda. Alianças entre candidatos de centro e de direita serão fundamentais.
A única
certeza para o Pacto Histórico é que a pré-campanha, já iniciada, se
desenvolverá em duas frentes paralelas: o Congresso, para onde o governo levará
a qualquer custo suas principais reformas pendentes, e as ruas, onde Petro
tentará mobilizar seus apoiadores em defesa de sua reforma trabalhista, símbolo
da mudança política que lidera desde 2022.
¨ Outro grande nome da
extrema direita francesa enfrenta acusações de corrupção. Por Phineas
Rueckert
É uma
história bem conhecida: o cruzado anticorrupção que, uma vez no poder, se torna
ainda mais corrupto que seu antecessor. Mas essa simples narrativa descreve com
bastante propriedade o argumento de um livro recentemente atualizado sobre
David Rachline — o vice-presidente do partido Rassemblement National da França
e o homem que já foi considerado o “melhor amigo” de Marine Le Pen.
Les Rapaces (As Aves de
Rapina) é uma investigação de dois anos da jornalista francesa Camille Vigogne
Le Coat sobre a gestão de Rachline em Fréjus, a cidade do sudeste da França
onde o vice-presidente do partido é prefeito desde 2014. Aqui, perto da
chamativa Côte d’Azur, Rachline, que é próximo tanto de Le Pen quanto de seu
protegido Jordan Bardella, supostamente aperfeiçoou a arte de coçar as costas
certas e encher os próprios bolsos: um sistema de clientelismo apelidado de
“Máfia Varêsa”, em homenagem ao departamento do sudeste (Le Var) onde Fréjus
está localizada.
Enquanto
Le Pen recorre de sua condenação por desvio de verbas do Parlamento Europeu,
proferida na última segunda-feira por um tribunal francês, o livro de Le Coat
oferece um panorama sobre como o partido de extrema direita supostamente
organiza a corrupção em nível local. Enquanto o Rassemblement National — desde
sua liderança até seus filiados locais — se apresenta como um partido
antissistema, livre da corrupção que assola o establishment político, Le Coat
argumenta o oposto: uma vez no poder, o Rassemblement National não apenas
perpetua esquemas de corrupção já estabelecidos, mas os desenvolve.
“E se
David Rachline não fosse um homem isolado, uma ovelha negra, mas o sintoma de
uma doença maior dentro do partido?”, questiona Le Coat na introdução,
publicada antes da condenação de Le Pen na última segunda-feira.
Longe
de Bruxelas, onde o partido de Le Pen foi considerado culpado de desviar cerca
de € 4 milhões de verbas do Parlamento Europeu para financiar ativismo
partidário, Le Coat sugere que a cidade romana de Fréjus serviu de laboratório
para a apropriação indébita de fundos públicos pela extrema direita. Em sua
análise, Rachline — que assumiu o cargo em 2014, substituindo o desacreditado
ex-prefeito Élie Brun, ele próprio condenado por “conflito ilegal de
interesses” — foi fundamental para o esquema.
Na
época, Rachline era um ativista do Rassemblement National, de 26 anos, que
ascendeu rapidamente no partido como “marinista” (apoiador de Marine Le Pen).
Ele dividiu os votos entre Brun e outro candidato da direita tradicional para
se tornar prefeito de Fréjus. Meses depois, concorreu a senador pelo Var,
tornando-se o senador mais jovem da França e um dos dois primeiros a
representar o partido de extrema direita de Le Pen.
Fréjus
nem sempre foi um bastião da extrema direita. Esta cidade de 57.000 habitantes,
em uma antiga região comunista, antes conhecida como “Var Vermelho”, está
aninhada no interior da reluzente costa, aproximadamente a meio caminho entre
as praias de Saint-Tropez e Cannes. O interior agrícola e industrial do Var
contrasta com o litoral repleto de resorts. Mas, a partir da década de 1980,
este cinturão de ferrugem tradicionalmente de esquerda tem ido cada vez mais em
direção à extrema direita.
Como Le
Coat revela meticulosamente, Rachline conseguiu explorar o descontentamento
popular nessa região devastada e ascender rapidamente ao poder. Mas sua
ascensão teve um custo.
Uma vez
no cargo, segundo Le Coat, Rachline quase imediatamente começou a se aproximar
dos mesmos poderosos com quem seu antecessor se aliava, incluindo o próprio
ex-prefeito desacreditado. Ela conta que, assim como Brun, Rachline se
aproximou do magnata da construção Alexandre Barbero, dono de uma dúzia de
empresas na região, que começou a acumular contratos com a cidade — detonando
as contas públicas e pavimentando a cidade com um horroroso concreto.
Le Coat
começou a investigar Rachline após saber da compra à vista de um relógio Hublot
de € 15.000 de um famoso joalheiro da Côte d’Azur em 2015. O relógio, pago por
seu assistente, “denuncia um esquema”, escreve Le Coat. “Foi a primeira prova
cabal de um vasto mecanismo de corrupção que opera em Fréjus.”
As
redes clientelistas de Rachline não se limitavam apenas à Barbero, escreve Le
Coat. Seus gostos luxuosos também não se limitavam a relógios chamativos.
Vários entrevistados que conversaram com Le Coat lembram-se de suas festas que
duravam vários dias, de suas roupas exclusivas ou do pagamento suspeito de
pequenas despesas com notas de € 500 — sendo todo, ou a maior parte, do fluxo
de caixa presumivelmente financiado com dinheiro do contribuinte.
À
medida que Rachline consolidava seu poder e influência, ele os usava contra
grupos minoritários e moradores de baixa renda da cidade costeira. O prefeito
de Fréjus, segundo Le Coat, frequentava grupos de gangues de direita como o
infame Groupe Union Défense (GUD); fazia saudações nazistas de brincadeira com
conselheiros; e usava policiais municipais de Fréjus como executores pessoais,
enquanto desviava dinheiro que seria utilizado para a aquisição de uma frota de
viaturas policiais equipadas com câmeras de segurança.
O
resultado do seu mandato: não a austeridade econômica garantida pela extrema
direita, mas uma dívida crescente de mais de € 150 milhões.
Esse
coquetel perigoso, sugere Le Coat, poderia ser rapidamente implementado em toda
a França se um candidato do Rassemblement National vencesse a presidência em
2027. A “forma de Rachline de administrar o Fréjus, recuperando as velhas redes
e o clientelismo da direita tradicional [e exercendo-os] em um clima alimentado
pelo antissemitismo e pelo racismo, é aquela que o partido de Marine Le Pen
poderia estender por toda a França se assumisse o poder”, alerta Le Coat.
É
improvável, porém, que Rachline seja o candidato do Rassemblement National em
2027. No início deste ano, o prefeito foi intimado a comparecer ao tribunal no
final de setembro sob suspeita de “conflitos de interesse ilegais”,
relacionados ao seu papel à frente de duas empresas responsáveis pela gestão
da cidade.
Fonte:
Tradução Pedro Silva, para Jacobin Brasil

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