João Filho: Golpistas não são
coitadinhos nem merecem anistia
Parlamentares do PL levaram a mulher e um dos
filhos de um dos golpistas do 8 de janeiro a Brasília, nesta semana, em
uma tentativa de pressionar os presidentes da Câmara e do Senado e criar
comoção pública. Ezequiel Ferreira Luís teve a prisão decretada pelos crimes de
tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano
qualificado, associação criminosa armada e deterioração de patrimônio
público.
Dono de uma pistola e um rifle semiautomático,
ele quebrou a tornozeleira eletrônica e
fugiu depois
que soube que pegaria 14 anos de cadeia. Esse é o anjo que o bolsonarismo alçou
à condição de símbolo da luta pela anistia. A turma que fez carreira na
política louvando o assassinato de bandidos, vejam só, agora pretende
humanizá-los.
Antes de ser levada para encontrar o novo presidente da
Câmara, Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba, a bancada bolsonarista armou um
show de demagogia e hipocrisia no Salão Verde. A esposa de Ezequiel deu uma entrevista coletiva para
contar as dificuldades que a condenação do marido acarretou à família. De
joelhos, ela pediu “misericórdia” ao presidente da Câmara para agilizar a
tramitação do PL da Anistia.
Com seis filhos para criar, o caminhoneiro é visto
entre os bolsonaristas como alguém cuja história pode deflagrar uma comoção
social pela anistia. Em setembro do ano passado, o líder maior da gangue
golpista, Jair Bolsonaro, apareceu ao lado das seis crianças e os chamou
de “órfãos de pai vivo”.
Ninguém duvida do sofrimento da mulher e dos filhos de
Ezequiel. Mas ele só é um criminoso especial para quem despreza os valores
democráticos. A população carcerária brasileira — a terceira maior do mundo —
conta com mais de 800 mil pessoas.
Assim como a família de Ezequiel, há centenas de
milhares de outras sofrendo com a prisão de seus parentes. Nunca se viu
bolsonaristas preocupados com o bem estar dessas famílias. Pelo contrário, o
ataque aos direitos humanos de presos é um dos pilares do pensamento
reacionário. Lembra dos “direitos humanos para humanos direitos”? Pois é,
parece que os bandidos de estimação do bolsonarismo entraram na cota dos
“humanos direitos”.
A grande maioria dos presos no Brasil foi condenada por
tráfico de drogas e crimes contra o patrimônio — crimes que despertam os
instintos mais primitivos no bolsonarista médio. O fato é que vender 10 gramas
de maconha ou roubar um frango no supermercado são crimes infinitamente menos
graves que a tentativa de anular o resultado das eleições e destituir o
presidente eleito por meios violentos. Perante à democracia, Ezequiel é um
criminoso de alta periculosidade e deve ser tratado como tal.
Claro que é triste saber que seis crianças podem ficar
até 14 anos privadas do convívio com o pai, mas essas são as regras do jogo.
Ezequiel largou a família em Ji-Paraná, Rondônia, rodou mais de 2 mil
quilômetros para se juntar ao acampamento golpista em Brasília e partir para os
ataques do 8 de janeiro. Ele está arcando com as consequências dos seus
próprios atos.
É preciso desmistificar a narrativa bolsonarista de que
os golpistas do 8 de janeiro são pais, mães, vovós e vovôs que cometeram meros
atos de vandalismo em um dia de fúria, movidos pelo desejo de ver o bem do
Brasil. A tese dos “coitadinhos” não é nova, mas vem ganhando adeptos até mesmo
fora do círculo bolsonarista. Não é raro ver articulistas ressabiados com
alguma vovózinha golpista recebendo penas de 14 anos.
O novo presidente da Câmara mal estreou no cargo e
já abraçou a tese com força.
“Golpe tem que ter um líder, uma pessoa estimulando, tem que ter apoio de
outras instituições interessadas, e não teve isso. Ali foram vândalos,
baderneiros, que queriam, com inconformidade com o resultado das eleições,
demonstrar sua revolta”, afirmou Hugo Motta após a reunião com bolsonaristas e
a esposa de Ezequiel.
Ou seja, o presidente de uma das casas legislativas que
foi invadida e destruída está dizendo abertamente que não houve tentativa de
golpe e que o 8 de janeiro foi apenas um domingo no parque da família
brasileira que saiu do controle.
Não se esperava nada diferente de Motta. Estamos
falando de um político do Republicanos que se elegeu presidente da Câmara com o
apoio de um bloco formado por partidos governistas e oposicionistas. No acordo
costurado com os bolsonaristas, Motta prometeu trabalhar pela anistia aos
condenados de 8 de janeiro. O estarrecedor é saber que há ministro do governo
Lula que defende a mesma ideia.
Em entrevista ao Roda Viva, o ministro da Defesa, José
Múcio, abraçou a tese dos
“coitadinhos”: “O que eu defendo é uma dosimetria. Eu acho que na hora que você
solta um inocente ou uma pessoa que não teve um envolvimento muito grande é uma
forma de você pacificar. Esse país precisa ser pacificado. Ninguém aguenta mais
esse radicalismo. A gente vive atrás de culpados”, disse ele.
Perceba que o ministro chama de “radicalismo” as
punições previstas em lei para os radicais que pretendem subverter a
democracia. Por mais que estejamos acostumados a ver Múcio passando o pano para
o golpismo das Forças Armadas, surpreende vê-lo querendo livrar da prisão os
bolsonaristas que saíram das suas casas para destruir os prédios dos Três
Poderes e pedir golpe militar.
Apesar de toda essa pressão, o máximo que pode
acontecer será a aprovação do PL da Anistia no Congresso. Anistiar crimes
contra o Estado Democrático de Direito é inequivocamente inconstitucional. E, dadas as
condições materiais e a configuração do jogo atual, não há a menor
possibilidade de o STF não derrubar o PL.
Os bolsonaristas têm plena ciência de que estão
encampando um projeto natimorto, mas permanecerão firmes no jogo de cena até o
fim. O objetivo é pautar o debate público, manter a chama da militância acesa,
colocar seus quadros políticos sob os holofotes e, na melhor das hipóteses,
criar um clima menos desfavorável para os líderes do golpe nos tribunais.
Os golpistas de hoje são os filhos da anistia de 1979.
Ou condenamos exemplarmente quem ameaça extinguir a democracia ou estaremos
fadados a viver à mercê de futuros golpistas. E não basta prender Ezequiel e
outros peixes pequenos. Infelizmente, mais famílias precisarão chorar. Jair
Bolsonaro e toda a cúpula militar golpista precisam ficar presos por muitos e
muitos anos. Que o país aprenda com as lições do passado.
¨ Mais uma onda
golpista em curso no Brasil. Por Jorge Folena
Já está em curso, no Brasil, uma nova onda golpista em várias frentes.
Num claro gesto de agressão à autodeterminação do nosso país, inclusive com
manifestações explícitas do “secretário da eficiência” do atual governo
norte-americano e dono da rede X, estão pipocando nas redes sociais insinuações
de movimentações e agitações de rua, como as ocorridas em julho de 2013. Em
decorrência, os sabujos fascistas brasileiros estão promovendo convocações para
o domingo 16 de março.
Os ataques e sabotagens, promovidos contra o governo de Lula da Silva a
partir do primeiro dia da sua posse, estão sendo ampliados desde o final do ano
passado, mediante a especulação com o dólar e a manipulação dos preços dos
alimentos, entre outras manobras para induzir a maioria da população ao
descrédito.
Porém, muitas derrapagens têm sido facilitadas pelos vacilos da equipe
econômica que, em certa medida, se rendeu às pressões do mercado e aceitou a
imposição do ajuste fiscal, que, até aqui, atingiu somente os mais pobres, em
decorrência dos cortes no BPC e da limitação para aumentos do salário-mínimo.
Para mim, o cenário já está desenhado: como em 2013, serão reacendidas
as agitações de rua e ampliadas as campanhas midiáticas para desgaste da
popularidade do governo e do presidente, o que já está ocorrendo. E os mesmos
fascistas, que agora pedem anistia para suas ações golpistas de 8 de janeiro de
2023, serão empregados para fazer as manifestações públicas e os pedidos de
impeachment do presidente.
Ao final, depois de muito desgaste e da imposição de mais um processo de
paralisação da economia do país (como fizeram a partir de julho de 2014, para
promover o afastamento da presidenta Dilma Rousseff), será aprovado o
semipresidencialismo, a ser defendido por intelectuais conservadores, ministros
de tribunais superiores e demais autoridades, sob o pretexto de se estabelecer
uma falsa paz e estabilização política superficial no Brasil.
Desse modo, promoverão ainda mais o enfraquecimento da soberania popular
e o esvaziamento dos poderes da Presidência da República (que continuará a
existir apenas com as atribuições de chefe de Estado e das Forças Armadas), com
os parlamentares do “Centrão” (financiados pelos ricos) assumindo as funções
governamentais, especialmente na gestão das finanças, o que já estão fazendo,
de certa forma, por meio do controle das emendas parlamentares, estabelecidas
pelo orçamento impositivo.
O que se pretende nessa etapa do processo golpista é afastar da chefia
do governo as forças do campo democrático, popular e progressista, que ganharam
democraticamente todas as eleições para a Presidência de 2002 a 2022 (sem
esquecer que prenderam Lula em 2018 para impedi-lo de vencer naquele
ano).
O que os fascistas não percebem é que também serão excluídos dessa nova
partilha, pois não são aceitos na mesa de jantar dos muitos ricos, apesar de
serem algumas das peças-chave usadas pela classe dominante para defender suas
pautas anti-povo e anti-nação.
Assim, diante do atual rearranjo das forças que travam essa guerra
híbrida contra o Brasil, o governo do presidente Lula não pode continuar
recuado e jogando na retranca, para usar uma imagem de futebol, tão ao seu
gosto; ao contrário, precisa avançar nas pautas de defesa da soberania e
desenvolvimento do país (como a retomada do controle da Eletrobras e não
renovando os contratos de concessão das distribuidoras de energia, que estão
por vencer) e da distribuição da riqueza para melhorar a vida das pessoas e dar
dignidade à classe trabalhadora, sem se deixar subjugar pelas chantagens do
mercado e sem ceder nada mais aos financistas neoliberais.
Fonte: The
Intercept/Brasil 247
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