Influência digital:
A Era da Economia de Dados
“Os dados são o
novo petróleo” se tornou um mantra ecoado em diferentes espaços na Economia
Digital. Essa afirmação se dá pelo valor que um conjunto de dados pode possuir,
com informações valiosas a respeito de um indivíduo ou um grande número de
indivíduos. Ao contrário do petróleo, entretanto, os dados são infinitos e
podem ser extraídos de forma perene e com menor custo. As Big
Techs são os principais atores da Economia de Dados que extraem as bases
de usuários que servem como vetores voluntários e que enriquecem bancos com
múltiplas informações de forma ininterrupta a partir de dispositivos digitais.
O novo governo estadunidense trouxe consigo as maiores empresas de tecnologia
que utilizam do extrativismo de dados como fonte de lucro, tais como Meta,
Amazon e X (antigo Twitter). Como observar esse enlace entre governo e o
empresariado e quais os reflexos na democracia naquilo que pode ser entendido
como a era da Economia de Dados?
Quanto vale um
banco de dados? Profissionais de marketing sempre estão ávidos por saber mais
sobre os consumidores e buscar ainda mais informações sobre eles. Porém, o uso,
na maioria dos casos, é limitado e está concentrado em disparo de e-mails ou
SMS. Mesmo sendo um dos maiores consumidores de banco de dados, esses
profissionais desdenham do imenso valor das informações extraídas e preferem
entupir caixas de e-mail de seus contatos. Por outro lado, empresas de
seguro, planos de saúde e instituições financeiras, utilizam bancos de dados
para ter informações relevantes para gerar mais lucro de seus clientes. Buscam
em microdados, um refinamento comportamental para espremer todo e qualquer
valor de seus clientes, ofertando serviços ou cobrando tarifas personalizadas.
O valor de um banco
de dados está relacionado pela profundidade de informações captadas e pela sua
aplicabilidade. Assim, se o objetivo é ter informações básicas como e-mail,
nome e telefone, o valor e a aplicação serão baixos, ao passo que a compreensão
de sentimentos, aspectos psicológicos e sociais, e inclinação política, são mais
caros.
A Economia de Dados
trouxe um novo aspecto para o capitalismo, a produção voluntária. Qualquer
pessoa que possua um smartphone, smartwatch e outros apetrechos
digitais como anéis ou óculos, passam a vetorizar seus próprios dados que podem
ser coletados a partir de aplicativos. Assim, o novo petróleo possui um poço em
cada indivíduo que utiliza algum aparelho do tipo inteligente.
Os dados são
entregues em troca de experiências, que são múltiplas e, em diversos casos são
banais. Como, por exemplo, uma retrospectiva no Spotify para compartilhar com
os amigos. Ou, ainda, vídeos buscados no Youtube, perfis que são seguidos no
Instagram e textos compartilhados no antigo Twitter. Há quem debruce em
minuciosas análises as horas de sono, passos dados em um dia, calorias
consumidas no almoço e os batimentos cardíacos.
Dowbor dissertou a
respeito do capital improdutivo, principalmente, a partir de complexos sistemas
financeiros que são capazes de tornar o Estado uma de suas fontes de lucro. O
autor ainda apresenta como que intermediadores estão obtendo lucros maiores que
os próprios produtores, como o exemplo do café extraído em Uganda ao custo de
poucos centavos, até o consumo final em Londres em algumas dezenas de dólares.
Os dados ainda não
são vistos como commodities, como o café exemplificado acima, mas é
possível ver algumas semelhanças, principalmente, no entendimento de ser um
“novo petróleo”. Por outro lado, é preciso observar que a sua “produção” não
advém, necessariamente, do trabalho e sim da entrega voluntária, que
enriquecerão intermediadores que lucram com as vendas desses infinitos bancos
de dados para empresas e governos.
Com tantas entregas
voluntárias que enriquecem Big Techs como Meta, Google e TikTok, houve
faniquito coletivo com a ideia de que o governo iria monitorar cidadãos através
do pix. Há, inclusive, certa ingenuidade em supor que governos e tantos órgãos
já não sejam capazes de obter diversas informações sobre os cidadãos.
A economia de dados
se confunde com o capitalismo de vigilância, teorizado por Zuboff. O
capitalismo sempre teve o fetiche da vigilância social e trouxe diversos
experimentos ao longo da História e que nem sempre foram eficientes. É a partir
da vetorização, compilação, categorização e cruzamento de dados, que se torna
possível a vigilância e eventual controle de indivíduos.
Zuboff disserta em
seu livro que “o capitalismo de vigilância emprega muitas tecnologias, mas não
pode ser igualado a uma específica. Suas operações podem empregar plataformas,
mas essas operações não são o mesmo que plataformas. Ele emprega inteligência
de máquina, mas não pode ser reduzido a esses equipamentos. Ele produz e se
apoia em algoritmos, mas não é a mesma coisa que algoritmos”. Assim, para
observar esse fenômeno é preciso ter um entendimento de que essa nova era do
capitalismo não é simplista e se encaixa em uma indústria abstrata que é capaz
de controlar o trabalho, a economia e a política.
O trabalho
algoritmizado é uma realidade em quase todo o mundo, seja através de
aplicativos de transporte como Uber e delivery como iFood, que absorvem o dito
“trabalho não qualificado”, como avança em plataformas de trabalho
“qualificado” como Zenklub, Upwork ou GetNinjas. Essas plataformas ou
aplicativos reúnem milhões de trabalhadores que buscam renda extra ou a fuga
para o desemprego e desalento.
Na política, um dos
grandes casos foi a Cambridge Analytica que foi utilizada pela campanha de
Trump em 2016 e para influenciar o voto pelo Brexit. Dados coletados do
Facebook foram utilizados por estrategistas de extrema-direita. Após o
escândalo, Zuckerberg chegou a ser processado e reduziu o caso a um “erro”.
Trump, em 2024,
contou com o apoio do mesmo Zuckerberg e trouxe mais mega empresários do ramo
da economia de dados, como Bezos (dono da Amazon e Washington Post) e o
mazorral e pitoresco Musk (dono do antigo Twitter). Em sua posse, foi possível
ver os CEOs do Google e Apple, empresas que também se destacam pela captação e
gestão de dados de seus usuários.
O nefasto
representante da extrema-direita mundial, o atual presidente estadunidense
anunciou um investimento de US$ 500 bilhões para o financiamento em
infraestrutura de Inteligência Artificial e pode ter a OpenAI como uma das beneficiadas
na empreitada. Trump reverteu um decreto de Biden que regulamentava a IA e
trazia maior segurança para cidadãos e agora dá mais poder para que Big Techs
possam aumentar seus lucros.
Os usos de dados
são essenciais para o desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial,
pois é a partir deles que essas máquinas podem ter uma aprendizagem mais
profunda. Mais uma vez, fica evidente que os dados são commodities da
Economia Digital e fundamentais para que sejam criados novos produtos a partir
da sua extração. O que fica claro, ainda, é que pela primeira vez na História
Econômica, o capitalismo encontrou uma produção voluntária, ou seja, sem a
necessidade de trabalho ativo para a produzir dados, pois esses são vetorizados
por meio de dispositivos digitais.
Para além de
vetorizar, é do perfil das Big Techs extrair valor do tempo dos seus usuários.
Quando Zuckerberg decidiu as novas regras do Meta, uma das propostas é o
recurso “notas da comunidade” que substitui os sistemas de checagem. Estranho
supor que uma das maiores empresas de tecnologia do mundo não seja capaz de ter
algoritmos eficientes para barrar conteúdos abjetos e fake news em suas
plataformas. Porém, ter voluntários que de forma ininterrupta possam alimentar
o Meta com diferentes informações e dados e de forma gratuita é mais lucrativo.
A máxima do “se o
serviço é gratuito, então o produto é você” precisa ser ressignificada, pois os
indivíduos estão além de produtos e passam a ser vetores de dados. A produção
voluntária de dados cria uma nova abordagem, em que é possível pensar “o
serviço é gratuito e você trabalha por ele”. Entretanto, até mesmo os serviços
pagos utilizam a produção de dados, talvez como forma de “subsídio”.
Morozov aborda como
a ascensão dos dados reflete a morte da política, justamente, pelas Big
Techs colocarem em xeque a representatividade do Estado e a solidez
democrática. Como o autor diz, a “inteligentificação” da vida cotidiana cria um
novo tipo de governança a partir da regulação algorítmica. Os dados são capazes
de capturar diversas e densas informações que, a partir de filtros e
cruzamentos, são criados mecanismos de controle e regulação social. A ideia
central é que esses dados são voltados para resultados e, principalmente,
eficiência.
Em uma estrutura
social pautada em dados que respondem de forma eficiente os desígnios
coletivos, por qual razão iremos confiar em princípios éticos? Ou como Morozov
provoca, por que confiar em leis se podemos confiar nesses mecanismos? É a
partir da lógica da eficiência pautada na “inteligentificação” que a
extrema-direita, enraizada em princípios neoliberais, ascende levando consigo
os que mais lucram com a economia de dados: as Big Techs. Essas empresas
não possuem mera influência em governos, elas passam a fazer parte do governo.
E quando empresas se enlaçam com governos, os cidadãos passam a ser clientes e
quando as Big Techs assumem cargos, os cidadãos passam a ser vetores
sem regulação.
Há algum tempo as
discussões sobre regulação de redes sociais avança devagar no executivo e
legislativo. Para além da demora, não se encontra em pauta o que deveria ser
debatido com afinco: regulação de algoritmos e, claro, o uso de dados a partir
do vetor humano. É notório que os algoritmos, que se constroem a partir do uso
massivo de dados, são responsáveis pelo arrefecimento da privacidade, pela
reorganização social e do trabalho e pela corrosão de princípios democráticos.
Para onde caminha a
democracia na era da Economia de Dados? Com as Big Techs dividindo o
poder, essas empresas terão caminho livre para controle social, reorganização
do trabalho sob influência da algoritmização e o enfraquecimento do Estado a
partir da inteligentificação da vida com fins de eficiência.
Portanto, é
necessário construir um novo cenário em que haja democracia plena e que o
Estado não esteja aquartelado pelas Big techs. Para além disso, é
necessário que mecanismos de regulação sejam implementados para impor limites a
algoritmização e, principalmente, crie regras para controle do extrativismo
digital.
Fonte: Por Herbert
Salles, no Le Monde
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