Protetor solar faz mal? Os riscos de vídeos
nas redes sociais que acusam produto de causar câncer
Vídeos compartilhados
em TikTok, Instagram e outras redes sociais têm espalhado uma tendência
perigosa: a de acusar os protetores solares de serem "inúteis" ou até
causarem doenças, contrariando o que mostram as pesquisas científicas e o
consenso entre especialistas da área.
Alguns desses vídeos,
apresentados por palestrantes, influencers, modelos e até médicos, dizem — sem
apresentar evidências concretas — que a eficácia do protetor solar é
"discutível" ou que esses produtos supostamente trazem
"compostos que são danosos aos neurônios".
Outros indicam não
usar o protetor solar como meio de melhorar problemas de pele (como o melasma,
o surgimento de manchas escuras) ou chegam a acusar o produto de até causar
câncer — de novo, sem basear as afirmações em nenhuma prova.
Há ainda alguns desses
conteúdos que acusam os filtros solares de não bloquearem os raios ultravioleta
do tipo C (UVC). Segundo essa linha de raciocínio, esses raios são os grandes
causadores de tumores cutâneos.
O problema é que,
segundo a Food and Drug Administration (FDA), a agência regulatória americana,
e diversas outras entidades, o UVC sequer chega à superfície terrestre — ele é
bloqueado pela camada de ozônio que recobre o nosso planeta.
"Assim, a única
maneira pela qual os humanos podem ser expostos à radiação UVC é a partir de
uma fonte artificial, como uma lâmpada ou laser", explica a FDA.
'Corrente perigosa'
A médica Aparecida
Moraes, coordenadora do Departamento de Oncologia Cutânea da Sociedade
Brasileira de Dermatologia (SBD), vê uma "tendência muito negativa"
na disseminação de conteúdos sobre proteção solar em plataformas populares da
internet.
"Há uma perigosa
corrente nas redes sociais que criminaliza o filtro solar, como se ele fosse um
produto químico que causa câncer de pele. Isso é uma irresponsabilidade",
critica ela, que também é professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp).
"Falar uma coisa
dessas é um enorme desserviço. Temos três ou quatro décadas de pesquisas
publicadas que revelam o papel do protetor solar na prevenção do câncer de
pele", reforça a dermatologista.
Além da própria SBD e
de outras academias de dermatologia da Europa, da Austrália e da América do
Norte, os filtros solares são uma estratégia recomendada para resguardar a pele
por diversas entidades, como a própria Organização Mundial da Saúde (OMS).
Aliás, entidades
australianas lançaram neste ano uma nova diretriz sobre proteção solar que
individualiza os cuidados segundo o tipo de pele (leia mais abaixo).
A OMS recomenda
"a aplicação generosa de protetor solar de amplo espectro (proteção contra
os raios UVA e UVB) e de pelo menos FPS 30, num total de 3 a 4 colheres de sopa
cheias para todo o corpo adulto".
"É importante
reaplicar a cada duas horas, principalmente depois de suar, nadar, brincar ou
fazer exercícios ao ar livre", diz a OMS.
Vale lembrar aqui que
UVA e UVB são raios ultravioletas que vêm do sol.
O UVA tem um
comprimento de onda mais comprido e penetra a camada intermediária da pele (a
derme). Já o UVB é mais curto e afeta a camada superficial, a epiderme.
Ao longo do tempo, a
radiação vinda do sol danifica as células que compõem a pele e gera mutações
genéticas que evoluem para um tumor.
O Instituto Nacional
de Câncer (Inca) estima que o câncer de pele não melanoma é o tipo de tumor
mais frequente no Brasil — são diagnosticados mais de 220 mil casos deles no
país todos os anos.
• O tamanho da desinformação
Apenas 16,6% dos
conteúdos sobre proteção solar compartilhados no TikTok foram produzidos por
profissionais da saúde.
Esse é um dos
principais achados de uma pesquisa publicada no início de junho que foi
realizada na Universidade de Miami, nos Estados Unidos.
O trabalho avaliou os
100 vídeos mais relevantes em diversas categorias que usavam hashtags
relacionadas à proteção solar ou câncer de pele e que foram postados entre os
dias 25 e 27 de agosto de 2023.
A análise mostra que
38,7% dos materiais têm blogueiros e produtores de conteúdos relacionados a
temas de beleza e estética como autores. Na sequência, 33,7% dos vídeos vêm de
consumidores ou pacientes.
A dermatologista
Heather Woolery-Lloyd, que orientou o estudo, destaca que o fato de influencers
"dominarem" esse mercado não é algo necessariamente preocupante.
"Precisamos ser
cuidadosos, pois existem muitos blogueiros de beleza que fazem um importante
trabalho de educação e informação em saúde da pele, que é baseado em evidências
científicas", diz.
"No entanto,
acredito que há demanda por uma maior presença digital de médicos, para que as
pessoas tenham acesso a uma visão balanceada sobre o tema", opina
Woolery-Lloyd.
Segundo a
dermatologista, influencers poderiam focar nos aspectos práticos da rotina de
cuidados com a pele — como analisar a facilidade no uso dos produtos e a
experiência que eles tiveram.
"Esse tipo de
conteúdo pode ser muito útil para os consumidores", diz ela.
"Mas nós,
profissionais da saúde, podemos usar esses espaços para falar como os
diferentes protetores solares funcionam, que tipo de doenças eles previnem,
quais são os ingredientes, os tipos mais indicados para cada tipo de
pele…", exemplifica a médica.
Ela também cita a
possibilidade de desmentir conteúdos falsos para orientar as pessoas sobre como
manter a pele saudável de acordo com as diretrizes das sociedades de
especialistas.
"E precisamos
levar em conta que o TikTok se tornou uma das principais ferramentas de busca
de informações", complementa a estudante de medicina Rachel Lin, outra
autora do estudo.
Embora os
pesquisadores reforcem que os conteúdos sobre proteção solar no TikTok
produzidos por pacientes e influencers não representem automaticamente uma
ameaça, eles se mostram preocupados com o risco das informações falsas quando o
assunto é a saúde da pele.
O próprio estudo da
Universidade de Miami destaca as estatísticas compiladas por um outro
levantamento realizado em 2022, em que informações falsas foram detectadas em
15,6% dos vídeos sobre câncer de pele.
Além disso, 18,7%
desses conteúdos traziam mensagens favoráveis aos métodos de bronzeamento
artificial, que são considerados danosos por acelerar o envelhecimento da cútis
e aumentar o risco de tumor nesse tecido.
Então, qual é a melhor
maneira de resguardar a pele do sol?
• Cuidados personalizados com a pele
Basicamente, como
citado no início da reportagem, as entidades de saúde sempre recomendam a
aplicação de filtros com Fator de Proteção Solar (FPS) acima de 30.
Também é importante
que esses produtos tenham um amplo espectro de ação — ou seja, resguardem
contra os raios ultravioleta A (UVA) e B (UVB).
É possível encontrar
todas essas informações nos rótulos dos protetores.
Em linhas gerais,
segundo as diretrizes feitas por associações de dermatologia, os protetores
devem ser usados todos os dias, com maior atenção quando há exposição
prolongada ao sol ou quando a radiação está muito elevada.
Mas é claro que as
opções disponíveis em supermercados e farmácias estão cada vez mais
diversificadas.
"Temos produtos
mais finos e aquosos, parecidos a geis, e outros mais cremosos, que lembram até
pomadas", destaca Moraes.
"Cada consumidor
tem que avaliar qual alternativa facilita o uso no dia a dia. Pessoas com a
pele mais oleosa geralmente se sentem melhor com um produto mais fino e aquoso,
enquanto aqueles com a pele seca e quebradiça podem garantir uma cobertura melhor
com as loções cremosas."
Os especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil reconhecem que o preço dos filtros solares é algo
que ainda dificulta o acesso — mas garantem que não é necessário comprar as
opções mais caras do mercado para resguardar a pele.
"Você não precisa
gastar muito dinheiro para ter uma rotina de cuidados cutâneos. É possível
encontrar produtos de excelente qualidade por preços razoáveis", avalia
Woolery-Lloyd.
"A relação
custo-benefício dos filtros solares evoluiu muito nos últimos anos e hoje é
possível comprar um frasco de 120 ou 200 ml por algo em torno de R$ 60 ou R$
70", estima Moraes.
"Vale também
ficar de olho nas frequentes promoções que são feitas pelas próprias marcas ou
pelos mercados e farmácias", sugere.
Lin, da Universidade
de Miami, destaca outras estratégias para reduzir o contato com a radiação
solar.
"As peças de
roupa que têm proteção UV representam uma boa alternativa, já que não exigem
novas aplicações de produtos ao longo do dia e são reutilizáveis, algo positivo
do ponto de vista do custo e da sustentabilidade", lembra ela.
Aliás, usar chapéus,
óculos de sol, roupas leves e compridas e outros acessórios para cobrir a pele
é sempre uma boa ideia, bem como buscar o abrigo em sombras de árvores,
guarda-sóis e outras estruturas.
Ainda na linha da
personalização dos cuidados com a pele, há duas novidades relativamente
recentes que podem facilitar a vida de muita gente.
A primeira envolve os aplicativos
de celular ou tablet que informam a previsão do tempo. Muitos deles também
trazem a informação do índice UV.
Quando esse indicador
está alto, é preciso caprichar ainda mais nos cuidados com o sol — ou evitar
ficar exposto nos horários de pico, entre 11h da manhã e 3h da tarde.
A segunda (e última)
novidade tem a ver com as orientações sobre quem deve passar protetor solar de
acordo com características individuais.
Tradicionalmente, como
mencionado na reportagem, os grupos de dermatologia recomendam o uso recorrente
de protetor solar com pelo menos FPS 30 para todo mundo. Essa segue como a
principal orientação de entidades dos Estados Unidos e do Brasil, por exemplo.
"A pessoa pode
fazer suas atividades, praticar esportes, frequentar a praia, desde que faça
uma proteção solar adequada", concorda Moraes.
Porém, no início deste
ano, instituições australianas publicaram uma nova diretriz sobre proteção
solar que leva em conta os diferentes tipos de pele.
"A Austrália
sempre foi considerada a referência neste assunto, já que eles têm taxas mais
altas de câncer de pele", observa Woolery-Lloyd.
A nova recomendação
sugere que pessoas com alto risco de câncer — como aquelas que têm a pele muito
clara ou apresentam outros fatores que propiciam tumores cutâneos, como
histórico familiar — precisam adotar uma "abordagem extremamente cautelosa".
"Se possível,
deve-se evitar ficar exposto quando o índice UV estiver alto. Em lugares
abertos, é necessário sempre usar protetor solar", diz o texto.
Já para indivíduos com
um risco mais baixo de câncer cutâneo, como aqueles que têm a pele preta, a
orientação australiana é "passar tempo suficiente em ambientes externos
com a pele exposta, mesmo quando o índice UV está alto".
"Nesses casos, a
proteção solar não é necessária, a menos que a pessoa vá passar muito tempo
exposto em um local com alto índice UV", diz a diretriz australiana.
"Já para quem
possui tons de pele intermediários, o novo consenso australiano recomenda o uso
do filtro solar quando o índice UV está mais elevado", acrescenta
Woolery-Lloyd.
A mudança
significativa feita pelos especialistas da Austrália leva em conta não apenas
os riscos de câncer de pele, como também a necessidade de gerar uma quantidade
suficiente de vitamina D e os benefícios em termos de saúde mental de possuir
uma rotina de atividades ao ar livre.
Obtida a partir da
exposição ao sol, a vitamina D é importantíssima para a saúde, especialmente na
prevenção da osteoporose e na garantia do bom funcionamento do sistema
imunológico.
Os especialistas dizem
que, por via das dúvidas, é sempre importante buscar a orientação de um
dermatologista — até porque existem outros problemas de pele além do câncer que
surgem a partir da exposição solar prolongada.
"Pessoas com a
pele mais escura podem sofrer com a hiperpigmentação, ou com o surgimento de
pontos pretos de acne e manchas do melasma", detalha Woolery-Lloyd.
"E protetor
solar, óculos de sol, chapéus e roupas que protegem a pele também podem ajudar
a lidar com essas outras questões", conclui ela.
Fonte: BBC News Brasil
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