sexta-feira, 2 de agosto de 2024

PF cumpre mandados em operação sobre compra de respiradores pelo Consórcio Nordeste, na gestão Rui Costa

A Polícia Federal deflagrou, nesta quinta-feira (1º), a segunda fase da Operação Cianose, que investiga o desvio de valores na compra de respiradores pelo Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste (Consórcio Nordeste) durante a pandemia da covid-19.

Segundo a PF, estão sendo cumpridos 34 mandados de busca e apreensão e medidas judiciais de sequestro de bens, expedidos pela Justiça Federal da Bahia. Os mandados são cumpridos nos estados da Bahia, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo. Os delitos investigados incluem crimes licitatórios, desvio de recursos públicos, lavagem de capitais e organização criminosa, segundo a polícia.

•        Primeira fase

A primeira fase da Operação Cianose cumpriu mandados em abril de 2022. Ao todo, foram cumpridos 14 mandados de busca e apreensão. Os investigados podem responder pelos crimes de estelionato em detrimento de entidade pública (art. 171, § 3º, do Código Penal), dispensa de licitação sem observância das formalidades legais (art. 89, caput e parágrafo único da Lei de Licitações) e lavagem de dinheiro (art. 10, da Lei nº 9.613/98).

Segundo a PF, o processo de aquisição que se seguiu contou com diversas irregularidades, como o pagamento antecipado de seu valor integral sem que houvesse no contrato qualquer garantia contra eventual inadimplência por parte da contratada. Ao fim, nenhum respirador foi entregue.

O nome da operação denota a condição médica que afeta o paciente que passa por problemas relacionados à má oxigenação do sangue, que pode ser causada, por exemplo, por uma insuficiência respiratória ou uma doença pulmonar.

•        Delação

O nome do ministro-chefe da Casa Civil e ex-governador da Bahia, Rui Costa (PT), foi citado na delação premiada da empresária responsável pela venda de 300 respiradores durante a pandemia. O governo baiano pagou R$ 48 milhões em um contrato, mas os respiradores nunca foram entregues.

A reportagem teve acesso ao acordo de delação premiada firmado pela empresária Cristiana Taddeo, da Hempcare, responsável pela venda dos respiradores, com a PGR (Procuradoria-Geral da República). Ela afirma que o negócio foi intermediado por um empresário que se apresentou como sendo amigo de Rui Costa e da então primeira-dama Aline Peixoto.

Aline era funcionária da secretaria estadual de Saúde, e, em 2023, foi nomeada para o cargo vitalício de conselheira do Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia.

Taddeo revela que pagou R$ 11 milhões em comissões aos intermediários, entre eles, o empresário Cleber Isaac, que teriam facilitado o contato entre a empresa Hempcare junto ao Consórcio Nordeste. Isaac seria amigo de Rui Costa e de Aline Peixoto.

Rui Costa negou envolvimento com irregularidades e disse nunca ter tratado "com nenhum preposto ou intermediário sobre a questão das compras deste e de qualquer outro equipamento de saúde", em nota enviada à publicação.

'Durante a pandemia, as compras realizadas por estados e municípios no Brasil e no mundo inteiro foram feitas com pagamento antecipado. Esta era a condição vigente naquele momento', afirmou em nota.

Em depoimento ainda em 2020, à Polícia Civil, a empresária dona da Hempcare disse que o ex-secretário da Casa Civil do governo da Bahia, Bruno Dauster, sugeriu um aditivo contratual para que fosse aumentado o valor dos equipamentos. O ex-chefe da pasta pediu demissão após o escândalo.

No depoimento ao qual o CORREIO teve acesso, Cristiana Taddeo contou que não conhecia Dauster pessoalmente e tratou a venda de R$ 48,7 milhões através de ligações e mensagens via WhatsApp. Após a assinatura do contrato, esse montante teria sido depositado integralmente apenas dois dias depois. Ela disse ainda que sua empresa, com sede em São Paulo, não é fabricante de respiradores e que agiu como importadora dos produtos, que viriam da cidade de Guangzhou, na China.

Presa junto com outras duas pessoas pela Operação Ragnarok, que investiga suposta fraude na compra das máquinas, Cristiana Taddeo descreveu a Hempcare como uma empresa de fabricação, distribuição e representação de medicamentos à base de canabidiol. A oportunidade de fazer a importação de respiradores teria surgido após um grupo de empresários se reunir pelo WhatsApp para entender como poderiam mediar essas compras.

A empresária disse que tratou das transações quase exclusivamente com Dauster e que o Consórcio Nordeste "teve pouca autonomia no processo de compra dos ventiladores pulmonares". O consórcio, presidido pelo governador Rui Costa, é uma articulação formada pelos nove estados nordestinos para projetos econômicos, políticos, infraestrutural e social.

À polícia, a empresária Cristiana Taddeo disse que não tinha ideia do porquê a sua empresa foi contratada, já que era pequena e dispensável no processo, uma vez que "Bruno Dauster possui muitos contatos e poderia contratar diretamente com o fabricante chinês".

Ainda no processo da compra frustrada com a China, a empresária relatou que chegou a transferir R$ 400 mil para um homem como uma espécie de comissão por ele ter ajudado a agenciar os contatos com a empresa chinesa, a MCC8.

•        Escândalo dos respiradores custou à Bahia pelo menos R$ 3 milhões só com advogados nos EUA

Fora o enorme prejuízo ao erário, a suspeita compra dos respiradores para pacientes em estado grave por causa da covid-19 custou ao governo da Bahia cerca de R$ 3 milhões em honorários advocatícios para um escritório dos EUA, contratado para reaver valores de uma das empresas envolvidas no escândalo, a Ocean 26. A informação consta em um relatório de auditoria feito pelo TCE nas contas da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) referentes a 2021. De acordo com o relatório, o valor foi pago à banca King and Spalding, com sede no estado da Califórnia. Incialmente, o contrato foi fixado em quase R$ 500 mil, mas ficou seis vezes maior pela recusa da Ocean 26 em devolver os US$ 8,64 milhões pagos pelo Fundo de Saúde do Estado.

Depois da rasteira

Pelo contrato firmado no início da pandemia, a empresa se comprometeu a entregar 600 respiradores de forma imediata ou até 20 de abril de 2020, mas os aparelhos jamais chegaram à Bahia. Como a Ocean 26 se recusou a devolver a verba, o governo buscou os serviços dos advogados americanos para tentar reaver o dinheiro.

<><> Salada de erros

Na avaliação dos auditores do tribunal de contas, o contrato para compra dos respiradores foi firmado em 30 de março de 2020 com "cláusulas atípicas, sem o oferecimento de garantia e com pagamento antecipado", mas sem avaliação do risco de inadimplência dos fornecedores. Após o calote consolidado, a empresa dos Estados Unidos ofereceu, como contrapartida ao governo do estado, equipamentos hospitalares diferentes, em quantidade menor e prazo maior que o previsto inicialmente.

 

Fonte: Correio

 

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