O que está em jogo com as eleições de 2024?
O PT e o
governo de Frente Ampla desempenham papeis cruciais na transformação do regime
político atual, que busca institucionalizar a extrema-direita e estabelecer um
novo modelo político mais à direita do que o vigente desde 1988.
##
É de Ulysses Guimarães
o conselho de que em política você nunca deve estar tão próximo que amanhã não
possa ser adversário e nem tão distante que amanhã você fique em dificuldade
por ter que estar próximo.
O político, nada menos
do que deputado federal por 11 mandatos consecutivos, de 1951 a 1992, e
presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1988 é um conhecedor
particular das entranhas que configuraram o regime de 1988. O conselho de uma
das principais cabeças da transição pactuada, da ditadura militar para a
chamada Nova República, soa como uma reza na missa das eleições de 2024.
Após alguns anos de um
período político muito agitado do regime brasileiro, um novo arranjo está se
conformando e pode ser visto no atual pleito municipal. E ele tem como pedra
angular a pactuação do governo Lula-Alckmin com a extrema-direita, que está cada
vez mais institucionalizada.
Esse processo não é
recente. Durante o governo Bolsonaro, frações poderosas das classes dominantes
e do regime político, especialmente o judiciário, trabalharam para moderar os
aspectos mais disruptivos do bolsonarismo. Após a eleição de 2018, esses
setores passaram a considerar o modus operandi bolsonarista, que promovia
constantes instabilidades na política nacional em função de interesses
particulares, como inapropriado e disfuncional.
Esse processo culmina
com a inelegibilidade de Bolsonaro, ainda que seus espólios estejam em
constante disputa e ele mesmo continua sendo um player muito importante da
política. Agora, aqueles que buscam atuar no espaço que ele ocupou estão de
vento em popa querendo seu lugar ao sol. Para isso, contam com acordos e
pactuações com diversas alas do regime político, o que inclui o próprio governo
Lula-Alckmin.
Embora alguns tentem
apresentá-los como antagonistas inconciliáveis, uma análise mais detalhada
revela um complexo emaranhado de negociações que está moldando o novo regime
que se ergueu após o golpe institucional de 2016. Vamos explorar isso mais a
fundo.
O governo de Lula e as
alianças com a extrema-direita
Parte central da
política das candidaturas que são apoiadas ou são diretamente do PT é dizer que
nessas eleições a tarefa é barrar o bolsonarismo. O exemplo mais claro dessa
narrativa é a disputa pela prefeitura de São Paulo, onde Guilherme Boulos
frequentemente usa esse argumento.
De acordo com essa
lógica, seria de se esperar que o governo Lula estivesse alinhado contra o
bolsonarismo. No entanto, a realidade é bem diferente. Vejamos alguns exemplos
para ilustrar isso.
Começando pela capital
paulista, nada menos do que a metade dos partidos que compõem os ministérios do
governo Lula estão na coligação de Nunes. MDB, PP, PSD, Republicanos, e União
Brasil. Partidos que congregam 11 ministérios do atual governo federal.
No outro polo está
Boulos, com o que restou dos partidos do governo e que conta como sua vice
Marta Suplicy, ex- MDB e que era Secretária das Relações Exteriores da
prefeitura de Nunes antes de aderir a chapa com o candidato do PSOL.
Além de São Paulo, os
partidos da base de Lula estão se aliando ao PL, de Bolsonaro, em pelo menos
outras cinco capitais e mais cinco grandes cidades: Florianópolis, Curitiba,
Salvador, Porto Alegre, Natal, além de Duque de Caxias, Campinas, Santos, Ribeirão
Preto, Feira de Santana e Londrina.
Em Campinas, o atual
prefeito do Republicanos, Dário Saadi, recebeu apoio em vídeo do
vice-presidente Geraldo Alckmin após um evento em que Lula pediu aos militantes
do PT que cessassem as vaias contra ele. Alckmin, com seu partido PSB, é vice
do candidato apoiado por Tarcísio. A parceria entre Republicanos e PSB também
se repetirá em Santos, outra importante cidade do estado de São Paulo.
Além disso, há outros
arranjos onde expoentes bolsonaristas apoiam candidaturas que também têm o
apoio do PT. O atual prefeito do Rio, Eduardo Paes, não concedeu a vaga de vice
para o PT e, em vez disso, anunciou o deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ),
como seu coordenador de campanha e tem relações descaradas com a família Brazão
e históricas relações com a milícia. Bolsonarista e conservador, Otoni de Paula
é pastor da Assembleia de Deus e é reconhecido pelas suas posições
reacionárias. O acordo com Otoni de Paula incluiu a condição de veto ao vice
petista na chapa pela reeleição, mas, ainda assim, o PT apoia sem qualquer
pesar a candidatura de Paes.
Considerando ainda
outras capitais, a conciliação do PT vai mostrando seu significado. Em Belo
Horizonte, Alexandre Kalil, que recebeu apoio do PT, agora apoia o candidato do
Republicanos, Mauro Tramonte. Em Porto Alegre, Maria do Rosário inclui o partido
reacionário Avante em sua coligação; até recentemente, o Avante tinha em seus
quadros ninguém menos que Chiquinho Brazão, um dos mandantes do assassinato de
Marielle Franco, e está buscando apoio do União Brasil. E não muito distante, o
PT declarou apoio a Eduardo Leite, um dos responsáveis pela crise das
enchentes, que admitiu não ter investido em prevenção para economizar recursos.
Esse movimento não é
recente. Nas eleições de 2020, PT e PSL, quando Bolsonaro ainda era parte do
partido, formaram uma coligação em 136 municípios. A relação com o PL também
tem uma longa história. Nas últimas eleições, PT e PL estavam na mesma coligação
em 385 cidades, e essa coalizão saiu vitoriosa em 213 delas.
Vale lembrar que o PL,
que hoje é o principal refúgio da direita e da extrema-direita no país, já
integrou a base dos governos do PT. Na eleição presidencial de 2002, esse grupo
indicou José Alencar para a vice-presidência de Lula e ocupou diversos cargos
importantes durante as gestões petistas.
E como não poderia
deixar de ser, todas essas alianças com a direita e extrema-direita não foram
feitas sem a benção de Lula. Foi sua corrente interna no PT, a CNB (Construindo
um Novo Brasil) que vetou um trecho de uma resolução que foi aprovada no diretório
nacional do PT que propunha proibir alianças com o PL. Nessa ocasião, o
deputado federal Jilmar Tatto foi claro: "Se o candidato a prefeito
declarar que estará conosco em 2026, mesmo estando no PL, é permitido".
Uma das expressões
dessa resolução, dentre tantas outras que ainda estamos por ver, será na
eleição para a Prefeitura de Francisco Morato, cidade na Grande São Paulo. Ildo
Gusmão, do Republicanos, que é pastor da Igreja Quadrangular é conhecido por
suas posições reacionárias, deverá ter como vice o presidente municipal do PT,
Chicão Bernabé.
A busca pela
estabilização do regime após o golpe institucional de 2016 e o mandato de
Bolsonaro
Após ter seus direitos
políticos cassados pelo judiciário em um processo arbitrário, Lula foi
reabilitado com a missão de estabilizar um regime abalado por diversas
incursões autoritárias. Desde sua saída da prisão, ele deixou claro que não
buscava vingança e escolheu Alckmin, então principal figura da direita
neoliberal, como garantia de suas intenções de repactuação.
Portanto, a estratégia
do PT visa alcançar essa nova estabilidade, reeditando a conciliação de classes
de seus mandatos anteriores, mas agora incorporando a extrema-direita que se
consolidou no regime político. Tarcísio representa essa extrema-direita institucionalizada,
que, embora não adote agora os métodos de Bolsonaro de permanente
desestabilização do regime, mantém seu programa econômico ultra-neoliberal e
seu ataque direto aos direitos sociais, além de repressão à vanguarda sindical
do estado e à juventude pela via do recrudescimento da violência policial
Lula à frente da
configuração desse regime político, apesar de ter em Tarcísio um competidor,
promove com ele um pacto pela estabilização. É por isso, que mesmo em meio a
privatização da Sabesp, os ataques contra o Metro e a CPTM e tentativa de
implementação das reacionárias escolas cívico-militares, Tarcísio tenha
recebido o “maior cheque” do BNDES de Lula, dentre todos os governadores.
Nesse contexto, a
candidatura de Boulos e do PSOL em São Paulo é funcional para a construção de
um arco de alianças com velhos bolsonaristas. Lula pode se utilizar de uma
grande vitrine de uma capital como São Paulo, e apoiar um candidato que há
alguns anos atrás já foi visto como mais “radical” - denominação que Boulos
tenta se desvencilhar com o diabo da cruz - para ao mesmo tempo promover
alianças e acordos com os setores mais reacionários da extrema-direita.
Facilitam acordos dessa natureza a incorporação na secretaria de segurança de
Boulos de um comandante da ROTA, batalhão de extermínio da juventude negra e
pobre em São Paulo.
Ao contrário do que o
PT e o PSOL afirmam em suas campanhas, alegando que o voto neles é uma forma de
barrar o bolsonarismo, na prática, eles acabam fortalecendo esses setores. E
ainda de brinde em vários lugares leva o apoio de organizações como PCB e UP
que mais uma vez revelam seu real projeto de conciliação como manda a velha
tradição stalinista e já começam a indicar seus apoios aos candidatos do PT.
É essa lógica que
fortalece os setores que buscaram aprovar a reacionária PL da Gravidez Infantil
e recrudescer a lei de drogas que alimenta a guerra as drogas e o assassinato
da população negra no Brasil. Os mesmo que investem contra as terras indígenas,
que promovem a LGBTfobia e querem novas privatizações e ataques aos direitos da
classe trabalhadora. Que queimam a Amazônia, o Pantanal e destroem rios e
mananciais. Que mantém a precarização do trabalho, a jornada 6x1, as
terceirizações. Que querem chamar a Ditadura de Revolução. Todos esses que
governam o país junto ao PT e seus aliados, como o PSOL.
Como resultado desse
movimento, o que resta é a preservação de todas as grandes contra-reformas
aprovadas desde o governo Temer, como a reforma trabalhista e da previdência.
Mas não só elas. Vemos também a construção de uma nova arquitetura neoliberal
pelas mãos do próprio PT com o Arcabouço Fiscal. Para provar sua vitalidade ao
capital financeiro, mais 15 bilhões foram cortados do orçamento público,
deixando como vítimas a saúde e educação para o pagamento dos juros das dívidas
para as grandes instituições financeiras. Tudo isso com o apoio do PSOL que
assumiu um verdadeiro compromisso com o arcabouço fiscal.
Portanto, não é
coincidência que, tanto nas lutas quanto nas necessidades da classe
trabalhadora e dos setores populares, podemos identificar ataques promovidos
pelo PT e o PSOL que poderiam ser compartilhados por governadores e prefeitos
da extrema-direita.
A greve dos federais
teve que enfrentar a política de arrocho salarial de um governo que concedeu 0%
de aumento, justificando-se com o arcabouço fiscal, enquanto ofereceu aumentos
substanciais para as polícias e recordes para o agronegócio. Além disso, apesar
de o governo ter prometido, por meio de Lula, não reprimir greves, entrou na
justiça para ilegalizar as greves do Ibama e ICMbio, essenciais para a defesa
do meio ambiente, além da greve do INSS.
Dentro dessa mesma
estrutura neoliberal a serviço do capital financeiro, está o Regime de
Recuperação Fiscal do Rio de Janeiro, sob a liderança de Cláudio Castro. A
reitoria da UERJ, apoiada pelo PT e pelo PCdoB, e que conta com um vice-reitor
do PSOL (ligado à Resistência e Insurgência), cortou milhares de auxílios
estudantis, atacando os setores mais pobres e deixando-os em situação de
penúria para cumprir com o compromisso fiscal (segundo a mesma política de
Lula-Haddad), além de ameaçar com repressão aqueles que ocuparam a reitoria.
Portanto, erguer uma
voz contra todo esse projeto é uma tarefa para hoje. É com esse objetivo que o
MRT irá apresentar suas candidaturas nessas eleições. São candidaturas contra o
arcabouço fiscal e a conciliação de classes com o agronegócio, STF, militares e
a extrema-direita. Candidaturas comunistas que apostam na força da classe
trabalhadora.
Fonte: Esquerda Diário
Nenhum comentário:
Postar um comentário