Taxação global faria ricos reconsiderarem
mudar de país, diz ministro da Noruega
O Ministro das
Finanças da Noruega, Trygve Vedum, está empolgado com o Brasil --é a primeira
vez dele no país.
Em conversa com a
Folha de S.Paulo durante um intervalo das reuniões do G20, em São Paulo, ele
apoiou a proposta do governo brasileiro de um imposto global para ricos e
defendeu a tributação de seu país para empresas que exploram recursos naturais
(em alguns casos, chegando a 78% de imposto sobre os dividendos).
LEIA A ENTREVISTA
• O que a Noruega tem a acrescentar ao
G20?
TRYGVE VEDUM - É uma
honra para nós que o Brasil nos tenha convidado e que também temos alguns
objetivos em comum com o governo brasileiro. Um dos principais assuntos de hoje
é a desigualdade e tivemos uma discussão com o Ministério da Fazenda ontem [terça-feira
(27)] sobre o sistema de tributação.
A desigualdade na
Noruega é bastante baixa, mas acredito que um dos principais objetivos para a
presidência brasileira é como podemos ter uma tributação mais eficaz.
Haddad usou a palavra
"super-ricos" quando fez seu discurso no evento do G20 hoje [nesta
quarta-feira, 28]. E aí temos objetivos em comum porque é extremamente
importante para o sistema de bem-estar nórdico que todos contribuam, inclusive
os super-ricos.
* O que a Noruega acha
do plano do Haddad?
T. V. - O pilar 2 [da
OCDE, que impõe uma taxação mínima para as big techs] é uma vitória bastante
grande e agora estamos trabalhando para ter a ratificação do pilar 1 [que trata
dos direitos de tributação sobre os lucros de multinacionais entre os países].
Mas apoiamos o objetivo que o Haddad falou hoje.
Acho que é bastante
importante que o governo brasileiro mostre um caminho. Mas acho que é um longo
tempo de trabalho porque são interesses diferentes. Mas, para nós, como um país
que tem um imposto sobre a riqueza, claro que apoiamos o objetivo político do
seu governo.
* Como é a taxação na
Noruega?
T. V. - É um pouco
complexa. Mas, se você fizer de forma simples, é 1,1% da riqueza em impostos
anuais. Mas você tem diferentes tipos de descontos.
Por exemplo, se você
tem ações, paga apenas 80% dos valores. E, se você tem sua casa, por exemplo,
então você tem um desconto muito grande, em torno de 90%. O sistema principal é
que, se sua riqueza for cerca de 20 milhões [de coroas norueguesas, R$ 9,38
milhões], então você paga 1,1%. E abaixo de 20 milhões você paga 1%.
* Qual é o risco de se
ter um imposto?
T. V. - Na Noruega,
alguns bilionários foram embora. Muitas pessoas foram para a Suíça, isso é
verdade. Essa é a principal razão também para trabalhar por essa tributação
global, porque então você tem a oportunidade de se livrar de uma conta de
impostos.
A Noruega é um país do
sistema de bem-estar [social] e é uma das sociedades mais fáceis do mundo para
se enriquecer. Mas então você também tem de pagar sua contribuição de volta
para a sociedade quando tem essa grande riqueza. E esse é o objetivo do nosso
governo.
Com uma taxação
global, seria menos atrativo se mudar por causa do imposto de riqueza.
* O sr. chegou a
sugerir à equipe do Haddad que cobre mais impostos de quem explora o meio
ambiente. Como isso funciona na Noruega?
T. V. - Posso falar
por uma hora se você quiser, mas vou tentar ser breve. Petróleo e gás, por
exemplo, têm um valor extremamente alto, então, é claro que se você tem uma
empresa que está investindo em petróleo e gás, ela deve ter um dividendo
ordinário.
Parte dele deve ser
compartilhado com o Estado, então, por exemplo, para a indústria de petróleo e
gás na Noruega, o nível de imposto é de 78%, mas você pode deduzir o
investimento dos seus impostos. Portanto, se você paga 78% de imposto, quando
você investe, recebe 78% de volta no próximo ano.
Portanto, é bastante
favorável ao investimento. Mas também temos essa tributação sobre a energia
hidrelétrica, porque é um grande recurso natural, especialmente nas montanhas e
na parte oeste da Noruega. A partir deste ano, teremos uma tributação de 47% em
relação à energia eólica em terra.
Especialmente quando
se trata de energia eólica e hidrelétrica, os municípios também recebem sua
parte dos valores. Porque sempre há um grande debate.
Por exemplo, se você
vai ter energia eólica, as pessoas frequentemente são contra. Mas é mais fácil
ter os municípios ao seu lado quando eles têm uma parte do valor.
* Se fizermos isso no
Brasil, alguns dirão que os investimentos irão para outro país...
T. V. - Esse é o ponto
principal. Os recursos naturais estão, por exemplo, no Brasil. Então eles não
podem mover os recursos naturais. Eles não podem mover as cachoeiras. Então
esse é um dos principais pontos aqui.
Não é possível mover,
por exemplo, os fiordes noruegueses. Você pode usar meu fiorde, mas então você
deve retribuir à sociedade. É um modelo bastante bom, mas é um modelo bastante
radical. Na Noruega usamos esse modelo há cerca de 100 anos.
Raio X
Trygve Vedu, 45
Parlamentar desde
2005, foi ministro da Agricultura entre 2012 e 2013. É ministro das Finanças da
Noruega desde 2021 e filiado ao Partido do Centro
França defende novo sistema internacional
de tributos com impostos mínimos
O ministro da Economia
da França, Bruno Le Maire, vai propor a suas contrapartes das 20 maiores
economias do mundo a implementação de um novo sistema internacional de impostos
com tributos mínimos para evitar sonegação.
Em conversa com
jornalistas nesta quarta-feira (28) em São Paulo, onde participa do encontro de
ministros das finanças do G20, Le Maire defendeu a proposta a partir de três
pilares.
O primeiro, a
tributação de "receitas não físicas", como ativos digitais, que,
segundo ele, deveria ser implementado já em junho deste ano.
Em segundo lugar, um
imposto mínimo sobre empresas, que a França já aprovou e passará a ser cobrado
em janeiro de 2025, com previsão de receita adicional de 1,5 bilhão de euros
por ano. Por último, uma tributação mínima sobre indivíduos.
"Estamos
totalmente comprometidos em acelerar o processo para implementar a nível
internacional no nível da OCDE, no nível do G20, e espero que também tenhamos
todos os países europeus, uma tributação mínima sobre indivíduos para combater
qualquer tipo de otimização fiscal ao redor do mundo", afirmou.
Le Maire, que é
contrário ao acordo de livre comércio da União Europeia com o Mercosul, não
quis responder a perguntas sobre o tema.
O ministro ainda
defendeu que é preciso focar no crescimento econômico após o problema da
inflação ter sido contornado na maioria dos países do bloco. "Comparado
aos Estados Unidos, temos menos crescimento e menos produtividade",
afirmou, defendendo "mais inovação, menos regras, menos normas, menos
administração e mais investimentos em tecnologias-chave, em inteligência
artificial e em produtividade."
O francês também abriu
dissidência em relação à posição das economias mais ricas do mundo de apreender
fundos russos congelados desde o início da Guerra da Ucrânia, avaliados em US$
285 bilhões, conforme defendido pela secretária do Tesouro dos EUA, Janet
Yellen, em São Paulo na terça-feira (27).
"Os países do G7,
os países europeus, não devem dar nenhum passo que possa prejudicar o sistema
jurídico internacional. O G7 é baseado no Estado de Direito, deve agir
respeitando o Estado de Direito. O que significa que, como não temos a base
legal para apreender os ativos russos, precisamos trabalhar mais nisso",
afirmou.
Líderes como o
presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, defendem que esses fundos sejam
usados para reconstruir a Ucrânia após a guerra impetrada pela Rússia.
Em entrevista à Folha
de S.Paulo na terça, o ministro das Finanças da Rússia, Anton Siluanov, chamou
a proposta de roubo, afirmou ser "um tiro no pé" e mina a
estabilidade financeira global.
"Mina as bases do
atual sistema monetário e financeiro. A maioria do que foi congelado no
exterior é de reservas do Banco Central, que sempre estiveram acima da política
e foram protegidas por instrumentos legais e pelas instituições", disse. "Haverá
uma resposta simétrica", afirmou.
Ø
G20: Mundo precisa de financiamento e
tributação de mais ricos é instrumento, diz Duringan
O mundo precisa de
financiamento e a tributação dos mais ricos, proposta que o governo brasileiro
está levando aos ministros de finanças e presidentes de bancos centrais das 20
economias mais ricas do planeta, é um dos instrumentos adequados para propiciar
estes investimentos, disse o secretário-executivo do Ministério da Fazenda,
Dario Durigan nesta quarta, 28.
“A gente está
apresentando esta proposta hoje para o G20, que é um fórum complexo, com países
com vários interesses. A gente sabe disso, mas a gente não pode se furtar a
propor um instrumento. O mundo vai viver essa necessidade. Viveu na pandemia e
vai viver outras”, disse o secretário-executivo da Fazenda em conversa com
jornalistas.
De acordo com ele, as
mudanças climática vão impor a necessidade de criação de mecanismos de reação e
de respostas e o mundo precisa se coordenar.
Segundo Durigan, um
dos mecanismos que nasce tributação dos mais ricos é levar para o âmbito global
o que o Brasil já vem fazendo internamente, que é o combate aos privilégios.
Para ele, isso tem que começar de algum lugar. Sabe-se que a OCDE toca dois pilares:
tributação das big techs e outro que envolve incorporações, empresas.
“É possível pensar num
terceiro pilar que é uma governança completa, quem vai liderar isso com o tempo
e que olhe para a renda, ganho de capital e herança. É esse tipo de debate que
nasce hoje a partir desta proposta. Ele deve frutificar e gerar diálogos”,
disse acrescentando ser possível haver alguma reação, mas que pelo que tem sido
conversado com nas reuniões bilaterais dentro do G20 os países europeus têm
apoiado o Brasil nas linhas gerais.
Durigan disse que
apesar de a proposta estar andando bem, ainda não há uma definição de alíquotas
para a tributação dos mais ricos.
Fonte: FolhaPress/istoÉ
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