sexta-feira, 1 de março de 2024

Taxação global faria ricos reconsiderarem mudar de país, diz ministro da Noruega

O Ministro das Finanças da Noruega, Trygve Vedum, está empolgado com o Brasil --é a primeira vez dele no país.

Em conversa com a Folha de S.Paulo durante um intervalo das reuniões do G20, em São Paulo, ele apoiou a proposta do governo brasileiro de um imposto global para ricos e defendeu a tributação de seu país para empresas que exploram recursos naturais (em alguns casos, chegando a 78% de imposto sobre os dividendos).

LEIA A ENTREVISTA

•        O que a Noruega tem a acrescentar ao G20?

TRYGVE VEDUM - É uma honra para nós que o Brasil nos tenha convidado e que também temos alguns objetivos em comum com o governo brasileiro. Um dos principais assuntos de hoje é a desigualdade e tivemos uma discussão com o Ministério da Fazenda ontem [terça-feira (27)] sobre o sistema de tributação.

A desigualdade na Noruega é bastante baixa, mas acredito que um dos principais objetivos para a presidência brasileira é como podemos ter uma tributação mais eficaz.

Haddad usou a palavra "super-ricos" quando fez seu discurso no evento do G20 hoje [nesta quarta-feira, 28]. E aí temos objetivos em comum porque é extremamente importante para o sistema de bem-estar nórdico que todos contribuam, inclusive os super-ricos.

* O que a Noruega acha do plano do Haddad?

T. V. - O pilar 2 [da OCDE, que impõe uma taxação mínima para as big techs] é uma vitória bastante grande e agora estamos trabalhando para ter a ratificação do pilar 1 [que trata dos direitos de tributação sobre os lucros de multinacionais entre os países]. Mas apoiamos o objetivo que o Haddad falou hoje.

Acho que é bastante importante que o governo brasileiro mostre um caminho. Mas acho que é um longo tempo de trabalho porque são interesses diferentes. Mas, para nós, como um país que tem um imposto sobre a riqueza, claro que apoiamos o objetivo político do seu governo.

* Como é a taxação na Noruega?

T. V. - É um pouco complexa. Mas, se você fizer de forma simples, é 1,1% da riqueza em impostos anuais. Mas você tem diferentes tipos de descontos.

Por exemplo, se você tem ações, paga apenas 80% dos valores. E, se você tem sua casa, por exemplo, então você tem um desconto muito grande, em torno de 90%. O sistema principal é que, se sua riqueza for cerca de 20 milhões [de coroas norueguesas, R$ 9,38 milhões], então você paga 1,1%. E abaixo de 20 milhões você paga 1%.

* Qual é o risco de se ter um imposto?

T. V. - Na Noruega, alguns bilionários foram embora. Muitas pessoas foram para a Suíça, isso é verdade. Essa é a principal razão também para trabalhar por essa tributação global, porque então você tem a oportunidade de se livrar de uma conta de impostos.

A Noruega é um país do sistema de bem-estar [social] e é uma das sociedades mais fáceis do mundo para se enriquecer. Mas então você também tem de pagar sua contribuição de volta para a sociedade quando tem essa grande riqueza. E esse é o objetivo do nosso governo.

Com uma taxação global, seria menos atrativo se mudar por causa do imposto de riqueza.

* O sr. chegou a sugerir à equipe do Haddad que cobre mais impostos de quem explora o meio ambiente. Como isso funciona na Noruega?

T. V. - Posso falar por uma hora se você quiser, mas vou tentar ser breve. Petróleo e gás, por exemplo, têm um valor extremamente alto, então, é claro que se você tem uma empresa que está investindo em petróleo e gás, ela deve ter um dividendo ordinário.

Parte dele deve ser compartilhado com o Estado, então, por exemplo, para a indústria de petróleo e gás na Noruega, o nível de imposto é de 78%, mas você pode deduzir o investimento dos seus impostos. Portanto, se você paga 78% de imposto, quando você investe, recebe 78% de volta no próximo ano.

Portanto, é bastante favorável ao investimento. Mas também temos essa tributação sobre a energia hidrelétrica, porque é um grande recurso natural, especialmente nas montanhas e na parte oeste da Noruega. A partir deste ano, teremos uma tributação de 47% em relação à energia eólica em terra.

Especialmente quando se trata de energia eólica e hidrelétrica, os municípios também recebem sua parte dos valores. Porque sempre há um grande debate.

Por exemplo, se você vai ter energia eólica, as pessoas frequentemente são contra. Mas é mais fácil ter os municípios ao seu lado quando eles têm uma parte do valor.

* Se fizermos isso no Brasil, alguns dirão que os investimentos irão para outro país...

T. V. - Esse é o ponto principal. Os recursos naturais estão, por exemplo, no Brasil. Então eles não podem mover os recursos naturais. Eles não podem mover as cachoeiras. Então esse é um dos principais pontos aqui.

Não é possível mover, por exemplo, os fiordes noruegueses. Você pode usar meu fiorde, mas então você deve retribuir à sociedade. É um modelo bastante bom, mas é um modelo bastante radical. Na Noruega usamos esse modelo há cerca de 100 anos.

Raio X

Trygve Vedu, 45

Parlamentar desde 2005, foi ministro da Agricultura entre 2012 e 2013. É ministro das Finanças da Noruega desde 2021 e filiado ao Partido do Centro

 

       França defende novo sistema internacional de tributos com impostos mínimos

 

O ministro da Economia da França, Bruno Le Maire, vai propor a suas contrapartes das 20 maiores economias do mundo a implementação de um novo sistema internacional de impostos com tributos mínimos para evitar sonegação.

Em conversa com jornalistas nesta quarta-feira (28) em São Paulo, onde participa do encontro de ministros das finanças do G20, Le Maire defendeu a proposta a partir de três pilares.

O primeiro, a tributação de "receitas não físicas", como ativos digitais, que, segundo ele, deveria ser implementado já em junho deste ano.

Em segundo lugar, um imposto mínimo sobre empresas, que a França já aprovou e passará a ser cobrado em janeiro de 2025, com previsão de receita adicional de 1,5 bilhão de euros por ano. Por último, uma tributação mínima sobre indivíduos.

"Estamos totalmente comprometidos em acelerar o processo para implementar a nível internacional no nível da OCDE, no nível do G20, e espero que também tenhamos todos os países europeus, uma tributação mínima sobre indivíduos para combater qualquer tipo de otimização fiscal ao redor do mundo", afirmou.

Le Maire, que é contrário ao acordo de livre comércio da União Europeia com o Mercosul, não quis responder a perguntas sobre o tema.

O ministro ainda defendeu que é preciso focar no crescimento econômico após o problema da inflação ter sido contornado na maioria dos países do bloco. "Comparado aos Estados Unidos, temos menos crescimento e menos produtividade", afirmou, defendendo "mais inovação, menos regras, menos normas, menos administração e mais investimentos em tecnologias-chave, em inteligência artificial e em produtividade."

O francês também abriu dissidência em relação à posição das economias mais ricas do mundo de apreender fundos russos congelados desde o início da Guerra da Ucrânia, avaliados em US$ 285 bilhões, conforme defendido pela secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, em São Paulo na terça-feira (27).

"Os países do G7, os países europeus, não devem dar nenhum passo que possa prejudicar o sistema jurídico internacional. O G7 é baseado no Estado de Direito, deve agir respeitando o Estado de Direito. O que significa que, como não temos a base legal para apreender os ativos russos, precisamos trabalhar mais nisso", afirmou.

Líderes como o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, defendem que esses fundos sejam usados para reconstruir a Ucrânia após a guerra impetrada pela Rússia.

Em entrevista à Folha de S.Paulo na terça, o ministro das Finanças da Rússia, Anton Siluanov, chamou a proposta de roubo, afirmou ser "um tiro no pé" e mina a estabilidade financeira global.

"Mina as bases do atual sistema monetário e financeiro. A maioria do que foi congelado no exterior é de reservas do Banco Central, que sempre estiveram acima da política e foram protegidas por instrumentos legais e pelas instituições", disse. "Haverá uma resposta simétrica", afirmou.

 

Ø  G20: Mundo precisa de financiamento e tributação de mais ricos é instrumento, diz Duringan

 

O mundo precisa de financiamento e a tributação dos mais ricos, proposta que o governo brasileiro está levando aos ministros de finanças e presidentes de bancos centrais das 20 economias mais ricas do planeta, é um dos instrumentos adequados para propiciar estes investimentos, disse o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan nesta quarta, 28.

“A gente está apresentando esta proposta hoje para o G20, que é um fórum complexo, com países com vários interesses. A gente sabe disso, mas a gente não pode se furtar a propor um instrumento. O mundo vai viver essa necessidade. Viveu na pandemia e vai viver outras”, disse o secretário-executivo da Fazenda em conversa com jornalistas.

De acordo com ele, as mudanças climática vão impor a necessidade de criação de mecanismos de reação e de respostas e o mundo precisa se coordenar.

Segundo Durigan, um dos mecanismos que nasce tributação dos mais ricos é levar para o âmbito global o que o Brasil já vem fazendo internamente, que é o combate aos privilégios. Para ele, isso tem que começar de algum lugar. Sabe-se que a OCDE toca dois pilares: tributação das big techs e outro que envolve incorporações, empresas.

“É possível pensar num terceiro pilar que é uma governança completa, quem vai liderar isso com o tempo e que olhe para a renda, ganho de capital e herança. É esse tipo de debate que nasce hoje a partir desta proposta. Ele deve frutificar e gerar diálogos”, disse acrescentando ser possível haver alguma reação, mas que pelo que tem sido conversado com nas reuniões bilaterais dentro do G20 os países europeus têm apoiado o Brasil nas linhas gerais.

Durigan disse que apesar de a proposta estar andando bem, ainda não há uma definição de alíquotas para a tributação dos mais ricos.

 

Fonte: FolhaPress/istoÉ

 

Nenhum comentário: