Restauração de áreas degradadas no
semiárido promove a ‘volta’ de microrganismos do solo, mostra estudo
Estratégias aplicadas
na restauração de áreas degradadas têm mostrado resultados promissores em
terras do semiárido brasileiro, melhorando também as propriedades microbianas
do solo e contribuindo para a volta de serviços ecossistêmicos nativos. Entre
essas técnicas estão a retirada ou a restrição do acesso de gado a determinadas
regiões de pasto; o cultivo de espécies para cobertura vegetal e a adoção de
terracing, um procedimento que modifica a topografia em encostas ou inclinações
para controlar a erosão.
Com a recuperação das
propriedades microbianas do solo, além do importante papel de manutenção da
biodiversidade, a produtividade melhora, contribuindo com uma produção
agropecuária sustentável. Esses são os resultados apontados em pesquisa publicada no Journal of Environmental Management por um grupo de
cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e das Federais do Piauí (UFPI),
do Ceará (UFC) e do Agreste de Pernambuco (Ufape). Os pesquisadores fizeram uma
revisão de 18 estudos desenvolvidos no semiárido, concentrado na Caatinga.
No Brasil, 16% do
território é suscetível à desertificação. São mais de 1.400 municípios (de um
total de 5.570), distribuídos nos nove Estados da região Nordeste. Englobam
cerca de 35 milhões de brasileiros.
Além disso, a
biodiversidade da Caatinga é variada, composta de quase 600 espécies de aves,
240 de peixes, mais de 170 de mamíferos, entre outras. No bioma, os
agricultores familiares estão entre os mais expostos ao risco climático, e os
municípios onde eles se concentram registraram perdas de produção nas últimas
três décadas.
Segundo estudo do Climate Policy Initiative da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(CPI/PUC-Rio), o aumento da seca na Caatinga provoca uma queda maior na
produtividade do feijão (16%) e do milho (35%), por exemplo, em comparação aos
demais biomas (6% e 16%, respectivamente). No caso da pecuária, a queda de 9%
na produtividade na região se contrapõe ao aumento de 1% nos outros biomas.
“Buscamos entender o
microbioma e suas funções para, a partir daí, enxergar ferramentas que auxiliem
a recuperação de áreas degradadas no semiárido. Vimos que as técnicas de
restauração têm feito com que a biodiversidade microbiana volte e,
consequentemente, haja a retomada de funções e serviços ecossistêmicos mais
similares ao que eram naturalmente”, explica à Agência FAPESP o professor Lucas
William Mendes, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena-USP).
Um dos autores do
artigo, Mendes recebe apoio da FAPESP por meio de dois projetos (19/16043-7 e
20/12890-4).
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Para entender
O microbioma é a
coleção de todos os microrganismos, seus materiais genéticos, funções e relação
com o ambiente. Inclui bactérias, fungos, arqueias, protistas e vírus
encontrados no solo. Desempenha importante papel na ciclagem de nutrientes, na
decomposição de matéria orgânica, além de estar ligado à emissão de gases de
efeito estufa e correlacionado com a saúde do solo, refletindo, assim, nas
plantas.
Alguns microrganismos
envolvidos na formação e estabilização de matéria orgânica rica em carbono
contribuem para o sequestro do gás e ajudam a mitigar os efeitos das mudanças
climáticas. “Compreendendo como alguns microrganismos vivem e contribuem para o
crescimento de plantas em área seca, é possível descobrir novos inoculantes
visando o desenvolvimento de vegetação nessas regiões”, afirma Mendes.
Por isso, entender
como as técnicas de restauração mexem com o microbioma permite não só
compreender como está a qualidade da terra, mas também reduzir o uso de insumos
artificiais e melhorar a agricultura por meio do potencial biotecnológico.
A produção
agropecuária sustentável vem ganhando cada vez mais destaque e, neste ano, é um
dos focos do grupo de trabalho que vai tratar de questões ligadas aos sistemas
agrícolas no G20. Formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União
Africana e a União Europeia, o G20 está sob a presidência do Brasil desde o
final do ano passado, e a Cúpula de Líderes será realizada em novembro, no Rio
de Janeiro.
Para os professores
Erika Valente de Medeiros e Diogo Paes da Costa, da Ufape e autores do artigo,
as pesquisas podem fornecer subsídios para orientar a formulação de políticas
públicas direcionadas ao desenvolvimento sustentável e à mitigação dos impactos
da desertificação. “Essas iniciativas são fundamentais, especialmente ao
incorporar o conceito de saúde global, que reconhece a interdependência entre a
saúde dos ecossistemas, a diversidade microbiana do solo e o bem-estar humano”,
complementa Medeiros.
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Impactos
No artigo, os
pesquisadores mostraram que a desertificação no semiárido brasileiro é
influenciada por fatores naturais – baixa pluviosidade da região, as altas
taxas de evaporação e os solos frágeis – e atividades humanas insustentáveis –
como a criação de gado ou uso para agricultura sem o manejo adequado. “O estudo
é importante porque mostra o efeito negativo da desertificação e indica
práticas efetivas de restauração para recuperação da diversidade microbiana no
solo”, avalia o engenheiro agrônomo Ademir Sérgio Ferreira de Araújo, primeiro
autor do artigo e professor na UFPI.
Adotando técnicas
moleculares, como metagenômica e metatranscriptômica, foi possível fazer o
monitoramento e a avaliação dos impactos dos esforços de restauração para o
microbioma do solo
Nas áreas em que houve
a cobertura com nova vegetação, foram usados o cânhamo (Crotalaria juncea) e o
capim-mombaça (Panicum maximum) – planta de origem africana, disseminada nas
regiões tropicais e subtropicais, com alta produtividade de massa verde por
hectare e elevado teor de proteína bruta, o que o torna um alimento de
qualidade para o gado. “Com cobertura das plantas, que muda a química do solo,
conseguimos ver que há melhora na pastagem da região, podendo ampliar a
quantidade de cabeças de gado por hectare, aumentando a produtividade”, diz
Mendes.
Já as áreas de
terracing ajudaram a controlar a erosão, conservar a água e facilitar a
agricultura. “É importante lembrar que a restauração das propriedades
microbianas do solo é um processo complexo e demorado, exigindo compromisso e
monitoramento de longo prazo. Daí a importância de cada vez mais estudos nesta
área”, completa.
O pesquisador também é
um dos autores de outro trabalho publicado em janeiro na revista Plant and Soil, que destaca a
necessidade de adoção de técnicas de restauração de ecossistemas que integrem
abordagens biológicas com variáveis ambientais – propriedades de ecossistemas,
condições climáticas e tipos de solo.
Liderado pelo
pesquisador Brajesh Singh, da Western Sydney University (Austrália), e com
olhar global, o estudo propõe que, para apoiar essa abordagem, haja a
integração de novas ferramentas computacionais e de satélite com potencial para
facilitar a implementação da gestão, do monitoramento e da restauração de
ecossistemas.
O professor Arthur
Prudêncio de Araújo Pereira, da UFC, destaca que os próximos passos serão
desenvolvidos por meio do projeto Caatinga Microbiome Initiative (CMI), uma
iniciativa interinstitucional, criada em 2022, que envolve mais de 20
professores e pesquisadores do Brasil e do exterior, com o objetivo de estudar
o microbioma da Caatinga e sua relação com a saúde do solo.
“Conhecemos muito
pouco sobre o papel do microbioma de solos da Caatinga, principalmente em áreas
em desertificação. Por isso a importância da condução de experimentos no âmbito
do projeto.”
Fonte: Um só Planeta
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