Terrorismo
de Estado: 44 anos do Atentado do Riocentro
Há 44
anos, em 30 de abril de 1981, um acontecimento insólito interrompia a
comemoração do Dia do Trabalhador, sediada no Riocentro: uma bomba explodiu no
interior de um veículo estacionado no pátio do centro de convenções.
O
automóvel estava ocupado por dois oficiais do Exército: o sargento Guilherme
Pereira do Rosário, que morreu na hora, e o capitão Wilson Dias Machado, que
ficou ferido.
A
detonação precoce do artefato impediu que os militares concretizassem uma
operação de bandeira falsa das mais repugnantes. Os militares pretendiam
plantar as bombas dentro do centro de convenções e detoná-las durante os shows,
matando e ferindo centenas de civis.
A ação
foi planejada por setores das Forças Armadas que estavam descontentes com a
abertura política. O plano era culpar grupos de esquerda pelo atentado, dando
pretexto para interromper o processo de redemocratização e ampliar a repressão
contra os opositores do regime.
• A “distensão”
Após os
chamados “Anos de chumbo”, —o período mais repressivo da ditadura militar,
marcado pela suspensão de direitos civis, coerção dos movimentos sociais,
tortura e assassinato de opositores — o general Ernesto Geisel adotou um
processo gradual de distensão das medidas autoritárias, revogando a censura
prévia dos órgãos de comunicação e limitando as ações dos aparelhos
ditatoriais.
O
general também suprimiu o Ato Institucional Nº. 5 (AI-5) e restaurou uma série
de garantias constitucionais. Geisel tentava, dessa forma, encobrir a violência
do regime sob um verniz de legalidade, buscando arrefecer as críticas à
ditadura e aliviar as pressões internas e externas.
Na
prática, o autoritarismo e as atrocidades continuavam ocorrendo. Ao mesmo tempo
em que falava em “abertura política”, o governo Geisel massacrava os
combatentes da Guerrilha do Araguaia, executava os dirigentes do PCB e PCdoB,
cassava mandatos parlamentares, fechava o congresso, cancelava eleições e
assassinava dezenas de opositores.
Ainda
assim, o discurso institucional em favor da restauração das liberdades civis
causou muita preocupação no oficialato. Descontentes com o processo de
distensão, militares da chamada “linha dura”, sob a liderança do general Sylvio
Frota, tentaram aplicar um golpe.
Geisel
conseguiu neutralizar a ação de Frota e o exonerou em 1977. Mesmo relutante, o
sucessor de Geisel, João Figueiredo, deu continuidade ao processo de abertura
política, promulgando a Lei da Anistia e anulando uma série de processos contra
os exilados e opositores do regime militar. Figueiredo também legalizou os
partidos políticos e extinguiu o sistema bipartidário.
• A “direita explosiva”
Receosos
com a perda de poder político e o possível fim das regalias e temendo um
possível revanchismo da oposição em um eventual processo de redemocratização,
os militares da linha dura buscavam justificativas para o recrudescimento do
Estado de exceção e a restauração do aparato repressivo nos moldes dos “Anos de
Chumbo”.
Não
havia, entretanto, nenhuma ameaça efetiva ao regime. A esquerda radical havia
sido completamente desarticulada e os movimentos guerrilheiros foram
exterminados. Os partidos recém-legalizados e novas agremiações de esquerda
agiam estritamente nos limites ordem institucional.
Os
militares passaram então a forjar ameaças que justificassem a suspensão dos
direitos civis e a volta à repressão, orquestrando uma série de atentados e
operações de bandeira falsa no início dos anos oitenta — quase sempre
explosões, invariavelmente atribuídas às organizações de esquerda.
Após
uma série de ataques em janeiro de 1980, registraram-se 25 atentados nos meses
seguintes, a maioria das quais explosões em bancas de jornais que vendiam
periódicos de esquerda ou da imprensa alternativa.
Cartas-bombas
também foram enviadas a políticos e autoridades civis, incluindo-se Antônio
Carlos de Carvalho, vereador do Rio de Janeiro da bancada do PMDB, e Eduardo
Seabra Fagundes, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A
secretária da OAB Lida Monteiro da Silva morreu em um dos atentados e José
Ribamar de Freitas, chefe de gabinete de Carvalho, ficou gravemente ferido.
• O atentado fracassado
O
principal atentado, entretanto, estava planejado para ocorrer no dia 1º de maio
de 1981. Os militares pretendiam detonar bombas no Centro de Convenções
Riocentro, no Rio de Janeiro, que sediava uma série de shows em comemoração ao
Dia do Trabalhador.
Os
militares planejavam posicionar dispositivos próximos ao palco principal do
evento, onde 20.000 pessoas eram esperadas. As explosões no salão lotado
resultariam um número elevado de vítimas. Além das pessoas diretamente
atingidas pelas explosões, o ataque geraria pânico, podendo levar centenas de
pessoas a morrerem pisoteadas.
O
ataque causaria indignação e uma grande comoção nacional, que seria explorada
pelo regime para interromper o processo de reabertura política e justificar
ações de repressão contra a oposição.
Para
incriminar a esquerda, os militares plantaram evidências falsas e picharam
placas de trânsito com as iniciais “VPR” — acrônimo da Vanguarda Popular
Revolucionária, um grupo armado da esquerda extraparlamentar que estava inativo
desde 1973.
Na
noite do dia 30 de abril, o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão
Wilson Dias Machado, ambos agentes do DOI-CODI, dirigiram-se até o Riocentro em
um Puma GTE com placa falsa e estacionaram o carro no pátio do centro de
convenções.
Antes
que pudessem entrar no local para plantar as bombas, entretanto, o dispositivo
foi acidentalmente acionado e detonou dentro do veículo. O sargento Guilherme
morreu na hora e o capitão Wilson ficou gravemente ferido.
Uma
segunda bomba foi detonada junto à casa de força do Riocentro, presumivelmente
com o objetivo de interromper o fornecimento de energia elétrica para
incrementar o pânico e potencializar o número de vítimas.
Duas
bombas não detonadas foram encontradas no interior do veículo. Em 1999, o
coronel da Polícia Militar Ile Marlen revelou que, pouco tempo depois da
explosão, cinco agentes do governo ingressaram no Riocentro para desarmar
outras duas bombas que já tinham sido plantadas no interior do edifício.
O
cantor Gonzaguinha se apresentava no palco no momento da explosão e interrompeu
a performance para comunicar aos trabalhadores que “pessoas contra a democracia
jogaram bombas lá fora para nos amedrontar”.
• As investigações
O
Serviço Nacional de Informações (SNI) — órgão de inteligência da ditadura —
tentou encobrir a culpa dos militares pelo atentado fracassado, atribuindo a
ação à esquerda. A tentativa, entretanto, não encontrou ressonância na opinião
pública.
Testemunhas
declararam ter visto o sargento Guilherme e o capitão Wilson em companhia de
agentes do DOI-CODI e do Centro de Informações do Exército, portando granadas e
examinando mapas.
Um
inquérito policial foi aberto para apurar a responsabilidade pela ação. A
investigação levou à renúncia de Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil
do governo Figueiredo, mas o caso foi arquivado pelos militares sem que ninguém
fosse punido.
Em
1999, Gilda Berer, procuradora da República, conseguiu reabrir o caso e um novo
inquérito policial militar (IPM) foi instaurado, sob a condução do general
Sérgio Conforto.
O IPM
concluiu que o atentado foi arquitetado em conjunto pelo SNI e pelo DOI-CODI e
apontou o envolvimento dos generais Newton Cruz (ex-chefe da Agência Central do
SNI) e Octávio Aguiar de Medeiros (ministro-chefe do SNI). O coronel Freddie
Perdigão, chefe do escritório do SNI no Rio de Janeiro, foi indicado como
mentor da ação.
Em
depoimento, o general Octávio Medeiros afirmou que o presidente Figueiredo e o
general Danilo Venturini, chefe do gabinete militar, haviam sido informados
sobre o plano com um mês de antecedência.
O caso,
entretanto, foi arquivado depois de alguns meses por determinação do Superior
Tribunal Militar, que enquadrou o atentado na Lei da Anistia, mesmo tendo sido
posterior à sua promulgação.
• Comissão Nacional da Verdade
Novas
informações sobre o atentado vieram a público em 2012, quando o coronel Júlio
Miguel Molinas Dias, ex-comandante do DOI-CODI no Rio de Janeiro, foi
assassinado. Durante as investigações, a Polícia Civil encontrou uma grande
quantidade de materiais sobre o ataque ao Riocentro em posse do militar.
Esses
documentos foram repassados para a Comissão Nacional da Verdade (CNV) e
serviram para a confecção de um relatório preliminar sobre o atentado,
publicado em 2014. No relatório, a CNV confirmou que o ataque fazia parte de
uma ação articulada do Estado brasileiro.
Diante
das novas informações, o Ministério Público Federal apresentou nova denúncia
pedindo a prisão de seis pessoas. Os generais Newton Cruz e Nilton Cerqueira, o
delegado Cláudio Antonio Guerra e o coronel Wilson Machado foram acusados de
tentativa de homicídio. Já o general Edson Sá Rocha foi acusado de associação
criminosa e o major Divany Carvalho Barros acusado de fraude processual.
A
denúncia também responsabilizava nove pessoas já falecidas: os generais Octávio
de Medeiros e Job Lorena de Sant’Anna, os coronéis Freddie Perdigão, Ary
Pereira de Carvalho, Alberto Carlos Costa Fortunato, Luiz Helvecio da Silveira
Leite, o tenente-coronel Júlio Miguel Molinas Dias, o sargento Guilherme
Pereira do Rosário e o marceneiro Hilário José Corrales.
A ação,
entretanto, não foi adiante. O Tribunal Federal da 2ª Região ordenou o
arquivamento da denúncia, sob o argumento de que os crimes já estavam
prescritos. O arquivamento foi contestado pelo Ministério Público, mas foi
mantido por decisão do Superior Tribunal de Justiça. Um novo recurso remetido
pelo MPF ao Supremo Tribunal Federal também foi rejeitado pelo ministro Marco
Aurélio Mello.
Fonte:
Por Estevam Silva, em Opera Mundi

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