Huri
Paz: Sem orçamento público? Que taxem as grandes fortunas!
“Que
comam brioches!” — a expressão, atribuída (ainda que controversamente) a Maria Antonieta e parafraseada
no título deste artigo, serve para ilustrar o abismo que separa o 1% mais rico
dos 99% que ainda pedem pão. No Brasil de 2025, o drama não é diferente: a
maior parte do dinheiro público é capturada antes mesmo de chegar às políticas sociais.
Quase
R$ 2,5 trilhões — 44 % do Orçamento proposto para 2025 — serão gastos apenas
com juros e amortizações da dívida, de acordo com a Auditoria Cidadã da
Dívida.
É mais do que toda a verba destinada à saúde, educação e assistência somadas.
Enquanto
isso, emendas parlamentares autorizadas
para 2024 somaram R$ 44,7 bilhões e já respondem por 20% de todo o gasto
discricionário do Executivo. Na prática, quase metade das transferências federais é
definida por deputados e senadores, pulverizando recursos em projetos de
retorno eleitoral curto e de impacto nacional duvidoso.
E não
para por aí. Enquanto a população amarga orçamentos minguados para políticas
que realmente podem romper estruturas de desigualdades, milionários continuam
sendo salvos com dinheiro público. O caso mais recente envolve o Banco Master: depois de emitir R$
50 bilhões em CDBs [Certificado de Depósito Bancário, um título de renda fixa]
de alto risco, o banco foi intimado pelo Banco Central a aportar R$ 2 bilhões
ou seria liquidado. Em vez de quebrar, está em análise pelo BC a compra pelo
Banco de Brasília (BRB) — uma instituição estatal cujo patrimônio líquido não
passa de R$ 3,7 bilhões.
Se o
negócio for adiante, metade dos CDBs “podres” pode acabar nas costas do Fundo
Garantidor de Créditos (FGC), abastecido pelo conjunto do sistema bancário e,
em última instância, pelos correntistas. O Master já enfrentava
advertências do BC por operar, nas palavras de um ex-dirigente da autoridade
monetária, “como uma pirâmide financeira elegante”. Ainda assim, ostentava um
lucro contábil de R$ 1 bilhão, alimentado por reavaliações de precatórios e ativos
de empresas em situação falimentar.
Moral
da história: enquanto 400 mil estudantes recebem apoios de Assistência
Estudantil para permanecerem e concluírem o ensino superior em universidades
públicas (o Programa Nacional de Assistência
Estudantil – PNAES,
tem um orçamento em 2025 de cerca de R$1 bilhão), um único resgate bancário de
R$ 2 bi — valor idêntico ao aporte exigido pelo BC — é articulado para evitar
que um banqueiro dono de mansão de R$ 280 milhões em Trancoso, sul da Bahia, e
de um jatinho de R$ 80 milhões viva o “pesadelo” de responder por suas apostas,
no limite, fraudulentas.
Resumidamente,
entramos aqui no terreno da ética e da moral: se atingirmos um orçamento de
mais de R$1 bilhão de reais para garantir a permanência de estudantes pobres em
universidades públicas de todo o território nacional exige árduas lutas de
movimentos sociais, estudantis e políticos, porque parece ser tão “fácil” que
R$ 2 bilhões sejam articulados nos bastidores do poder para salvar banqueiros
que desrespeitaram as regras do jogo e que, no limite, colocam o contribuinte
do DF para pagar a conta?
Diante
desse quadro, em que o orçamento público está restrito e, além disso,
o Estado dispõe de seus recursos para salvar a “mão invisível do mercado”,
alguns defendem o receituário de sempre: cortar investimentos sociais e aumentar
tributos sobre consumo — rota que eleva preços, sufoca salários e mantém
rentistas satisfeitos.
O
historiador Rodrigo Goyena Soares lembra que, da
abolição da escravidão ao impeachment de Dilma Rousseff, a disputa orçamentária
foi o fio que costurou nossos conflitos políticos. A pergunta, portanto,
permanece a mesma: de onde deve sair o dinheiro — e para quem ele deve
ir?
A
herança do privilégio
Uma
resposta a esta equação raramente ganha espaço no debate público: taxar grandes fortunas e heranças. No livro Herança, desigualdade e tributação, o advogado da União
Arthur Cristóvão Prado recorda que o dinheiro, diferente de bens perecíveis,
“permite que grandes fortunas sejam obtidas sem violar a cláusula que limitaria
pequenas concentrações; por meio dele, torna-se possível que um só indivíduo
detenha muito mais bens do que seria capaz de trabalhar ou usar pessoalmente”.
Mais adiante, Prado recupera John Locke para mostrar porque esse acúmulo não é
um “direito natural”: o dinheiro existe “apenas no plano do direito civil”,
cabe à lei pôr limites às concentrações excessivas, “resolvendo um problema
que, na ausência do dinheiro, não surgiria”.
Os
números brasileiros confirmam a urgência. O imposto estadual sobre heranças
(ITCMD) arrecadou
apenas 0,12 % do PIB em 2019, mesmo com alíquota máxima de 8%. Na França, por
exemplo, isso chega a 0,62% do PIB anual.
Por que
tributar fortunas?
- Equidade fiscal. Hoje a
carga recai sobretudo sobre consumo e folha de salários. Tributar
patrimônio corrige a regressividade do sistema.
- Financiamento
social. Uma
alíquota federal progressiva sobre heranças e grandes fortunas, a exemplo
do ITCMD, poderia gerar dezenas de bilhões de reais anuais — verba que
compensaria o sequestro do Orçamento pela dívida pública.
- Dinâmica
econômica. Estudos
internacionais mostram que impostos sobre herança estimulam a circulação
de capital, aumentando produtividade e reduzindo barreiras à mobilidade
social. E o mundo já se deu conta disso: diante da farra dos paraísos
fiscais, que abrigam trilhões em patrimônio de quem se recusa a dividir a
sobremesa, surgem as primeiras tentativas de contenção global. Em 2021,
mais de 130 países acordaram no âmbito da OCDE um imposto mínimo global
sobre lucros de grandes corporações — um embrião do que poderia ser feito
também com fortunas pessoais. Economistas como Gabriel Zucman e Thomas
Piketty propõem ir além, com uma taxação progressiva internacional sobre
grandes patrimônios, para impedir que os super-ricos façam turismo fiscal
entre Mônaco, Cayman e outros redutos da desigualdade. A lógica é simples:
se o dinheiro corre para onde não é tributado, cabe aos países
desenvolvidos tapar os ralos. Ou seguimos fingindo que o problema é o
preço do pão, quando o que escapa por baixo da mesa são os brioches suíços
e os fundos em Luxemburgo.
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O que fazer agora
- Regulamentar o
Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) previsto no art. 153 da
Constituição e criar faixas progressivas para heranças acima de, digamos,
R$ 5 milhões. Nos EUA, a taxação começa a partir desta faixa.
- Unificar e
nacionalizar a base do ITCMD, reduzindo guerra fiscal entre estados
e elevando o teto de isenção apenas para faixas de renda média.
- Vincular parte
da arrecadação a
programas de redução de desigualdades — bolsas de permanência
universitária, Bolsa Família, políticas de igualdade racial — blindando-as
do contingenciamento político.
Sem
romper o pacto tácito que protege grandes fortunas — e agora bancos “grandes
demais para falir” — qualquer debate sobre déficit ou número de
ministérios continuará sendo conversa de salão. Para quem se contenta com
brioches, isso talvez pareça irrelevante; para o Brasil real, é hora de dividir
o pão e fechar a cozinha onde se assam resgates bilionários para meninos
mimados que não conhecem os limites da lei.
¨
Recuperações judiciais devem subir em 2025, com tarifaço,
juros altos e freio na economia; entenda
As
incertezas com as tarifas impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, juntamente com os juros elevados e os sinais de
desaceleração econômica do país, podem prejudicar as empresas brasileiras
neste ano, apontam especialistas.
A
expectativa é que esse cenário deve piorar o acesso ao
crédito e
aumentar o número de recuperações judiciais, extrajudiciais e de reestruturação
no setor privado.
A desaceleração econômica já era
dada como fato pelo
governo brasileiro e pelo mercado financeiro, mas especialistas alertam que o
cenário internacional está repleto de incertezas.
O auge
foi o anúncio do tarifaço de Trump no
início de abril,
que gerou preocupações com a economia dos EUA e com as consequências de um
possível aumento da inflação. Com mais tarifas, os preços de insumos e produtos
podem subir para os consumidores americanos.
A
inflação mais alta pode levar o Federal Reserve (Fed, o banco central dos
EUA) a aumentar novamente os juros, desacelerando a maior economia do mundo
mais do que o previsto.
- ➡️Aumentar os
juros é a estratégia usada pelos bancos centrais para controlar a
inflação, encarecendo os empréstimos e desestimulando tanto o consumo
das famílias quanto o investimento das empresas.
Em
geral, juros mais altos nos EUA costumam atrair o capital de investidores para
o país e fortalecer o dólar. Para o Brasil, isso se traduz em um real mais
fraco e uma inflação mais alta, levando o Banco Central a também aumentar os
juros.
Mas até esse antigo conceito da economia
tem sido contestado,
já que a imprevisibilidade da agenda de Trump é tamanha que
investidores chegaram a desconfiar dos EUA como porto seguro para seus
investimentos. Tanto que o dólar já acumula uma desvalorização de mais de
8% em relação ao real desde o começo do ano.
Mas
mesmo com o dólar desvalorizado, a incerteza não dá segurança ao BC brasileiro
para voltar a baixar os juros. Os especialistas consultados pelo g1 dizem que o ambiente de taxas elevadas tem
aumentado o custo do financiamento e já prejudica a saúde das empresas
brasileiras desde o ano passado.
“Ainda
existem muitas companhias que precisam de capital, mas não conseguem captar com
os juros atuais ou sabem que, ao se endividarem agora, dificilmente conseguirão
pagar lá na frente”, afirma Osana Mendonça, sócia de recuperação judicial da
KPMG.
Os
últimos dados da RGF Consultoria, por exemplo, apontam que pelo menos 4.568
empresas estavam em recuperação judicial no último trimestre de 2024, um
aumento de 12,9% em comparação ao mesmo período do ano anterior.
“Em
2025, vemos uma situação econômica ainda mais difícil, com uma série de
influências externas também começando a pesar”, diz Rodrigo Gallegos, sócio
especialista em reestruturação da consultoria, citando a guerra da Rússia contra a Ucrânia e o tarifaço de
Trump.
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Os mais afetados
Para os
especialistas, o agronegócio foi e ainda tende a ser um dos setores
mais impactados — parte por causa dos fenômenos climáticos recentes e parte
devido ao cenário macroeconômico.
“Os
problemas do agronegócio ficaram mais evidentes em 2025, com várias empresas do
setor e alguns produtores rurais pedindo recuperação judicial ou até
extrajudicial”, diz Mendonça, da KPMG.
Ela
explica que, apesar dos estímulos cedidos pelo governo ao setor nos últimos
anos, grande parte dos casos no segmento ocorreram devido à falta de uma boa
gestão de caixa.
Normalmente,
os produtores que necessitam de dinheiro antes da produção também precisam
organizar o orçamento para esperar a época de colheita. O dinheiro pode fazer
falta nesse período, especialmente para as safras mais
demoradas.
“Além
da taxa de juros muito alta, o mercado sofre os efeitos da guerra na Ucrânia,
que prejudicou muito o valor dos insumos e fertilizantes que o setor precisa.
Tudo isso tem impacto”, afirma a sócia da KPMG.
A
oscilação nos preços das commodities no exterior também diminuiu os retornos do
agronegócio. Mas setores como o varejo, o setor de energia e até mesmo os
clubes de futebol foram afetados pelo cenário mais difícil no comércio
exterior, explicam os especialistas.
No
último ano, por exemplo, empresas como Bombril, Gol Linhas Aéreas, Casa do Pão
de Queijo, Supermercado Dia e Casas Bahia, por exemplo, estão entre aquelas que
pediram recuperação no último ano, bem como clubes de futebol como o Cruzeiro,
o Coritiba, o Chapecoense e o Botafogo.
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O que esperar à frente?
Com
tudo isso em conta, os especialistas esperam um aumento no número de pedidos de
recuperação e reestruturação neste ano, explicadas pelas incertezas
internacionais e pelo ambiente macroeconômico.
Mas há
outro fator que contribui para esse movimento: muitas companhias veem esses
processos como uma alternativa para tratar suas dívidas, o que também
contribui para o aumento de pedidos, especialmente de reestruturação e
recuperação extrajudicial.
- ➡️A recuperação
extrajudicial é feita diretamente com os credores da empresa, sem a
supervisão do Poder Judiciário e apresentação de um plano de recuperação
aprovado pelos credores e homologado por um juiz, como acontece na
recuperação judicial.
Como o
processo pode ser concluído de forma mais rápida e com menos burocracia, a
reestruturação da dívida fica muito mais ágil.
De
acordo com Juliana Biolchi, diretora-geral da Biolchi, escritório especializado
em recuperação extrajudicial, muitas empresas optam pela recuperação
extrajudicial porque é possível resolver partes específicas da dívida.
“Em
muitos casos, tratar apenas parte do passivo já resolveria grande parte dos
problemas. Às vezes, o que não cabe no caixa é a parte dos bancos ou dos
fornecedores, por exemplo, e não é preciso tratar toda a dívida para obter
algum resultado”, diz.
Além
disso, esses processos também têm sido uma saída para empresas que buscam
fusões e aquisições. Segundo a executiva, isso só é possível porque, em muitos
casos, as empresas que usam essas ferramentas acabam saindo desse processo
melhor do que entraram.
“Temos
visto que o empresário brasileiro está mais aberto a se desfazer de um ativo
porque necessita de liquidez, ou até aceitar um novo sócio ou investidor
temporário que vai trazer um dinheiro mais barato”, afirma Mendonça, da KPMG.
“Então,
cada vez mais devemos ver o amadurecimento de operações mais estruturadas no
Brasil, trazendo não apenas fusões e aquisições, mas também joint ventures e
investidores preparados para solucionar esses problemas”, completa.
Fonte: Brasil
de Fato/g1

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