terça-feira, 20 de maio de 2025

Huri Paz: Sem orçamento público? Que taxem as grandes fortunas!

“Que comam brioches!” — a expressão, atribuída (ainda que controversamente) a Maria Antonieta e parafraseada no título deste artigo, serve para ilustrar o abismo que separa o 1% mais rico dos 99% que ainda pedem pão. No Brasil de 2025, o drama não é diferente: a maior parte do dinheiro público é capturada antes mesmo de chegar às políticas sociais.

Quase R$ 2,5 trilhões — 44 % do Orçamento proposto para 2025 — serão gastos apenas com juros e amortizações da dívida, de acordo com a Auditoria Cidadã da Dívida. É mais do que toda a verba destinada à saúde, educação e assistência somadas.

Enquanto isso, emendas parlamentares autorizadas para 2024 somaram R$ 44,7 bilhões e já respondem por 20% de todo o gasto discricionário do Executivo. Na prática, quase metade das transferências federais é definida por deputados e senadores, pulverizando recursos em projetos de retorno eleitoral curto e de impacto nacional duvidoso.

E não para por aí. Enquanto a população amarga orçamentos minguados para políticas que realmente podem romper estruturas de desigualdades, milionários continuam sendo salvos com dinheiro público. O caso mais recente envolve o Banco Master: depois de emitir R$ 50 bilhões em CDBs [Certificado de Depósito Bancário, um título de renda fixa] de alto risco, o banco foi intimado pelo Banco Central a aportar R$ 2 bilhões ou seria liquidado. Em vez de quebrar, está em análise pelo BC a compra pelo Banco de Brasília (BRB) — uma instituição estatal cujo patrimônio líquido não passa de R$ 3,7 bilhões.

Se o negócio for adiante, metade dos CDBs “podres” pode acabar nas costas do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), abastecido pelo conjunto do sistema bancário e, em última instância, pelos correntistas. O Master já enfrentava advertências do BC por operar, nas palavras de um ex-dirigente da autoridade monetária, “como uma pirâmide financeira elegante”. Ainda assim, ostentava um lucro contábil de R$ 1 bilhão, alimentado por reavaliações de precatórios e ativos de empresas em situação falimentar.

Moral da história: enquanto 400 mil estudantes recebem apoios de Assistência Estudantil para permanecerem e concluírem o ensino superior em universidades públicas (o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES, tem um orçamento em 2025 de cerca de R$1 bilhão), um único resgate bancário de R$ 2 bi — valor idêntico ao aporte exigido pelo BC — é articulado para evitar que um banqueiro dono de mansão de R$ 280 milhões em Trancoso, sul da Bahia, e de um jatinho de R$ 80 milhões viva o “pesadelo” de responder por suas apostas, no limite, fraudulentas.

Resumidamente, entramos aqui no terreno da ética e da moral: se atingirmos um orçamento de mais de R$1 bilhão de reais para garantir a permanência de estudantes pobres em universidades públicas de todo o território nacional exige árduas lutas de movimentos sociais, estudantis e políticos, porque parece ser tão “fácil” que R$ 2 bilhões sejam articulados nos bastidores do poder para salvar banqueiros que desrespeitaram as regras do jogo e que, no limite, colocam o contribuinte do DF para pagar a conta?

Diante desse quadro, em que o orçamento público está restrito e, além disso, o Estado dispõe de seus recursos para salvar a “mão invisível do mercado”, alguns defendem o receituário de sempre: cortar investimentos sociais e aumentar tributos sobre consumo — rota que eleva preços, sufoca salários e mantém rentistas satisfeitos.

O historiador Rodrigo Goyena Soares lembra que, da abolição da escravidão ao impeachment de Dilma Rousseff, a disputa orçamentária foi o fio que costurou nossos conflitos políticos. A pergunta, portanto, permanece a mesma: de onde deve sair o dinheiro — e para quem ele deve ir?

A herança do privilégio

Uma resposta a esta equação raramente ganha espaço no debate público: taxar grandes fortunas e heranças. No livro Herança, desigualdade e tributação, o advogado da União Arthur Cristóvão Prado recorda que o dinheiro, diferente de bens perecíveis, “permite que grandes fortunas sejam obtidas sem violar a cláusula que limitaria pequenas concentrações; por meio dele, torna-se possível que um só indivíduo detenha muito mais bens do que seria capaz de trabalhar ou usar pessoalmente”. Mais adiante, Prado recupera John Locke para mostrar porque esse acúmulo não é um “direito natural”: o dinheiro existe “apenas no plano do direito civil”, cabe à lei pôr limites às concentrações excessivas, “resolvendo um problema que, na ausência do dinheiro, não surgiria”.

Os números brasileiros confirmam a urgência. O imposto estadual sobre heranças (ITCMD) arrecadou apenas 0,12 % do PIB em 2019, mesmo com alíquota máxima de 8%. Na França, por exemplo, isso chega a 0,62% do PIB anual.

Por que tributar fortunas?

  1. Equidade fiscal. Hoje a carga recai sobretudo sobre consumo e folha de salários. Tributar patrimônio corrige a regressividade do sistema.
  2. Financiamento social. Uma alíquota federal progressiva sobre heranças e grandes fortunas, a exemplo do ITCMD, poderia gerar dezenas de bilhões de reais anuais — verba que compensaria o sequestro do Orçamento pela dívida pública.
  3. Dinâmica econômica. Estudos internacionais mostram que impostos sobre herança estimulam a circulação de capital, aumentando produtividade e reduzindo barreiras à mobilidade social. E o mundo já se deu conta disso: diante da farra dos paraísos fiscais, que abrigam trilhões em patrimônio de quem se recusa a dividir a sobremesa, surgem as primeiras tentativas de contenção global. Em 2021, mais de 130 países acordaram no âmbito da OCDE um imposto mínimo global sobre lucros de grandes corporações — um embrião do que poderia ser feito também com fortunas pessoais. Economistas como Gabriel Zucman e Thomas Piketty propõem ir além, com uma taxação progressiva internacional sobre grandes patrimônios, para impedir que os super-ricos façam turismo fiscal entre Mônaco, Cayman e outros redutos da desigualdade. A lógica é simples: se o dinheiro corre para onde não é tributado, cabe aos países desenvolvidos tapar os ralos. Ou seguimos fingindo que o problema é o preço do pão, quando o que escapa por baixo da mesa são os brioches suíços e os fundos em Luxemburgo.

>>>> O que fazer agora

  • Regulamentar o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) previsto no art. 153 da Constituição e criar faixas progressivas para heranças acima de, digamos, R$ 5 milhões. Nos EUA, a taxação começa a partir desta faixa.
  • Unificar e nacionalizar a base do ITCMD, reduzindo guerra fiscal entre estados e elevando o teto de isenção apenas para faixas de renda média.
  • Vincular parte da arrecadação a programas de redução de desigualdades — bolsas de permanência universitária, Bolsa Família, políticas de igualdade racial — blindando-as do contingenciamento político.

Sem romper o pacto tácito que protege grandes fortunas — e agora bancos “grandes demais para falir” — qualquer debate sobre déficit ou número de ministérios continuará sendo conversa de salão. Para quem se contenta com brioches, isso talvez pareça irrelevante; para o Brasil real, é hora de dividir o pão e fechar a cozinha onde se assam resgates bilionários para meninos mimados que não conhecem os limites da lei.

¨      Recuperações judiciais devem subir em 2025, com tarifaço, juros altos e freio na economia; entenda

As incertezas com as tarifas impostas pelo presidente dos Estados UnidosDonald Trump, juntamente com os juros elevados e os sinais de desaceleração econômica do país, podem prejudicar as empresas brasileiras neste ano, apontam especialistas.

A expectativa é que esse cenário deve piorar o acesso ao crédito e aumentar o número de recuperações judiciais, extrajudiciais e de reestruturação no setor privado.

A desaceleração econômica já era dada como fato pelo governo brasileiro e pelo mercado financeiro, mas especialistas alertam que o cenário internacional está repleto de incertezas.

O auge foi o anúncio do tarifaço de Trump no início de abril, que gerou preocupações com a economia dos EUA e com as consequências de um possível aumento da inflação. Com mais tarifas, os preços de insumos e produtos podem subir para os consumidores americanos.

A inflação mais alta pode levar o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) a aumentar novamente os juros, desacelerando a maior economia do mundo mais do que o previsto.

  • ➡️Aumentar os juros é a estratégia usada pelos bancos centrais para controlar a inflação, encarecendo os empréstimos e desestimulando tanto o consumo das famílias quanto o investimento das empresas.

Em geral, juros mais altos nos EUA costumam atrair o capital de investidores para o país e fortalecer o dólar. Para o Brasil, isso se traduz em um real mais fraco e uma inflação mais alta, levando o Banco Central a também aumentar os juros.

Mas até esse antigo conceito da economia tem sido contestado, já que a imprevisibilidade da agenda de Trump é tamanha que investidores chegaram a desconfiar dos EUA como porto seguro para seus investimentos. Tanto que o dólar já acumula uma desvalorização de mais de 8% em relação ao real desde o começo do ano.

Mas mesmo com o dólar desvalorizado, a incerteza não dá segurança ao BC brasileiro para voltar a baixar os juros. Os especialistas consultados pelo g1 dizem que o ambiente de taxas elevadas tem aumentado o custo do financiamento e já prejudica a saúde das empresas brasileiras desde o ano passado.

“Ainda existem muitas companhias que precisam de capital, mas não conseguem captar com os juros atuais ou sabem que, ao se endividarem agora, dificilmente conseguirão pagar lá na frente”, afirma Osana Mendonça, sócia de recuperação judicial da KPMG.

Os últimos dados da RGF Consultoria, por exemplo, apontam que pelo menos 4.568 empresas estavam em recuperação judicial no último trimestre de 2024, um aumento de 12,9% em comparação ao mesmo período do ano anterior.

“Em 2025, vemos uma situação econômica ainda mais difícil, com uma série de influências externas também começando a pesar”, diz Rodrigo Gallegos, sócio especialista em reestruturação da consultoria, citando a guerra da Rússia contra a Ucrânia e o tarifaço de Trump.

<><> Os mais afetados

Para os especialistas, o agronegócio foi e ainda tende a ser um dos setores mais impactados — parte por causa dos fenômenos climáticos recentes e parte devido ao cenário macroeconômico.

“Os problemas do agronegócio ficaram mais evidentes em 2025, com várias empresas do setor e alguns produtores rurais pedindo recuperação judicial ou até extrajudicial”, diz Mendonça, da KPMG.

Ela explica que, apesar dos estímulos cedidos pelo governo ao setor nos últimos anos, grande parte dos casos no segmento ocorreram devido à falta de uma boa gestão de caixa.

Normalmente, os produtores que necessitam de dinheiro antes da produção também precisam organizar o orçamento para esperar a época de colheita. O dinheiro pode fazer falta nesse período, especialmente para as safras mais demoradas.

“Além da taxa de juros muito alta, o mercado sofre os efeitos da guerra na Ucrânia, que prejudicou muito o valor dos insumos e fertilizantes que o setor precisa. Tudo isso tem impacto”, afirma a sócia da KPMG.

A oscilação nos preços das commodities no exterior também diminuiu os retornos do agronegócio. Mas setores como o varejo, o setor de energia e até mesmo os clubes de futebol foram afetados pelo cenário mais difícil no comércio exterior, explicam os especialistas.

No último ano, por exemplo, empresas como Bombril, Gol Linhas Aéreas, Casa do Pão de Queijo, Supermercado Dia e Casas Bahia, por exemplo, estão entre aquelas que pediram recuperação no último ano, bem como clubes de futebol como o Cruzeiro, o Coritiba, o Chapecoense e o Botafogo.

<><> O que esperar à frente?

Com tudo isso em conta, os especialistas esperam um aumento no número de pedidos de recuperação e reestruturação neste ano, explicadas pelas incertezas internacionais e pelo ambiente macroeconômico.

Mas há outro fator que contribui para esse movimento: muitas companhias veem esses processos como uma alternativa para tratar suas dívidas, o que também contribui para o aumento de pedidos, especialmente de reestruturação e recuperação extrajudicial.

  • ➡️A recuperação extrajudicial é feita diretamente com os credores da empresa, sem a supervisão do Poder Judiciário e apresentação de um plano de recuperação aprovado pelos credores e homologado por um juiz, como acontece na recuperação judicial.

Como o processo pode ser concluído de forma mais rápida e com menos burocracia, a reestruturação da dívida fica muito mais ágil.

De acordo com Juliana Biolchi, diretora-geral da Biolchi, escritório especializado em recuperação extrajudicial, muitas empresas optam pela recuperação extrajudicial porque é possível resolver partes específicas da dívida.

“Em muitos casos, tratar apenas parte do passivo já resolveria grande parte dos problemas. Às vezes, o que não cabe no caixa é a parte dos bancos ou dos fornecedores, por exemplo, e não é preciso tratar toda a dívida para obter algum resultado”, diz.

Além disso, esses processos também têm sido uma saída para empresas que buscam fusões e aquisições. Segundo a executiva, isso só é possível porque, em muitos casos, as empresas que usam essas ferramentas acabam saindo desse processo melhor do que entraram.

“Temos visto que o empresário brasileiro está mais aberto a se desfazer de um ativo porque necessita de liquidez, ou até aceitar um novo sócio ou investidor temporário que vai trazer um dinheiro mais barato”, afirma Mendonça, da KPMG.

“Então, cada vez mais devemos ver o amadurecimento de operações mais estruturadas no Brasil, trazendo não apenas fusões e aquisições, mas também joint ventures e investidores preparados para solucionar esses problemas”, completa.

 

Fonte: Brasil de Fato/g1

 

Nenhum comentário: