Que
recados visita de Lula à China manda em meio a disputa com EUA?
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a Pequim, capital da China, no
domingo (11/5) para a sua segunda visita oficial ao país desde que assumiu seu
terceiro mandato.
Ele
fará uma visita de Estado ao presidente chinês, Xi Jinping, e participará, como
convidado de honra, da cúpula China-Comunidade dos Estados Latino-americanos e
Caribenhos (Celac). Lula chega a Pequim após fazer uma viagem oficial à Rússia,
comandada por Vladimir Putin, na semana passada.
A
visita à China acontece em meio a um cenário de tensão internacional entre as
duas maiores economias do mundo (Estados Unidos e China) e que tem respingado
no Brasil.
Desde
que assumiu seu segundo mandato, o presidente norte-americano, Donald Trump,
fez ameaças e anunciou medidas que causaram reações negativas em diversas
partes do mundo.
A
principal delas foi a aplicação de tarifas sobre a importação de produtos de
diversos países, entre eles da China e do Brasil. Trump impôs tarifas de até
140% sobre produtos chineses.
A
China, por sua vez, reagiu e também anunciou tarifas sobre produtos
norte-americanos, ampliando a tensão entre os dois países. O tiroteio tarifário
derrubou as expectativas de crescimento econômico em mercados do mundo inteiro.
O
Brasil também foi afetado e atingido por tarifas de 10% para a maioria dos seus
produtos.
No
plano diplomático, Trump tem feito acenos contra o multilateralismo e chegou a
dizer acreditar que, "talvez", os países da América Latina teriam que
escolher entre a China e os Estados Unidos.
Oficialmente,
a diplomacia brasileira afirma que a visita de Lula à China não seria uma
resposta ao suposto esfriamento das relações com os Estados Unidos ou mesmo uma
forma de organizar uma resposta ao "tarifaço" imposto pelos
norte-americanos.
"O
Brasil preza sua relação com os Estados Unidos e não faz da sua relação com a
China algo que se contraponha ao interesse em manter ótimas relações, que
aliás, mantemos, com os Estados Unidos", disse o secretário de Ásia e
Pacífico do Ministério das Relações Exteriores (MRE), Eduardo Saboia, durante
entrevista na semana passada.
Mas em
meio a esse contexto conturbado, analistas e diplomatas ouvidos pela BBC News
Brasil apontam que a viagem de Lula à China tenta enviar, sim, alguns sinais à
comunidade internacional.
Entre
os recados estariam a indicação de que o país segue apostando no
multilateralismo como forma de se engajar no mundo e de que poderia contar com
parceiros de peso, como a China, caso os Estados Unidos sigam com uma política
externa de isolamento internacional.
·
Parcerias acionáveis
A
visita de Lula à China é a sinalização para a comunidade internacional de que
tanto o Brasil quanto a China têm alternativas em um contexto em que os Estados
Unidos se mostram mais isolacionistas.
Essa é
a avaliação do coordenador do Centro de Altos Estudos da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e ex-pesquisador visitante da Universidade
Fudan (na China), Pablo Ibanez, e do professor de Relações Internacionais da
Universidade de Brasília e pesquisador do Centro de Estudos Globais, Antônio
Carlos Lessa.
"Essa
viagem é uma demonstração clara de que o Brasil tem alternativas (de parceria)
e de que elas estão sendo densamente construídas ao longo dos anos", diz
Ibanez à BBC News Brasil.
"Essa
relação (entre Brasil e China) até pode trazer problemas no curto prazo,
especialmente em se tratando de tarifas (norte-americanas), mas mostra que o
Brasil vem se preparando e criando alternativas a qualquer movimento
(internacional) que possa vir a trazer prejuízos ao Brasil", completa o
professor, em menção às tarifas impostas pelos Estados Unidos a produtos
brasileiros.
Nos
bastidores da diplomacia brasileira, a ideia de que o Brasil possa ter
alternativas diplomáticas em momentos de turbulência é vista como um
imperativo. A interpretação é de que as relações com os Estados Unidos estão
frias. Lula e Trump ainda não se falaram desde que o norte-americano tomou
posse, em janeiro deste ano.
A
primeira missão de enviados do Departamento de Estado Norte Americano
(equivalente ao Ministério de Relações Exteriores) ao Brasil chegou ao Brasil
na semana passada, quase quatro meses após a posse de Trump.
Apesar
de manterem encontros com técnicos do governo, um representante da missão
enviada pelo governo Trump também se reuniu com o ex-presidente Jair Bolsonaro
(PL), principal adversário político de Lula.
Um
diplomata ouvido pela BBC News Brasil na condição de anonimato afirmou que um
dos objetivos da viagem de Lula é apontar que o país não ficaria isolado caso
os Estados Unidos mantenham o que ele interpreta como uma política externa mais
isolacionista.
Lessa
aponta, por sua vez, que tanto da perspectiva brasileira quanto da chinesa, a
visita de Lula a Xi Jinping mostra a facilidade com que os dois países podem
acionar sua rede de aliados.
"Essa
visita reforça essa ideia de que esta é uma parceria acionável e que,
eventualmente, possa ser um modelo a ser reproduzido com outros grandes
parceiros", diz Lessa.
Lessa afirma
ainda que, na perspectiva chinesa, a visita de Lula a Pequim e o tratamento
dado a ele durante sua estadia servem como uma espécie de propaganda para
outros países, especialmente na América Latina, sobre a imagem de parceiro que
a China quer projetar para o mundo em meio à disputa com os Estados Unidos.
"A
China passa a ideia de disponibilidade. É como se estivessem dizendo: 'Somos um
parceiro estável, crível, que não quebramos regras e acordos e que estamos do
lado dos nossos parceiros", diz Lessa.
·
Aposta no multilateralismo
Sob os
holofotes, Lula vem tentando manter uma imagem de neutralidade e defendendo o
fim das tensões internacionais, especialmente entre a China e os Estados
Unidos. Ao mesmo tempo, ele vem afirmando que o Brasil seguirá apostando no
multilateralismo como forma de engajamento internacional. Essa defesa vai na
contramão da política externa adotada pelo presidente Donald Trump.
"Fiz
questão de vir aqui para dizer que o Brasil está defendendo o fortalecimento do
multilateralismo. Não é possível que a gente não tenha aprendido uma lição com
a importância do que foi o multilateralismo depois da Segunda Guerra Mundial
[...] Discuti isso com o presidente Putin e vou discutir com com o presidente
Xi Jinping", disse Lula em entrevista coletiva no sábado (10/5), pouco
antes de embarcar para a China.
O
multilateralismo é uma corrente de pensamento nas relações internacionais que
defende a resolução de problemas a partir da cooperação entre os países por
meio da criação do estabelecimento de regras comuns a serem seguidas por todas
as nações, independentemente do seu poderio econômico ou militar.
O
engajamento em organismos multilaterais vem sendo, historicamente, adotado pelo
Brasil como uma forma de ampliar projeção no cenário internacional. Teóricos
das Relações Internacionais apontam que esta é uma das alternativas a serem
usadas por países com o perfil parecido com o do Brasil.
Tanto
em seu primeiro mandato como em seu segundo mandato, Donald Trump tem feito
severas críticas ao multilateralismo.
Na
Europa, ele vem defendendo que os Estados Unidos não deverão atuar tão
fortemente na defesa do continente como governos anteriores democratas.
Neste
ano, ele anunciou, novamente, a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris,
firmado internacionalmente para evitar o agravamento das mudanças climáticas.
A
medida esvazia, em parte, uma das principais agendas internacionais do Brasil,
que é a pauta ambiental, especialmente no ano que o Brasil sediará a Cúpula das
Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP 30, que será realizada em
Belém, em novembro.
Oficialmente,
o Itamaraty seguiu a mesma linha do presidente e disse que a viagem de Lula à
China pode ser interpretada como um apelo ao chamado multilateralismo.
Na
semana passada, o diplomata Eduardo Saboia disse que a aposta do Brasil no
multilateralismo não se resumia à visita à China. Ele citou, como exemplo, as
visitas que Lula fez ao Japão e ao Vietnã, em abril deste ano.
"É
preciso preservar o sistema multilateral internacional [...] (A aposta do
Brasil) é a favor, não é contra ninguém. Ao contrário, é um esforço para
valorizar isto que é um ativo, um patrimônio comum dos países e que é
indispensável", afirmou.
Para o
professor Pablo Ibanez, a viagem de Lula à China é um claro aceno ao
multilateralismo.
"Existe
uma prioridade de agenda internacional do Sul Global, do multilateralismo e da
negociação das questões pacíficas nessa visita [...] e a China é um grande
parceiro brasileiro", diz Ibanez.
Nos
últimos meses, China e Brasil deram respostas relativamente alinhadas em
relação ao tarifaço de Trump ao citarem a possibilidade de recorrerem à
Organização Mundial do Comércio (OMC) para arbitrar o assunto.
A
entidade, uma das principais apostas da diplomacia brasileira nos anos 1990 e
2000, vem sendo tratada com ceticismo por seguidas administrações
norte-americanas.
Em
comunicado oficial, o governo brasileiro disse em abril que não descartaria
acionar a organização para analisar as tarifas impostas pelo governo
norte-americano. Até o momento, porém, nenhuma ação foi movida pelo Brasil.
Os
chineses, por outro lado, já moveram uma ação contra os Estados Unidos junto à
entidade.
Outra
demonstração de alinhamento entre China e Brasil em relação ao multilateralismo
é a tentativa de fortalecer os Brics, grupo de países fundado por Brasil,
China, Rússia, Índia e África do Sul e que hoje reúne onze países. Neste ano, a
cúpula do grupo será realizada no Brasil, em julho.
·
Diversificação das exportações
Um
outro ponto destacado pelos especialistas é de que um dos sinais enviados pelo
Brasil nesta viagem é o de que o país quer diversificar sua pauta de
exportações à China, atualmente fortemente calcada em commodities agrícolas e
minerais.
Em
2024, segundo dados do governo federal, o Brasil exportou R$ 94 bilhões à
China, mas 75% desse total foi composto de apenas três produtos: soja (33%),
minério de ferro (21%) e petróleo (21%).
Por
outro lado, a boa parte dos US$ 63 bilhões em produtos que a China vendeu ao
Brasil são compostos por produtos com alta tecnologia embarcada como carros
elétricos, painéis fotovoltaicos, telefones celulares e componentes
eletrônicos.
"Há,
sim, preocupação em aprofundar e diversificar a nossa relação do ponto de vista
comercial. A gente exporta ferro bruto e importa aço da China [...] a gente
exporta soja a granel e há diversos setores têm se posicionado de maneira muito
clara para que a gente tenha uma nova relação com a China", diz Pablo
Ibanez.
O
professor, no entanto, avalia que essa mudança de perfil tende a ser difícil de
implementar.
"É
uma competição muito dura porque a atividade industrial na China se transformou
muito rapidamente. Hoje, as indústrias lá nascem, crescem e morrem com muita
facilidade. É difícil competir diretamente, mas é um ponto que está na pauta
dessa visita para que essa relação seja menos díspar (ao Brasil)".
O
embaixador Eduardo Saboia confirma essa ideia.
"A
China despontou como grande importador de produtos brasileiros e a gente tem
superávit com a China que ninguém vai achar ruim. O que nós queremos é
diversificar nossa pauta exportadora com a China e diversificar os
investimentos e as parcerias com a China procurando atraí-la para projetos de
neo-industrialização, capacitação tecnológica e transição energética",
disse o diplomata.
¨
Acordo entre China e EUA é boa notícia para o Brasil e
para os mercados
O acordo firmado por 90 dias entre
Estados Unidos e China sobre a guerra comercial é uma boa
notícia para o Brasil e investidores estrangeiros.
A
equipe do presidente Lula espera que uma volta da "normalidade" nas
relações comerciais entre os dois países tenha repercussão positiva para a
economia mundial – evitando uma recessão nos Estados Unidos e uma desaceleração
na China, e beneficiando o Brasil nos dois casos.
Os
Estados Unidos concordaram em reduzir alíquotas de importação de 145% para 30%,
enquanto China as reduziu de 125% para 10%.
O
Brasil espera também conseguir reduzir a alíquota sobre a exportação de aço e
alumínio, hoje em 25%, para pelo menos 10%.
No caso
da tarifa recíproca geral de 10%, o presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, já sinalizou que não vai recuar. O Brasil já começa a trabalhar em abrir
exceções para a regra imposta pelo norte-americano.
Na
China, depois de uma passagem polêmica pela Rússia, o presidente Lula voltou a
defender o multilateralismo e classificou a visita ao país asiático como a mais
importante do ponto de vista comercial e geopolítico do seu terceiro mandato.
Lula
está acompanhado de ministros e empresários brasileiros de olho no
fortalecimento dos laços comerciais com a China. Trump tem uma relação hostil
com os dois países, que podem aproveitar esse momento para uma aliança mais
intensa.
Por
sinal, a reunião prevista para esta terça (13) deve ser o terceiro encontro
entre Lula e Xi Jinping no atual mandato do brasilero. Enquanto isso, até
agora, Lula e Trump não conversaram.
O
brasileiro tem deixado claro que pretende aumentar a relação com os chineses–
mas diz que não quer escolher entre China e Estados Unidos, e sim, manter um
forte relacionamento com os dois países.
A
diferença é que a China abre as portas para o Brasil, enquanto Trump fecha.
Essa
segunda viagem de Lula à China foi preparada com grande antecedência, com
ministros visitando o país asiático para negociar acordos comerciais,
principalmente fazendo uma sinergia entre projetos do PAC e a Nova Rota da Seda
chinesa.
O Brasil, vale lembrar, não aderiu à
Nova Rota da Seda –
um ambicioso projeto de investimentos chineses para criar infraestrutura para
facilitar as exportações e importações da China com o mundo.
¨
China corteja Brasil após tarifaço de Trump, diz New York
Times
Uma
reportagem do jornal americano The New York Times desta segunda-feira (12/5)
afirma que a China está cortejando o Brasil e a
América Latina,
diante do momento de tensões vividas nas relações da
região com os Estados Unidos.
Em um
texto intitulado "China corteja Lula e América Latina após choque de tarifas de Trump", assinado pelo
correspondente do jornal na China, o jornal afirma que o presidente americano,
Donald Trump, vem tentando atrair a América Latina para a sua esfera de
influência, algo que lembra a Doutrina Monroe (a política externa dos EUA no
século 19 que alertava a Europa para não interferir politicamente na América
Latina).
"Muitos
governos latino-americanos também querem manter Pequim ao seu lado —
principalmente como um parceiro econômico, mas para alguns também como um
contrapeso ao poder dos EUA, disseram especialistas", segundo o jornal
americano.
O New
York Times destacou uma fala do vice-ministro das Relações Exteriores da China,
Miao Deyu: "O que as pessoas da América Latina e do Caribe querem é
independência e auto-determinação, e não a chamada 'nova Doutrina
Monroe'".
Neste
ano, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, disse que o governo Trump
quer priorizar as Américas — e a primeira viagem ao exterior de Rubio foi para
Panamá e Guatemala.
No
entanto, países latino-americanos têm reclamado das declarações de Trump sobre
o Canal do Panamá, e também do aumento de tarifas americanas contra produtos da
região.
"Nas
últimas duas décadas, a China tornou-se uma grande compradora de minerais e
outros recursos do Brasil, Peru, Chile e outros clientes latino-americanos.
Produtos chineses, incluindo automóveis e eletrodomésticos, preencheram os
mercados da região, e investimentos chineses financiaram pontes, barragens e
portos", afirma o texto do New York Times.
"O
Brasil e outros grandes exportadores de commodities esperam, em parte, repetir
o que aconteceu no primeiro mandato de Trump, quando a China comprou mais soja,
minério de ferro e outros produtos da América Latina, apesar das tarifas
americanas."
Um dos
especialistas entrevistados pelo jornal ressalta que apesar da simpatia de Lula
pela China, o governo brasileiro Lula aumentou as tarifas sobre ferro, aço e
cabos de fibra óptica para produtos chineses. E que existe a preocupação de que
exportadores chineses redirecionem para a América Latina os seus produtos,
devido às altas tarifas nos EUA.
"Xi
Jinping demonstrou otimismo de que conseguirá manter Lula e muitos outros
grandes líderes latino-americanos ao seu lado, em parte por pura persistência e
em parte por meio de encomendas contínuas de minério de ferro, soja e outras
commodities", diz o jornal.
"Lula
também expressou esperança de que a China possa ajudar o Brasil a obter avanços
em novas tecnologias, incluindo a espacial e a energia verde."
Lula
chegou a Pequim no domingo (11/5) para a sua segunda visita oficial à China
desde que assumiu seu terceiro mandato.
Ele
está em visita de Estado ao presidente chinês, Xi Jinping, e participa, como
convidado de honra, da cúpula China-Comunidade dos Estados Latino-americanos e
Caribenhos (Celac). Lula chega a Pequim após fazer uma viagem oficial à Rússia,
onde foi recebido por Vladimir Putin, na semana passada.
A
visita à China acontece em meio a um cenário de tensão internacional entre as
duas maiores economias do mundo (Estados Unidos e China) e que tem respingado
no Brasil.
Desde
que assumiu seu segundo mandato, Trump fez ameaças e anunciou medidas que
causaram reações negativas em diversas partes do mundo.
A
principal delas foi a aplicação de tarifas sobre a importação de produtos de
diversos países, entre eles da China e do Brasil. Trump impôs tarifas de até
140% sobre produtos chineses.
No
plano diplomático, Trump tem feito acenos contra o multilateralismo e chegou a
dizer acreditar que, "talvez", os países da América Latina teriam que
escolher entre a China e os Estados Unidos.
Fonte:
BBC News Brasil

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