Como
seguir aprendendo com Rosa Luxemburgo
É
possível encontrar motivação para mudar o mundo sem garantia de que nossos
esforços serão vitoriosos? Como reunir a energia, o tempo e o compromisso
necessários para reverter os estragos do capitalismo-imperialismo em um momento
em que seu poder parece mais difundido e destrutivo que nunca?
Ao
refletir diante de um dos momentos mais reacionários da história política
moderna, poucos são os pensadores que travam um diálogo mais direto com essas
questões do que Rosa Luxemburgo, a revolucionária judia polonesa amplamente
considerada a mais destacada teórica e figura política da tradição marxista.
Uma nova coleção de dez ensaios
escritos por Michael Löwy sobre Rosa Luxemburgo dá vida a suas contribuições
multifacetadas como teórica política, economista e ativista revolucionária.
Poucos marxistas contemporâneos estão mais preparados para a tarefa: Löwy
dedicou mais de seis décadas a se debruçar sobre a obra da autora por uma
variedade de ângulos.
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Aposta revolucionária de Rosa Luxemburgo
Acoleção
representa uma notável contribuição para a crescente literatura de e sobre Rosa
Luxemburgo, defendendo que a autora oferece “uma contribuição singular e
preciosa para a teoria da história, a filosofia política e a epistemologia
marxista”. Isso porque ela foi a primeira marxista pós-Marx a rejeitar
explicitamente a afirmação de que o socialismo é o resultado inevitável da
necessidade histórica. A expressão mais célebre desse ponto de vista aparece em
“A crise da social-democracia” (também conhecida como Folheto Junius),
de 1915, com a declaração de que a humanidade enfrenta uma escolha entre “o
socialismo ou a barbárie”.
“Uma
coleção de ensaios escritos por Michael Löwy sobre Rosa Luxemburgo dá vida a
suas contribuições multifacetadas como teórica política, economista e ativista
revolucionária.”
Ao
sustentar que o projeto revolucionário é uma espécie de aposta, e não um
resultado predeterminado, Luxemburgo rompeu com o determinismo econômico e o
evolucionismo unilinear que caracterizavam o marxismo de seu tempo. A revolução
social, argumentava, envolve “uma escolha entre diversas possibilidades
objetivas [que] depende da consciência, da vontade e das ações dos seres
humanos”. Para Löwy, essa formulação contestava a “variante socialista da
ideologia do progresso inevitável que dominou o pensamento ocidental desde o
Iluminismo”. O autor argumenta que a posição de Luxemburgo representou uma
contribuição original para a dialética marxista, ainda que ela não tenha se
dedicado ao estudo formal da filosofia.
Löwy
reconhece que, embora Luxemburgo “tenha o mérito de ser um dos poucos nomes nos
movimentos operários e socialistas a contestar a ideologia do Progresso”, no
período anterior a 1915, ela também defendeu a noção de que o capitalismo
“inevitavelmente” daria lugar ao socialismo em função de suas contradições
objetivas. Havia fortes motivos para isso.
Os
marxistas da época viam a “anarquia do mercado” como um princípio definidor do
capitalismo e o socialismo como a alocação racional de bens e serviços em uma
economia socialmente planejada. Uma vez que as leis imanentes da produção
capitalista promovem a centralização do capital em cada vez menos mãos, o
argumento era de que a própria trajetória do capitalismo forneceria a base
material para superar a propriedade privada dos meios de produção e a anarquia
do mercado.
Além
disso, uma vez que a concentração e a centralização do capital aumentam a
socialização do trabalho, à medida que um número massivo de trabalhadores se
reúne na produção cooperativa, as próprias leis do movimento do capital geram
sua negação dialética: a resistência de um proletariado marginalizado. Tanto os
marxistas reformistas quanto os revolucionários, em um grau ou outro,
sustentavam que a história estava seguindo inexoravelmente para uma direção
socialista. A questão em jogo era discutir a melhor forma de organizar o
proletariado para a tomada do poder uma vez que as contradições imanentes do
capitalismo atingissem a maturidade.
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Falsa dicotomia
Como
mostra Löwy, Rosa Luxemburgo foi firme defensora dessa perspectiva até 1915.
Suas primeiras obras, como Reforma ou Revolução?, reiteravam a
visão de que “a anarquia do sistema capitalista conduzirá fatalmente ao
seu afundamento”. E muitas vezes a autora se referiu à social-democracia como
um “estimulante” que “aceleraria” a ascensão do socialismo, ordenado por
necessidade histórica.
Tanto
os marxistas reformistas quanto os revolucionários, em um grau ou outro,
sustentavam que a história estava seguindo inexoravelmente para uma direção
socialista.
Ela
tinha motivos para isso, já que seu objeto de crítica em Reforma ou
Revolução — as ideias “revisionistas” de Eduard Bernstein — afirmava
que o capitalismo havia superado sua propensão a crises endêmicas. Para
Bernstein, isso significava que a defesa do socialismo dependia de um dever ou
escolha ética kantiana. Isso ameaçava reduzir o socialismo a um desejo
meramente subjetivo ou utópico, como havia sido para os radicais antes de Karl
Marx.
Löwy
mostra corretamente que Luxemburgo nunca aceitou a falsa dicotomia de que o
socialismo ou é o produto inevitável de um desenvolvimento
histórico economicamente determinado ou uma escolha moral ou
ética. Isso porque ela deu ênfase às “condições socioeconômicas que determinam,
em última instância… o socialismo como uma possibilidade objetiva”. Entre essas
condições está a consciência de classe do proletariado. Ao enfatizar a
importância desta última, os escritos de Luxemburgo anteriores a 1915 foram
além do rígido determinismo de muitos marxistas da época, embora ela ainda
aderisse à visão de um futuro socialista como uma necessidade objetiva.
Evidência
forte disso está em seus escritos sobre a Revolução Russa de 1905, todos agora
disponíveis nos Volumes Três e Quatro de suas Obras
Completas. Como escreveu em 1906:
Tempos
de revolução rasgam a jaula da “legalidade” como vapor reprimido que rompe a
chaleira, permitindo a irrupção aberta, nua e irrestrita da luta de classes…
a consciência e o poder político [do proletariado] emergem
durante a revolução sem a deformação, as amarras e a dominação das “leis” da
sociedade burguesa.
No
Congresso de 1907 do Partido Operário Social-Democrata Russo, em um momento em
que a Revolução parecia caminhar para a derrota, Luxemburgo apresentou o
seguinte argumento:
Entendo
que são uma liderança pobre e um exército lamentável aqueles que só vão para a
batalha quando a vitória já está garantida. No sentido inverso, não só não
pretendo prometer ao proletariado russo uma sequência de vitórias certas;
penso, antes, que se a classe trabalhadora, sendo fiel ao seu dever histórico,
continuar crescendo e executando suas táticas de luta consistentes com as
contradições que se revelam e os horizontes cada vez mais amplos da revolução,
ela poderá então acabar em circunstâncias bastante complicadas e difíceis… Mas
acredito que o proletariado russo deve ter a coragem e a determinação de
enfrentar tudo o que está preparado para ele pelos desdobramentos históricos;
que deve, se necessário, mesmo à custa de sacrifícios, desempenhar o papel de
vanguarda nesta revolução em relação ao exército global do proletariado.
A noção
de que o proletariado da Rússia economicamente “atrasada” serviria como a força
de vanguarda para o movimento operário alemão (e inclusive da Europa Ocidental)
foi central para uma de suas obras mais importantes, Greve de massas,
partido e sindicatos. Embora Karl Kautsky tenha inicialmente apoiado a
abordagem de Rosa Luxemburgo, seus caminhos se distanciaram em 1910, quando ele
avaliou que, com o risco de perder votos nas eleições seguintes do Reichstag, o
chamado de Luxemburgo para ampliar a greve de massas da Rússia para a Alemanha
tinha que ser colocado em segundo plano.
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Socialismo ou barbárie
Löwy vê
a ruptura de Luxemburgo com Kautsky como sinal de que, “ao aceitar a premissa
kautskiana da inevitabilidade do socialismo, fica difícil escapar de uma lógica
política passiva de ‘espera’”. O autor define “toda a visão de mundo de Kautsky
como o produto de uma fusão extremamente bem-sucedida entre a metafísica
iluminista do progresso, o evolucionismo social darwinista e o determinismo
‘marxista pseudo-ortodoxo’”.
No
entanto, para Löwy, “a ruptura metodológica definitiva entre Rosa Luxemburgo e
Kautsky só se produz em 1915, por meio da frase ‘socialismo ou barbárie’”.
Luxemburgo vive uma crise intelectual com a eclosão da Primeira Guerra Mundial
e a capitulação da Segunda Internacional à burguesia nacional. Seu “fatalismo
otimista”, observa Löwy, ficou “obviamente bastante abalado pelo colapso da
Segunda Internacional”.
Como
afirma Luxemburgo no Folheto Junius:
Friedrich
Engels afirmou certa vez: “A sociedade burguesa está em uma encruzilhada: ou
promove a transição para o socialismo ou a regressão à barbárie”… Até hoje,
provavelmente todas e todos nós lemos e repetimos essas palavras sem pensar,
sem suspeitar de sua terrível gravidade… Hoje, enfrentamos a escolha exatamente
como Friedrich Engels previu há uma geração: ou o triunfo do imperialismo e o
colapso de toda a civilização… ou a vitória do socialismo, que significa a luta
ativa e consciente do proletariado internacional contra o imperialismo e seu
método de guerra.
Durante
anos, quem lia Luxemburgo procurava a origem da frase de Engels “socialismo ou
barbárie” (ela mesma não indicou uma fonte). Löwy toma como fonte o Anti-Dühring de
Engels, que contém a seguinte formulação: “Para evitar que toda a sociedade
moderna pereça, deve ocorrer uma revolução no modo de produção e distribuição”.
No entanto, essa passagem não menciona diretamente a escolha entre “socialismo
ou barbárie”. Löwy sugere que, ainda que Engels possa ter inspirado Luxemburgo,
ela foi a primeira a levar o conceito a sério, sem apenas mobilizá-lo como um
floreio retórico.
Graças
ao trabalho de Ian Angus, sabemos hoje que a
frase de fato não vem de Engels. Vem do comentário de Kautsky sobre o Programa
de Erfurt (1892), que se tornou um dos textos mais lidos no movimento
socialista da época:
Se, de
fato, a comunidade socialista fosse uma impossibilidade, a humanidade seria
excluída de todo o desenvolvimento econômico posterior… Da forma como as coisas
estão hoje, a civilização capitalista não pode continuar; devemos avançar para
o socialismo ou voltar para a barbárie.
Como
Luxemburgo escreveu o Folheto Junius no cárcere, é
compreensível que sua memória não tenha contribuído para recordar a fonte. Mas
não é insignificante que ela se refira à formulação como aquilo que “todos nós
provavelmente lemos e repetimos”.
Se o
caso for, como observa Angus, de que “conceitos e formulações no livro de
Kautsky se tornaram correntes nos círculos socialistas”, quanta ruptura com a
ortodoxia estabelecida a evocação de “socialismo ou barbárie” de Luxemburgo
realmente representou? Como Kautsky usou a frase pela primeira vez e (segundo
Löwy) foi quem mais contribuiu para o determinismo “marxista
pseudo-‘ortodoxo’”, não é possível então proclamar a escolha entre “socialismo
ou barbárie” sem uma ruptura total com o determinismo histórico ou econômico?
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Luxemburgo a respeito do mundo não ocidental
Um
aspecto de especial relevância nesta coleção é que Löwy não separa os escritos
políticos de Luxemburgo de seus escritos econômicos, em uma abordagem raríssima
na literatura secundária. O capítulo sobre “Imperialismo ocidental contra o
comunismo primitivo: uma nova leitura dos escritos econômicos de Rosa
Luxemburgo” explora com maestria a análise da autora sobre as formações
comunais indígenas pré-capitalistas e seu apoio à “resistência impetuosa”
travada pelos povos colonizados contra o colonialismo e o imperialismo.
“Löwy
não separa os escritos políticos de Luxemburgo de seus escritos econômicos, em
uma abordagem raríssima na literatura secundária.”
É
sabido que Luxemburgo se opunha aos apelos à autodeterminação nacional de
nacionalidades subjugadas na Europa por vê-los como um desvio do
internacionalismo proletário; ela era, no entanto, opositora fervorosa do
colonialismo e do imperialismo e apoiou as lutas dos povos colonizados na
África, Ásia, América Latina e Austrália. Com isso, ela se envolveu em extensos
estudos antropológicos e etnográficos de formações comunitárias indígenas no
mundo não ocidental, elogiando-as como superiores em muitos aspectos ao que
caracteriza a modernidade capitalista.
Como
observa Löwy:
Segundo
Luxemburgo, a luta das populações indígenas contra a metrópole imperial
representa de forma admirável a resistência obstinada das antigas tradições
comunistas contra a ávida busca pelo lucro brutalmente imposta pela
“europeização”… Lendo nas entrelinhas, é possível discernir aqui a ideia de uma
aliança entre a luta anticolonial dos povos colonizados e a luta
anticapitalista do proletariado moderno como uma convergência revolucionária
entre o velho e o novo comunismo.
Isso se
confirma ainda em uma descoberta, feita pouco após o início da impressão do
livro de Löwy, de um extenso número de artigos em que Luxemburgo expressa apoio
às lutas anticoloniais na África Subsaariana. São escritos que apareceram de
forma anônima em 1904 em um jornal de língua polonesa que ela editou na
Posnânia, região anexada pelo Império Alemão onde predominava a população
falante de polonês.
Há
muito já se conhece a crítica de Luxemburgo, encontrada nas obras A
acumulação do capital e o Folheto Junius, ao genocídio
cometido pela Alemanha contra os povos nama e herero do sudoeste da África.No
entanto,é recente a descoberta de que praticamente todas as edições da Gazeta
Ludowa publicadas entre janeiro e junho de 1904 continham artigos
dela em apoio à revolta nama e herero contra o imperialismo alemão e às
revoltas no Malawi, no Congo e na África do Sul. O material sobre África
produzido chega a cerca de setenta e cinco páginas. Era nítido que Luxemburgo
queria que o proletariado polonês tomasse conhecimento do que estava
acontecendo no continente — e queria que sua solidariedade se estendesse às
vítimas do colonialismo alemão.
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Marx e Luxemburgo
Essa
perspectiva era inseparável dos estudos de Luxemburgo sobre as contribuições
positivas das formas coletivas e não mercantilizadas encontradas em muitas
sociedades pré-capitalistas, bem como nas sociedades não capitalistas de seu
tempo. Löwy aponta para sua ênfase na “resiliência” das formações comunais
pré-capitalistas como uma “ruptura com o evolucionismo linear, o
progressismo positivista e todas as interpretações banalmente ‘modernizantes’
do marxismo que prevaleceram em sua época”. O autor a vê indo além de Marx
nesse sentido, uma vez que ela deu maior ênfase às consequências prejudiciais
da colonização britânica na Índia em comparação ao que havia feito Marx em seus
escritos do início da década de 1850, que elogiavam suas tendências
modernizadoras.
Luxemburgo
não conhecia os escritos de Marx das décadas de 1870 e 1880 sobre o mundo não
ocidental, então não sabia que ele havia rompido, nessa fase de seu pensamento,
com o evolucionismo unilinear que marcou o Manifesto comunista e
seus escritos da década de 1850 sobre a Índia. Ela estudou alguns dos mesmos
autores que Marx em sua pesquisa sobre sociedades não ocidentais (como Lewis
Morgan, Sir Henry Sumner Maine e Maksim Kovalevsky), mas chegou a conclusões
diferentes a partir de sua leitura.
Por
exemplo, ela sustentava que a sociedade indiana era feudalista, premissa que
Marx rejeitava sob o argumento de que seria um equívoco impor categorias
europeias a um contexto não europeu. E enquanto Marx enfatizou a persistência
das formações comunais indígenas diante da intrusão colonial, Luxemburgo
insistiu que o capitalismo tinha um impacto destrutivo imediato: “O encontro é
fatal para a velha sociedade universalmente e sem exceção… rasgando todos os
laços tradicionais e transformando a sociedade em um curto período de tempo em
uma pilha disforme de escombros”.
Marx
afirma em suas cartas de 1881 a Vera Zasulitch e em seu prefácio de 1882 à
edição russa do Manifesto comunista que as formas comunais
russas de trabalho e posse da terra, como o mir e a obshchina,
poderiam servir de base para uma transição para o comunismo que contornaria o
estágio capitalista de desenvolvimento. Como observa Löwy, “sobre o tema da
comuna rural russa, a visão de Luxemburgo é muito mais crítica do que a de
Marx”.
Luxemburgo
decerto conhecia o Prefácio de 1882 de Marx, mas jamais chegou a mencioná-lo.
Até o fim de sua vida, ela defendeu que a Rússia precisava experimentar um
longo período de desenvolvimento capitalista antes de alcançar o socialismo. Já
em abril de 1917, no mesmo momento em que Vladimir Lenin apresentava uma
perspectiva muito diferente em suas Teses de Abril, Luxemburgo
apresentava a seguinte perspectiva:
Assim,
a revolução na Rússia derrotou hoje o absolutismo burocrático na primeira
tentativa. No entanto, essa vitória não é o fim, mas apenas um fraco início… a
energia revolucionária outrora despertada no proletariado russo deve, com uma
lógica histórica igualmente inevitável, recuperar o caminho da ação democrática
e social radical e retomar o programa de 1905: uma república democrática, a
jornada de oito horas, a expropriação de grandes propriedades, etc.
Com
efeito, Luxemburgo não sugere em nenhum lugar que uma sociedade pré-capitalista
poderia alcançar uma transição para o socialismo sem passar pelo estágio
capitalista de desenvolvimento. Nesse sentido, ela defendia aspectos do
progressismo evolucionista e modernista unilinear que caracterizavam o marxismo
de seu tempo.
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Luxemburgo e organização
Löwy
faz a afirmação intrigante de que a visão de Luxemburgo sobre “o fator
subjetivo, a vontade e a consciência” no Folheto Junius levou
a uma “aproximação real” de Lenin na questão da organização após 1915, “na
prática tanto quanto na teoria”. Ele atribui as diferenças anteriores entre os
dois a uma “incompreensão” de Luxemburgo sobre “a teoria leninista do partido”,
já que, no período anterior a 1914, ela acreditava que “a queda do capitalismo
era inevitável e a vitória do proletariado seria irreprimível”.
Esse
argumento é questionável em dois aspectos. Primeiro, além de seu trabalho no
Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), Luxemburgo foi uma liderança de
dois partidos altamente disciplinados: da Social-Democracia do Reino da Polônia
entre 1893 e 1900, e da Social-Democracia do Reino da Polônia e Lituânia
(SDKPiL) entre 1900 e 1919. Esta última agremiação buscou se aproximar do
partido de Lênin em 1903. Portanto, é difícil acusá-la de subestimar o fator
subjetivo da vontade e da consciência antes de 1915.
Em
segundo lugar, uma vez que Löwy sustenta que Luxemburgo foi a primeira a romper
com a noção da inevitabilidade do socialismo em 1915, como ela poderia ter
feito “uma verdadeira aproximação” com o conceito de organização de Lenin? Pelo
próprio raciocínio de Löwy, o líder bolchevique formulou esse conceito em 1903,
em um momento em que aderiu à noção da inevitabilidade do socialismo.
Luxemburgo não precisava de Lenin para saber que uma organização disciplinada,
proativa e intervencionista era necessária para dar direção às lutas de massas:
esse ponto era dado como certo dentro dos movimentos radicais da época.
Isso
não significa que Löwy não seja crítico de Lenin. Ele sublinha as diferenças
agudas entre Luxemburgo e Lenin e Leon Trotsky sobre a supressão da democracia
após a Revolução de 1917. O autor descreve a crítica de Luxemburgo à supressão
da liberdade de imprensa, associação e reunião como profética… sem liberdades
democráticas, a práxis revolucionária das massas, a autoeducação popular
através da experiência, a autoemancipação dos oprimidos e o exercício do poder
pela classe trabalhadora são impossíveis.
O autor
conclui que as lideranças bolcheviques “involuntariamente ajudaram a criar o
golem que as destruiria”. É evidente que a monopolização do poder estatal em um
único partido (que em 1921 chegou a banir grupos dissidentes internos) tinha
muito a ver com isso.
Esta é
a questão crítica, pois a opção entre “socialismo ou barbárie” se torna ainda
mais assustadora se o próprio esforço de criar o socialismo puder produzir uma
espécie de barbárie, como fizeram muitas revoluções no século XX. O legado das
muitas revoluções abortadas e inacabadas do século passado torna vital repensar
a questão da organização, em vez de confiar em conceitos de organização que
pertencem a uma era diferente.
Luxemburgo,
por certo, se dedicou profundamente a tais assuntos. Ela não minimizou a
importância da organização em nome da espontaneidade. Isso fica nítido em seu
trabalho incansável em nome do SPD, bem como em seu papel como líder de
partidos como o SDKPiL na Polônia. Este último era, em alguns aspectos, ainda
mais “leninista” e centralista do que o partido de Lenin, mas o motivo disso
não era a oposição de Luxemburgo às formas democráticas de organização.
Ao
contrário, assim como os bolcheviques, seu partido tinha que operar em um
estado czarista autocrático, o que exigia a realização do trabalho na
ilegalidade, uma existência clandestina e estruturas centralizadas. No entanto,
ela não defendia essa forma de organização como modelo universal que poderia
ser aplicado às democracias burguesas ocidentais nas quais prevaleciam
condições muito diferentes. Ela também não pressupunha que tal forma seria
adequada após a obtenção do poder do Estado.
O
problema da organização permanece inacabado na tradição marxista, em grande
medida porque a tarefa mais ampla de repensar o significado do socialismo para
a atualidade também permanece inacabada. Com sorte, essa coleção notável de
ensaios produzidos por um pensador notável nos ajudará no necessário trabalho
de repensar e encontrar uma saída para as contradições atuais em que nos
encontramos.
Fonte: Por Peter
Hudis – Tradução Aline Scátola, em Jacobin Brasil

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