Pacote anti-crime do MBL apoiado por Nunes
quer GCM com fuzis e repressão aos pancadões de funk
Um pacote de 15 projetos de lei, lançado com
o apoio do prefeito Ricardo Nunes (MDB) como uma solução para combater o crime
organizado, está pronto para entrar em tramitação na Câmara dos Vereadores de
São Paulo. Ele inclui desde projetos que dão o poder de polícia à Guarda Civil
Metropolitana (GCM), prevendo o uso de armamentos letais como fuzis até
propostas que preveem instalação de escolas cívico-militares e criminalizam
movimentos sociais de luta por moradia. Os textos já foram protocolados e podem
entrar em discussão no plenário a qualquer momento.
Há ainda outras medidas que trazem bandeiras
defendidas pela extrema-direita como soluções para a segurança pública, a
exemplo das internações compulsórias de dependentes de drogas e repressão aos
chamados“pancadões”, que são festas de funk que acontecem em espaços públicos.
Os PLs são de autoria da vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil), que também
é coordenadora nacional do Movimento Brasil Livre (MBL).
Ao todo, o “pacote anti-criminalidade” tem 23
propostas: os 15 projetos de lei (PLs), um Projeto de Emenda à Lei Orgânica
(PELO), um projeto de resolução e seis indicações de mudanças na legislação de
segurança pública do município, sendo uma delas a retomada das Rondas
Ostensivas Municipais (ROMU), uma espécie de grupo de elite da GCM, que
utilizaria armamentos mais letais, como fuzis e pistolas semiautomáticas.
O pacote foi lançado no dia 14 de abril, na
Câmara de Vereadores da cidade, em um evento intitulado Frente Nacional de
Combate ao Crime Organizado, que ocorreu na semana seguinte a que o ministro da
Justiça e Segurança Pública (MJSP), Ricardo Lewandowski, entregou a Proposta de
Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública ao presidente da Câmara dos
Deputados, Hugo Motta (Republicanos), em Brasília, com o intuito de buscar
apoio para que o projeto passe no Congresso.
O prefeito Ricardo Nunes discursou no
lançamento do pacote de combate ao crime em São Paulo e parabenizou a atuação
de Vettorazzo. Disse que, mesmo com a agenda carregada, priorizou a
participação no evento: “eu preciso estar aqui com vocês”, comentou. “Pessoas
como você [Vettorazzo], com coragem, tem que ter todo nosso respaldo, todo
nosso apoio. E uma das coisas, que faz toda diferença, é termos pessoas
corajosas combatendo o crime organizado e você é uma delas. Já no primeiro
mandato com tanta coragem e dedicação”, disse o prefeito na ocasião.
Nunes já tinha demonstrado apoio à vereadora
quando ela protocolou, em janeiro passado, o projeto conhecido como
“anti-Oruam”, que proíbe a prefeitura de contratar artistas que fazem apologia
ao crime organizado. O PL leva o nome do rapper Oruam, filho do Marcinho VP,
preso desde 1996, por suspeita de tráfico de drogas, homicídios e de ser um dos
líderes do Comando Vermelho (CV) no Rio de Janeiro.
No evento, o prefeito de São Paulo discursou
em tom de celebração pelas mil prisões efetuadas pela Guarda Civil
Metropolitana (GCM), por intermédio do Smart Sampa, que é um programa de
monitoramento e reconhecimento facial, que identifica supostos foragidos da
Justiça. “Hoje batemos, com uma alegria enorme, a prisão de mil foragidos da
Justiça e mais de dois mil presos em flagrante”, disse.
A mesa de convidados também tinha o
secretário de segurança urbana de São Paulo, Orlando Morando, o deputado
federal Kim Kataguiri (União Brasil), que também é um dos fundadores do MBL e
estadual Guto Zacarias (União Brasil), além de deputados de outros estados
ligados a partidos de direita. Renan Santos, outro fundador do MBL e do partido
Missão, estava presente e discursou a favor da execução de líderes de
organizações criminosas.
• GCM
sangue nos olhos
Amanda Vettorazzo encara o seu primeiro
mandato como vereadora em São Paulo, embora já tenha concorrido em 2020. Na
ocasião, ela havia declarado um patrimônio de R$ 240 mil e no mesmo ano, ela e
a mãe, Marly Marino Vettorazzo, foram contempladas com o auxílio emergencial,
durante a pandemia da covid-19, com R$ 3,9 mil e R$ 4,2 mil, respectivamente,
segundo apuração da Agência Pública.
Por telefone, a vereadora disse que, na
época, empresa que ela tinha com a mãe havia fechado, em virtude da pandemia e
o “patrimônio era de 240 mil, só que empenhado. “Eu pagava a prestação do meu
imóvel que não era quitado”, disse. Ela explicou que usou a verba para “pagar água, luz, que são serviços
essenciais, e comida”.
Para apresentar seu pacote anti-crime, a
parlamentar disse no evento que se inspirou nas políticas públicas do
presidente de El Salvador, Nayib Bukele, no combate ao crime organizado, por
meio das quais o país encarcerou quase 2% da sua população, com prisões
cercadas de denúncias de violações dos direitos humanos e perseguições
ideológicas.
Um dos projetos que faz parte do pacote foi
encaminhado à Agência Pública pela equipe da parlamentar com o título“GCM
sangue nos olhos”. Se for aprovada, a proposta trará bonificações e
gratificações aos guardas que atuarem em ocorrências de prisões em flagrante,
apreensões de drogas e objetos ilícitos, atendimento de ocorrências de
violência contra a mulher e “contribuição significativa para a redução dos
indicadores de criminalidade em áreas de alta vulnerabilidade”.
Para justificar o PL, a autora escreveu que o
intuito é “expandir as gratificações aos nossos policiais”, referindo-se aos
guardas civis, que não são classificados como Polícia Municipal. Com o vereador
sargento Nantes Vettorazzo (Progressistas), a vereadora fez uma indicação – que
no parlamento significa uma adoção de providências imediatas -, dentro do
pacote, para a compra de carro forte blindado para que a Guarda Civil
Metropolitana possa coibir bailes funk e circular livremente em situações de
conflito armado.
As propostas ainda incluem a internação
compulsória de usuários de drogas que façam uso em “cena aberta”, ou seja, nas
ruas. A autora afirma que apenas seis dos 1,1 mil usuários que se dispuseram ao
tratamento foram internados por intermédio do Programa Redenção, da Prefeitura
de São Paulo. A internação involuntária, que é aquela sem o consentimento do
dependente, já é prevista em casos específicos, diz o professor do curso de
Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Iacã Machado Macareta,
mas, para ele, é o último estágio que deve-se considerar para o tratamento de
uma pessoa usuária de drogas.
“[O projeto] parece muito que quer tornar uma
regra e uma possibilidade de fazer isso mais massivamente”, considera. “Se uma
pessoa vai parar no hospital, é um índice de fracasso, mas ela [a vereadora]
coloca como de sucesso: ‘Só teve sucesso no tratamento de quem foi internado’.
Não tem base. E, na verdade, é o contrário. Porque a pessoa para ser internada
chegou numa situação crítica, próxima da morte”, diz.
• MTST
no pacote anti-criminalidade
O pacote apoiado por Nunes inclui ainda dois
projetos que criminalizam movimentos sociais que lutam por moradia. Um deles
propõe aumentar as punições aos grupos que entrarem em propriedades privadas ou
públicas, com vetos a cargos públicos e políticos àqueles que forem apontados
como “infratores” direta ou indiretamente, além de pagamento de multa no valor
de R$ 2,5 mil, revertidos para a Secretaria Municipal de Habitação.
Ele também pede ações imediatas de
reintegração de posse, evitando mediações ou negociações prolongadas. O
professor e pesquisador de segurança pública Bruno Konder Comparato, da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) vê no texto um caráter político e
de direcionamento claro ao Movimento de Trabalhadores Sem-Teto (MST) e a
figuras como a do deputado Guilherme Boulos (PSOL), ex-líder do MTST e que
concorreu ao cargo de prefeito de São Paulo.
“Se a justiça não prende, é porque não é
porque é ineficaz e não funciona. É porque tem um dispositivo na Constituição
que fala sobre a função social da propriedade”, argumentou.
Konder analisa que o pacote anti-crime
apresentado por Vettorazzo tem base puramente eleitoreira. Ele acredita que as
ações propostas não estabelecem uma “relação de causa e efeito”, por exemplo,
de que uma ação isolada “que um policial fez resultou numa diminuição dos
índices de violência e criminalidade”.
Sobre a proposta de dar poderes de polícia à
GCM, na avaliação do professor, não é uma polícia municipal que vai combater os
avanços das redes criminosas, mas sim uma atuação coordenada das forças
policiais. “Já temos as polícias estaduais, a polícia civil e a polícia
militar, o que já é uma dificuldade, porque enfrentam uma rivalidade. Então,
isso [criação da polícia municipal] vai criar outra força policial
concorrente”, disse.
• Pacote
não tem orçamento definido
O pacote anti-crime da vereadora e
coordenadora do MBL não deixa claro qual será a fonte orçamentária para
aplicação dos projetos, observa o professor de Direito Público da Universidade
de São Paulo (USP), Marcelo Nerling.
Ele classifica os projetos de lei como
“flagrantemente inconstitucionais”, porque ferem a Lei de Responsabilidade
Fiscal (LRF) e diz que não cabe à Câmara dos Vereadores criar leis que gerem
despesa ao Executivo. “É um vício de origem gravíssimo”, criticou Nerling.
Outro ponto destacado por Nerling, é que os
PLs não se baseiam no Plano Plurianual (PPA), que é que o planejamento
orçamentário do município. “100% das matérias que passam na Câmara de
Vereadores não estão de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, porque não
estimam o impacto financeiro da entrada em vigor da medida”, disse.
À Pública, Amanda Vettorazzo negou que o PL
que fala sobre invasões de propriedade tenha cunho meramente político ou mire
no MTST. Sobre a proposta de internações compulsórias, que é lida como uma
medida higienista, disse que “uma pessoa que é higienista é uma pessoa que não
tem uma empatia com o próximo e que acha que aquela pessoa ali tomada por uso
de drogas tá bom estar ali”.
“Eu não sei se você já teve contato ou já foi
na Cracolândia, conversou com os usuários, a maior parte deles não consegue
mais ter discernimento sobre a própria vida. Então, o que esse PL diz? Que se a
pessoa não tem mais discernimento sobre a própria vida, essa pessoa tem que ser
tutelada pelo Estado, tem que ser cuidada pelo Estado”, alegou.
A parlamentar também negou que a
implementação das medidas possa gerar ônus para o Estado. “Nenhum desses
projetos tem um custo”, afirmou. “Não estou obrigando a prefeitura a contratar
ninguém. Na verdade, se olhar bem, a maior parte dos projetos, ele traz até
receita pro município e não despesa. Vários deles tem uma multa
administrativa”, disse.
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Fonte: Por Rafael Custódio, da Agencia
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