O
que une Trump e Putin?
"Nada
vai acontecer até que Putin e eu estejamos
juntos." O recado que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enviou na
quinta-feira (15/5) sugere que é improvável que ocorra algum progresso
significativo nas negociações de paz entre Ucrânia e Rússia até que ele e Putin
se encontrassem pessoalmente.
"Não
acredito que nada vá acontecer, gostem vocês ou não, até que ele e eu nos
reunamos", acrescentou. "Mas teremos que resolver isso porque muitas
pessoas estão morrendo", afirmou à BBC News Brasil à bordo do Air Force One, o avião
presidencial, em viagem ao Oriente Médio.
No pano
de fundo, um possível encontro entre Putin e o presidente ucraniano, Volodymyr
Zelensky, em Istambul, que acabou não acontecendo.
O
cenário reforça a afirmação de Trump sobre a possível necessidade de sua
presença para um acordo de paz.
Nesse
jogo, um deles está no topo da maior economia capitalista do mundo e governa um
país que por muitas décadas se propagou como um modelo de democracia liberal e
valores ocidentais.
O outro
está no poder há mais de 25 anos, critica com frequência o "liberalismo do
Ocidente" e comanda uma nação cujo passado foi marcado por um regime
comunista.
Ainda
assim, vários analistas apontam que Donald Trump e Vladimir Putin são muito mais
parecidos do se poderia imaginar.
·
'Bromance'
Nas
últimas semanas, o mundo assistiu com surpresa a aproximação entre Estados Unidos e
Rússia.
Trump e
Putin tiveram algumas conversas telefônicas para negociar
um acordo de paz na Ucrânia. Nelas, chegaram até a discutir uma colaboração
entre Rússia e Estados Unidos em projetos de mineração.
Mas a
relação deles oscila entre afagos ou pressões conforme as tensões geopolíticas
globais.
Trump
primeiro elogiou o fato de as conversas terem sido muito produtivas. Depois,
diante da lentidão em se chegar a um cessar-fogo mais amplo, disse estar muito irritado com Putin - e ameaçou
impor tarifas sobre países que comprassem petróleo russo.
Agora,
depois que Putin fez um anúncio manifestando o desejo de discutir
"as raízes" do conflito com a Ucrânia, com o objetivo de alcançar
"uma paz sólida e duradoura", Trump classificou o anúncio do líder
russo como "um dia potencialmente grandioso para a Rússia e a
Ucrânia".
Ao
mesmo tempo, Trump tem adotado uma postura cada vez mais dura em relação a
antigos aliados — como a União Europeia —, e questionado a colaboração
americana com a Ucrânia durante a guerra com a Rússia.
Mas, de
modo geral, os dois líderes dizem se dar bem. Durante o primeiro mandato de
Trump como presidente, eles protagonizaram encontros em que pareciam bastante a
vontade na presença um do outro.
Esses
momentos fizeram com que a imprensa mundial apontasse a existência de um
'bromance' — a expressão brinca com as palavras em inglês para irmão e romance,
e é usada para descrever relacionamentos de profunda amizade entre dois homens
— entre Putin e Trump.
E ao
longo dos anos, esse laço ficou claro também pelos elogios trocados entre os
dois.
Em
2016, quando ainda era candidato à Presidência, Trump disse acreditar que Putin
era um líder mais capacitado que o então presidente Barack Obama.
"Se
ele diz coisas boas sobre mim, eu vou dizer coisas boas sobre ele. Eu já disse
que ele é realmente um líder... o homem tem um controle muito forte sobre um
país.", disse em entrevista à NBC News.
Trump
também afirmou que os dois tinham uma certa simpatia um pelo outro. Em outros
momentos, disse não ter um relacionamento de qualquer tipo com o presidente
russo, mas repetiu diversas vezes ter sido elogiado por Putin como
"brilhante" ou "um gênio".
Já
Putin exaltou Trump depois que o americano foi alvo de uma tentativa de
assassinato durante a campanha de 2024. "Tenho que dizer que o
comportamento dele no momento da tentativa de assassinato me impressionou. Ele
se revelou um homem corajoso", disse.
·
Política dos 'homens-fortes'
A
referência de Trump ao "controle forte" de Putin sobre o país ou os
comentários do russo sobre a coragem do contraparte americano não são
coincidências, dizem os especialistas consultados pela BBC Brasil.
Segundo
Nina Tumarkin, pesquisadora e diretora do Programa de Estudos Regionais Russos
da Wellesley College, nos Estados Unidos, os dois líderes seguem um modelo de
liderança sustentado na imagem de "homens fortes".
Trump,
por exemplo, tornou a canção Macho Men, da banda Village People, um hino de sua campanha
eleitoral em 2024.
Enquanto a música tocava, o então candidato republicano dançava flexionando os
bíceps.
E
fotografias de Putin andando a cavalo sem camisa ou com armas na mão foram
usadas em diversos momentos como propaganda do Kremlin.
"A
ideia de 'macho men' é muito importante para os dois, ainda que pareça um pouco
estranho agora que eles têm mais de 70 anos", diz.
"Para
Putin, esse apelo é visto como fundamental para garantir seu apoio entre a
população. E parece fazer efeito até mesmo entre as mulheres — em 2012, uma
pesquisa indicou que uma em cada cinco mulheres russas gostaria de casar com
ele."
Já no
caso de Trump, Tumarkin afirma que essa imagem é usada principalmente para
atingir os homens conservadores de classe trabalhadora que "se sentem
subestimados e impotentes".
"A
ideia é que Trump seria capaz de resgatar o poder que esses homens acreditam
ter perdido nas últimas décadas com o avanço da igualdade de gênero",
avalia.
Mas
segundo a russa Vera Tolz-Zilitinkevic, pesquisadora na Universidade de
Manchester, esse elemento vai muito além dos traços da personalidade das duas
lideranças.
Trump e
Putin seguem também a política dos homens fortes, usando muitas vezes de
táticas agressivas de negociação e dispensando o decoro para concretizar suas
ambições.
"Ambos
percebem a política, e particularmente a política internacional, como um campo
em que os grandes têm mais poder sobre os demais e podem ditar todos os
arranjos", diz.
"Eles
têm uma visão similar e muito específica sobre seus Estados serem tão poderosos
que não deve ser restringidos por instituições internacionais ou arranjos
políticos domésticos."
Tolz-Zilitinkevic
vê ainda uma relação entre a "mão forte para governar" e tendências
autoritárias.
"Putin
lidera uma ditadura ou regime autoritário muito focado em sua persona. E, para
mim, Trump ambiciona algo semelhante: um tipo de liderança muito personalizada
que não seja restringida por freios e contrapesos e arranjos
constitucionais."
Essa
ideia de que ambos demonstram tendências autoritárias é compartilhada por
outros analistas ouvidos pela reportagem — embora ambos neguem com veemência.
Na
Rússia, Putin se consolidou como uma espécie de czar moderno nos seus 25 anos
no poder. Ele é acusado de suprimir a oposição interna, perseguir a imprensa
livre e de estar por trás do assassinato de adversários políticos, algo que ele
nega.
Já
Trump é alvo de quatro processos criminais, incluindo por conspirar ilegalmente
para tentar reverter sua derrota para Joe Biden em 2020 e incitar o motim que
levou à invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Ele nega.
"Putin
ordena a prisão de jornalistas e de qualquer um que classifique o que está
acontecendo na Ucrânia como 'invasão' ao invés de 'operação militar especial'
ou façam a menor demonstração de crítica", diz Nina Tumarkin. "Há uma
grande diferença em relação a Trump, que não esconde que odeia a imprensa, mas
nunca mandou prender ninguém."
"Mas
acho que Trump tem inveja autocrata. Ele não é como Putin nesse sentido, mas
quer ser."
·
Conservadorismo
Outro
ponto comum entre Putin e Trump apontado por analistas é a forma como eles
pregam valores conservadores, associados a família e gênero. Ambos são ainda
acusados de homofobia e transfobia.
Desde
que chegou à Casa Branca, Trump acabou com as políticas de diversidade e inclusão
no governo,
removeu referências à saúde LGBT de sites oficiais e assinou um decreto que
reconhece que masculino e feminino são os únicos dois sexos e que eles não
podem ser alterados.
Com
isso, mulheres trans presas no país foram transferidas para presídios
masculinos e a emissão de passaportes com o gênero "X" para
"pessoas intersexuais não binárias" foi suspensa.
Putin,
por sua vez, aprovou leis para banir o que foi chamado de "propaganda de
relações sexuais não tradicionais" e classificou o movimento LGBT como
extremista.
O
presidente russo também já chegou a classificar os direitos LGBT como
"puro satanismo".
Nos
Estados Unidos, alguns apoiadores de Trump vem ainda Putin como um aliado na
guerra contra o que chamam de agenda woke.
O
movimento progressista, que defende principalmente as pautas identitárias e de
diversidade, é acusado pelo presidente dos Estados Unidos de cometer excessos e
ser discriminatório quando implementado em políticas de governo.
O
pesquisador Benjamin Teitelbaum, da Universidade do Colorado, passou anos
estudando como tanto Trump quanto Putin foram influenciados em algum momento de
sua trajetória política por conselheiros que seguiam o Tradicionalismo, um tipo
de conservadorismo clássico que rejeita a 'modernidade'.
No caso
americano, Steve Bannon era visto como um dos
mais poderosos auxiliares nos bastidores da Casa Branca no início do mandato
presidencial de Trump em 2017. Os dois se afastaram após desentendimentos,
mas Bannon segue apoiando as políticas do
atual presidente e fazendo campanha a seu favor.
Teitelbaum
aponta Alexandr Dugin como um nome
importante por trás da base ideológica de Vladimir Putin. Dugin chegou a fundar
um partido, mas sua influência se deu como pensador, à frente de um centro de
estudos geopolíticos e como professor da Universidade Estatal de Moscou, planejando
cursos para instituições militares russas e frequentemente aparecendo nos
principais canais de televisão russos.
E
embora não existam indícios de que os dois líderes tenham estudado a fundo a
doutrina do Tradicionalismo pregada por Bannon e Dugin (ou sigam seus preceitos
à risca em seus governos), o pesquisador americano afirma que a valorização de
ideias conservadoras é certamente um elo que une Trump e Putin.
"Eles
se ligam pelo tradicionalismo com 't' minúsculo, que são as ideias defendidas
por aqueles que querem que o mundo seja como era antes e são atraídos pelo
patriarcado, pela religião e talvez até pelo controle estatal", avalia.
O
especialista afirma, porém, que a defesa de ideias mais conservadores e
anti-liberais é recente na carreira de Putin.
"Putin
passou parte de sua vida política defendendo a ideia de que a Rússia precisava
caminhar em direção ao liberalismo, se afastar de suas tradições e se aproximar
do Ocidente", relata. "Mas aos poucos ele foi mudando seu discurso e
passou a apoiar ideias sobre a identidade russa verdadeira, o nacionalismo e o
conservadorismo."
E
apesar da comparação em torno das visões de Trump e Putin sobre a pauta de
costumes, o líder russo muitas vezes atribui ao Ocidente, e aos Estados Unidos,
uma influência negativa sobre os valores russos.
"Vejo
isso como parte de uma manobra estratégica em relação ao Ocidente e um meio de
construir uma aliança com os elementos insurgentes e renegados da política
ocidental", diz Teitelbaum.
·
Populismo e nacionalismo
Os dois
presidentes também são frequentemente enquadrados no grupo dos nacionalistas e
populistas.
Putin
promove uma visão de grandeza russa, exaltando a soberania, a identidade e o
que classifica como a defesa do povo russo contra as elites ocidentais.
Já o
nacionalismo de Trump fica explícito em seu lema Make America Great
Again (Faça os Estados Unidos Grandes Novamente, em português).
Ele diz
colocar os interesses econômicos, culturais e de segurança do seu país acima de
tudo e usa uma linguagem simples, direta e muitas vezes provocativa que ressoa
com setores da população que se sentem deixados para trás pela política
tradicional, dizem os especialistas.
Vinícius
Vieira, professor da FGV, também aponta que os dois líderes evocam uma suposta
identidade nacional – seja russa e ortodoxa, no caso de Putin, ou cristã e
branca, no caso de Trump.
"Estamos
falando de um nacionalismo claramente étnico-religioso", diz. "A
ideia é etnizar, ou seja, tornar a identidade religiosa e étnica como algo
indissociável da nação, ter uma identidade dominante sem reconhecer identidades
menores", diz Vieira, que é autor do livro Shaping Nations and
Markets: Identity Capital, Trade, and the Populist Rage (Moldando
Nações e Mercados: Capital de Identidade, Comércio e a Fúria Populista, em
inglês).
E se
Putin frequentemente descreve o Ocidente como uma ameaça, Trump faz o mesmo com
imigrantes, o establishment político, a imprensa e países que, segundo ele,
ameaçam a soberania dos Estados Unidos.
"Essa
abordagem é especialmente conveniente para o Putin porque se não se debate a
diversidade russa — que é muito maior do que a americana ou brasileira, e é
herdada do império multiétnico que aquele território já foi no passado, — há
uma tentativa de centralização ainda mais brutal", diz Vinícius Vieira.
"E
não é à toa que a Ucrânia a se torna uma questão crucial nesse contexto, já que
a fundação de Moscou está relacionada
primeiramente à fundação de Kiev", acrescenta.
·
Imperialismo
Segundo
a pesquisadora Vera Tolz-Zilitinkevic, Putin e Trump também ambicionam ampliar
o poder e o domínio de suas nações - seja pela aquisição de territórios ou pelo
controle político e econômico.
"Putin
está conduzindo uma espécie de política neo-imperial. Ele quer expandir as
fronteiras do Estado russo fora dos arranjos do direito internacional",
diz a professora da Universidade de Manchester.
E para
a especialista, as ameaças de Trump sobre comprar a Groenlândia, anexar o Canal
do Panamá e tornar o Canadá o 51º estado americano ecoam a abordagem do
presidente russo.
·
Interesses geopolíticos e econômicos
Mas os
especialistas consultados pela BBC Brasil concordam que a aproximação entre
Trump e Putin é movida também por razões pragmáticas, que vão além de ideologia
e personalidade.
Antes
mesmo de chegar à Casa Branca, o presidente americano já falava que encerrar a
guerra na Ucrânia seria uma de suas prioridades.
Na
visão de Trump e aliados, conflitos de grandes proporções que envolvem várias
potências são um desperdício de dinheiro público e vão contra os interesses
nacionais.
Logo
após tomar posse no final de janeiro, o republicano chegou a afirmar que seu
enviado especial Keith Kellogg conseguiria acabar com a guerra na Ucrânia em
100 dias.
Na
esteira dos interesses econômicos, Estados Unidos assinaram, no último dia
30, um acordo para exploração mineral em território
ucraniano, algo que era aguardado há muito tempo.
De
acordo com uma declaração do Departamento do Tesouro dos EUA, o acordo
contribuirá para os esforços de reconstrução da Ucrânia no pós-guerra.
Já do
ponto de vista da Rússia, especialistas apontam que a proximidade com os
Estados Unidos pode ajudar a legitimar o governo em Moscou.
"Acho
que seria uma tremenda vitória para Putin se os Estados Unidos ao menos
reduzissem as sanções econômicas à Rússia — e não é impossível que isso
aconteça.", diz Vera Tolz-Zilitinkevic. "Esse claramente é um motivo
que os une."
A
pesquisadora afirma ainda que Trump pode ter interesse em expandir os laços
comerciais americanos com a Rússia. "Ele quer fechar um acordo para
explorar os minerais ucranianos — e a Rússia tem ainda mais minerais raros a
oferecer", avalia.
Já o
analista russo Alexander Gabuev acredita que Trump pode estar se aproximando de
Putin para afastar a Rússia da China e reduzir a esfera de influência de
Pequim.
Em entrevista ao serviço russo da BBC, o especialista
afirmou que a equipe de Trump na Casa Branca pode estar buscando repetir a
lógica da Guerra Fria, quando os Estados Unidos se aproximaram da China e
exploraram a divisão sino-soviética para tentar derrotar a então União
Soviética.
"Durante
a campanha eleitoral, Donald Trump disse diretamente que a aproximação entre a
Rússia e a China é contrária aos interesses dos Estados Unidos, e que pretende
separá-los", afirmou.
"Até
onde sabemos, sua equipe, incluindo o conselheiro de segurança nacional
(Michael) Waltz e o secretário de Estado (Marco) Rubio, acredita que as
políticas de Nixon e Kissinger, que se aproximaram da China, e exploraram a
divisão sino-soviética, ajudaram a vencer a Guerra Fria."
"E
que, neste triângulo EUA-China-Rússia (antiga URSS) de grandes potências, vence
o lado que tiver melhores relações com os demais do que os outros têm entre
si."
Fonte:
BBC News Mundo

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