O
paradoxo dos modernos parques eólicos em uma das regiões mais pobres da América
Latina
Quando
José Luis Iguarán põe o pé para fora de casa em La Guajira, no norte da
Colômbia, ele encontra uma linha de 10 torres eólicas, instaladas no terreno
marcado pelos cactos, apontando para o mar do Caribe.
Iguarán
pertence ao grupo indígena Wayuu, que habita aquela região peninsular há
séculos. Eles vivem da criação de cabras, agricultura, mineração de sal e da
pesca.
Com
alguns dos ventos mais poderosos da Colômbia, La Guajira passou a ser o
epicentro da transição dos combustíveis fósseis para a energia renovável no
país.
Mas
esta ambição de produzir energia verde enfrentou resistência e reflexões por
parte dos moradores locais. Afinal, o território tem profundas ligações com sua
cultura, tradições e a natureza.
"Você
acorda e, de repente, não vê mais as árvores", conta Iguarán. "No
lugar delas, você vê e ouve as turbinas."
Sua
comunidade, agora, compartilha a terra com um dos dois parques eólicos da
Colômbia em operação, chamado Guajira 1. Outros 15 parques estão atualmente em
construção em La Guajira e os planos incluem ainda dezenas de outros.
• Problemas vs. benefícios
"À
noite, o barulho das turbinas perturba os nossos sonhos", lamenta Iguarán.
"Para nós, os sonhos são sagrados."
O grupo
Wayuu inclui cerca de 380 mil pessoas na Colômbia. Ele também está presente na
Venezuela e possui tradições e crenças distintas.
Para
eles, os sonhos são uma ponte para o mundo espiritual. Eles recebem mensagens
dos seus ancestrais, que são interpretadas pela família.
Apesar
dos distúrbios culturais, Iguarán afirma que sua comunidade se beneficiou com a
construção do parque eólico Guajira 1.
A
companhia energética responsável pela instalação – a empresa colombiana Isagen
– pagou para que eles tivessem acesso a água potável, melhores rodovias e casas
resistentes de tijolos, que substituíram parte das moradias de barro e cacto.
A
Isagen é de propriedade da canadense Brookfield. Ela também paga para três
comunidades locais uma taxa anual de permanência do parque eólico, além de um
percentual da receita anual com eletricidade e 20% da venda de créditos de
carbono, que são adquiridos por empresas que desejam compensar suas emissões.
Iguarán
acredita que esses projetos energéticos podem ajudar a trazer desenvolvimento,
o que é vital para aquela que é a segunda região mais pobre da Colômbia. Mas
nem todos compartilham do seu entusiasmo.
"Os
parques eólicos produzem energia limpa, mas criam divisões nas comunidades
Wayuu", explica Aaron Laguna, pescador do grupo indígena que mora na
aldeia litorânea de Cabo de la Vela, na Colômbia.
Atualmente,
sua comunidade está em processo de consultas sobre um novo parque eólico a ser
construído nas proximidades. Ele tem visto pessoas que foram afetadas pelo
projeto.
Elas se
queixam da falta de transparência, pouca compensação, desrespeito pelas normas
culturais e corrupção.
"São
feitas negociações desfavoráveis e os recursos fornecidos [para nós] não são
bem gerenciados pelos moradores locais", ele conta.
Estas
preocupações geraram disputas com as empresas geradoras de energia e até
conflitos dentro das próprias comunidades Wayuu. Alguns se opõem aos projetos e
outros se sentem excluídos das negociações que poderiam trazer benefícios às
comunidades.
"Existe
ainda esta ideia de que, se for verde, é automaticamente bom", afirma
Joanna Barney, diretora de meio ambiente, energia e comunidades do think tank
(centro de pesquisa e debates) colombiano Indepaz. A organização pesquisou
extensamente a transição energética e suas consequências para os Wayuu.
"Na
Colômbia... não existe uma estrutura jurídica sólida para avaliar adequadamente
os impactos ambientais", explica ela. "E os impactos sociais são
imensuráveis."
Em
dezembro de 2024, a empresa espanhola EDP Renováveis suspendeu seus planos de
construção de dois parques eólicos em La Guajira. Para a companhia, os projetos
não eram mais economicamente viáveis.
Um
fator foi que o número de comunidades indígenas locais que declararam que
seriam afetadas – e, portanto, precisariam de compensação – dobrou, de 56 para
113.
A
decisão da EDP se seguiu à saída, em maio de 2023, da multinacional italiana
Enel de outro projeto de um parque eólico na região.
A Enel atribuiu
sua desistência aos "constantes protestos" que impediram os trabalhos
de construção por mais da metade dos dias úteis, entre 2021 e 2023.
Guajira
1 também foi prejudicada pelos bloqueios das estradas, uma forma comum de
protesto dos moradores locais de La Guajira, quando sentem que não estão sendo
ouvidos.
A
Indepaz registrou casos de ataques contra funcionários das empresas geradoras
de energia, incluindo sequestros e assaltos à mão armada. E, em algumas
regiões, houve casos de deslocamento e violência entre comunidades locais que
não concordam com os parques eólicos vizinhos.
"Chamamos
de 'guerra dos ventos'", afirma Barney.
• Dois mundos que não se conversam
Para o
antropólogo colombiano Wieldler Guerra, existe uma clara desconexão entre os
Wayuu e as empresas construtoras de parques eólicos.
"Existem
dois mundos diferentes conversando e eles não conseguem se entender",
compara ele.
Este
fosso se estende à própria forma em que eles percebem o vento, que é o elemento
central destes projetos.
"Para
os Wayuu, os ventos são pessoas. Não é o vento – são os ventos."
"Existem
oito ventos diferentes na cultura Wayuu. Eles são seres mitológicos e
ancestrais com temperamentos distintos, que moldam o ambiente à nossa volta e
devem ser respeitados."
Já as
empresas e o governo colombiano consideram que o vento é um recurso a ser
explorado para atingir o progresso ambiental, obter lucro e atender às
necessidades energéticas do país.
A
Colômbia possui uma matriz elétrica doméstica relativamente limpa. Cerca de
dois terços da sua eletricidade vêm de usinas hidrelétricas.
Mas o
país ainda é vulnerável aos baixos níveis dos reservatórios, o que cria o risco
de falta de energia. Atualmente, a energia eólica contribui com apenas 0,1% da
matriz energética.
Para as
companhias geradoras de eletricidade que investem na região, o risco de
conflitos com moradores locais é uma perspectiva preocupante.
Uma
dessas empresas, a AES Colômbia, está desenvolvendo em La Guajira o maior
conjunto de energia eólica do país, composto por seis parques.
A
empresa afirma que mantém diálogo aberto com as comunidades e oferece
compensação justa e benefícios, como água potável e participação nos créditos
de carbono.
Mas ter
boas relações com a comunidade não é suficiente, segundo a companhia.
"Não
podemos fazer estes projetos sozinhos", afirma o gerente-geral da AES
Colômbia, Federico Echavarría. Para ele, "o governo precisa ajudar a
resolver os conflitos entre as comunidades".
Na
praia de Cabo de la Vela, uma região com fortes ventos, Aaron Laguna afirma que
La Guajira é historicamente negligenciada pelo Estado colombiano.
A
educação e a assistência médica são ruins e a maioria das comunidades rurais
não tem água corrente. Algumas pessoas andam horas, todos os dias, para coletar
água nos jagüeys, reservatórios abastecidos com água da chuva.
Sua
comunidade conta com uma pequena instalação de tratamento de água salgada, que
produz água doce. Ela quer que a companhia que planeja construir o parque
eólico próximo amplie as instalações, para beneficiar outros moradores locais.
Apesar
de se falar em progresso, Laguna destaca um paradoxo persistente: "O pior
é que não receberemos um único kW da eletricidade produzida aqui."
O
projeto é que a eletricidade do parque eólico seja enviada para outros lugares,
enquanto a aldeia continuará a depender dos geradores, pelo menos a médio
prazo.
O
futuro pode parecer brilhante para a energia limpa, mas muitos Wayuu ainda
receiam serem deixados no escuro.
• Petrobras já enviou 4 cartas ao IBAMA
por foz do Amazonas, mas nega pressão
Desde
que concluiu as obras do centro de tratamento da fauna em Oiapoque, no extremo
norte do Amapá, no início de abril, a Petrobras diz que cumpriu a última
exigência do IBAMA para obter a licença para o poço de petróleo que quer
perfurar no bloco FZA-M-59, na foz do Amazonas. O órgão ambiental, porém, não
confirma essa “certeza”.
Ainda
assim, a empresa vem cobrando sistematicamente o IBAMA. Chegou a “sugerir” uma
data para que a vistoria ocorresse – 7 de abril. Depois, deu uma espécie de
“ultimato” para que o órgão se manifestasse até ontem (15/5), autorizando o
deslocamento da plataforma que escolheu para perfurar o poço.
Mas,
para a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, enviar 4 cartas ao IBAMA em
cerca de um mês não é pressão sobre o órgão ambiental, mas “uma resposta”. Foi
o que ela disse à Miriam Leitão em entrevista na Globonews, cujos destaques a
jornalista tratou em seu blog n’O Globo.
“No ano
passado, nos comprometemos a entregar as últimas exigências do IBAMA. A última
foi mais um centro de despetrolização da fauna, agora no Oiapoque [o outro é em
Belém, a 800 km do bloco 59], que foi autorizado pelo instituto ambiental
amapaense. Como entregamos tudo logo no início de abril e estamos em maio, toda
semana avisamos ao IBAMA: ‘Olha, está tudo pronto aqui’”, disse a executiva.
Segundo
Magda “Let’s drill, baby” Chambriard, as comunicações ao órgão ambiental são
apenas para “avisar” que estão prontos para a fiscalização e que “atenderam
todas as exigências”, relatou o Valor. “E o IBAMA tem que nos fiscalizar
enquanto autorizador”, lembrou ela. É fato. Mas a presidente da Petrobras “só”
esqueceu que o momento em que isso ocorre é prerrogativa da autarquia, não do
fiscalizado.
De
acordo com a Agência Infra, a última
carta foi enviada à Rodrigo Agostinho, presidente do IBAMA, na 2ª feira (12/5).
No documento, a Petrobras “lembra” o órgão de marcar a avaliação
pré-operacional (APO), simulado de vazamento no bloco 59 e última etapa antes
da concessão [ou não] da licença, até 15 de maio. Além disso, o
gerente-executivo de Segurança, Meio Ambiente e Saúde da petroleira, Flaubert
Matos Machado, cobrou que o órgão se manifestasse para que a empresa iniciasse
os preparativos para deslocar a sonda de perfuração.
Na
carta, a Petrobras informou ainda que realizou um simulado interno, entre 6 e 8
de maio, no centro de fauna no Oiapoque, e o resultado comprovou o atendimento
ao tempo de resposta previsto no manual de boas práticas do IBAMA. Essa
simulação foi feita pela equipe da petroleira, lembrou o Valor.
Em
coletiva sobre os resultados da Petrobras no 1º trimestre, Magda disse que “é
muito difícil” que a licença não saia em uma “região tão carente”, destacou a
CNN. Essa narrativa é batida entre os defensores da exploração do petróleo no
Brasil “até a última gota”. Mas o histórico da indústria fóssil prova o
contrário, como lembrou Marcos Pedlowski, da Universidade Estadual do Norte
Fluminense (UENF).
“A
justificativa para a exploração petrolífera de uma área de alta importância
socioecológica é a alegação manjadíssima de que a renda do petróleo extraído na
foz do Amazonas será revertida em desenvolvimento de uma nova matriz energética
e na superação da pobreza. Como habitante de um dos primeiros municípios a
usufruir dos benefícios da Lei de Petróleo, que gerou bilhões em rendas
municipais, sou testemunha ocular de que a exploração do petróleo não aliviou
em nada os níveis de pobreza, servindo apenas para aumentar a já indecorosa
concentração de riquezas que existe no Brasil”, reforçou, em artigo na Nova
Democracia.
Fonte:
BBC News/ClimaInfo

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