sexta-feira, 16 de maio de 2025

O erro de achar que a água cai do céu!

Até bem pouco tempo quando se falava em seca, principalmente na mídia, era quase sempre na região conhecida como semiárido nordestino, no Sul Maravilha a questão da água sempre foi tratada como um problema de gestão e de engenharia. Pouco se fala da necessidade de se “produzir água”, e isso não é um problema de engenharia, mas de gestão de recursos naturais.

Os órgãos especializados na gestão de água e mananciais no Brasil, como a Agência Nacional de Águas e diversas universidades vêm alertando há alguns anos que a gestão de água no Brasil é casual, não é integrada e não tem uma relação direta com a questão fundamental da produção da água. O tema, aliás, é tratado por muitos engenheiros com certo desdém, sob o argumento de que “não é possível produzir água”, afinal, ela cai do céu. No entanto, o cuidado com rios e mananciais é fundamental para que as empresas de captação e tratamento possam ter disponível água de boa qualidade.

•        Os “rios voadores” da Amazônia irrigam o Brasil

E mesmo a questão do “cair do céu” requer alguma atenção especial, pois a água não é gerada no céu, verdadeiros rios aéreos circulam em torno do planeta e, no Brasil especialmente, trazem água do Caribe, reciclam sobre a Amazônia, chovem sobre o Pantanal e irrigam as lavouras e as cidades do Sul/Sudeste. Há excelentes trabalhos realizados pelo cientista Antônio Nobre, do INPE –Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – e do INPA – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – que mostram essa dinâmica em detalhes e porque se corre o risco de transformar o clima da região de maior PIB do país em um deserto.

O tema produção de água esteve presente na discussão do Código Florestal, aprovado em 2012, quando a redução das áreas de proteção às margens de cursos d’água foi colocada como fator fundamental para o aumento de produtividade nas propriedades rurais.  Nessa época a discussão ficou centrada em pode ou não pode, não se colocou de forma incisiva a necessidade do pagamento por serviços ambientais que essas áreas prestam à economia e à sociedade brasileira. Venceu o interesse individual. Essas áreas deveriam ter sido tratadas como “produtoras de água” e, portanto, remuneradas por isso.

•        Criar condições ideais para a água

Há algumas questões estruturais quando o tema é produção de água. A primeira é entender que apesar de não se poder construir um “fábrica de água”, é possível criar condições favoráveis para que o ciclo vital da água se realize de forma mais intensa. Para isso é preciso recuperar e preservar áreas de nascentes e proteger os cursos d’água com a ampliação da cobertura florestal em suas margens o máximo possível.

Outra questão importante é entender que parte da “função social” da terra é preservar os serviços ambientais por ela prestados. Assim, os proprietários e produtores rurais devem fazer parte de uma grande rede de produtores de água, capacitados, com tecnologia, assistência técnica e os recursos necessários para a identificação de nascentes e cursos d’água eventualmente secos pela derrubada da mata e implantação de plantios ou pastagens, e a realização das ações necessárias para a recuperação e preservação dessas fontes de água.

Produtores rurais também devem ser apoiados em ações que ajudem a proteger os mananciais em sua propriedade ou adjacentes da contaminação por qualquer tipo de produto químico utilizado nas lavouras ou com os animais. Esses produtos quando levados aos rios são contaminantes de alto impacto para a biodiversidade e torna o tratamento da água mais caro.

Bom, mas como fazer com que essa rede de fato funcione? Isso não é uma novidade, o pagamento por serviços ambientais, já bastante conhecido pela sigla PSA, é um tema em discussão há muito tempo e já aplicado com sucesso em diversas modalidades, inclusive na produção de água.  Mas é preciso uma Política de Estado para que ele seja visto como um investimento fundamental para a segurança hídrica do país. E no caso específico da região Sudeste, uma política universal instituída no sistema de coleta, tratamento e distribuição de água.

O abastecimento das duas principais regiões metropolitanas do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro, é ameaçado por conta da superutilização dos mananciais, já bastante poluídos e degradados por conta da falta de uma visão mais sistêmica, onde a preservação e a gestão devem caminhar de mãos dadas. O sistema Cantareira tornou-se o vilão da hora para a mídia, mas não é o único e talvez nem seja o principal. O sistema do Paraíba do Sul, que alimenta o Vale do Paraíba e o Rio de Janeiro também não suporta mais sua carga, com águas poluídas e margens devastadas.

•        A água no mundo é sempre a mesma

O fato de chover de forma irregular em grande parte do Brasil, e levar ao colapso sistemas de abastecimento, não significa que exista menos água circulando pelo país. Acredita-se que a quantidade de água que circula sobre o país seja basicamente a mesma de sempre, no entanto, os desequilíbrios existentes nos ecossistemas faz com que o regime de chuvas seja errático, por isso grandes enchentes em algumas regiões com grandes inundações por um lado e secas de outro.

As políticas de gestão de recursos hídricos devem tomar vulto, é preciso  discutir os modelos. Visão de gestão que inclua a recuperação ambiental dos rios e mananciais, modelo de operação das empresas concessionárias que disputam entre si para obter vantagens em captação e não se responsabilizam de fato pelos investimentos necessários em tratamento de esgotos e por ai vai.

No momento a crise hídrica está sob controle. Pode-se esquecer do assunto até a próxima seca (que virá com toda a certeza) ou trabalhar para recuperar a capacidade de produção de água dos biomas regionais e nacionais e manter os sistema de abastecimento funcionando com conforto para a economia e para as pessoas.

•        Soluções Baseadas na Natureza são essenciais para cidades costeiras

Cidades engolidas pelo mar podem parecer cena de ficção científica, com previsões exageradas sobre o fim do mundo. No entanto, um novo alerta da agência Nasa, dos Estados Unidos, no último mês de março mostrou que, em 2024, o nível global do oceano subiu 0,59 centímetros, superando as previsões iniciais de 0,43 centímetros. Os cientistas apontam um crescimento acelerado desse processo, que já ultrapassou 10 centímetros nas últimas três décadas.

No Brasil, cidades e regiões como a Ilha do Governador (RJ), Duque de Caxias (RJ), Ilha do Marajó (PA), Belém (PA), Oiapoque (AP), Reserva Biológica do Lago Piratuba (AP), Parque Nacional dos Lençois Maranhenses (MA), Porto Alegre (RS) e Pelotas (RS) estão entre as mais vulneráveis, de acordo com a Nasa, enfrentando riscos cada vez maiores de inundações e erosão.

As crises climática e de biodiversidade têm afetado um número crescente de pessoas, populações inteiras, exigindo ações urgentes de adaptação e resiliência. Nesse contexto, a natureza pode e deve ser uma grande aliada. As Soluções Baseadas na Natureza (SBN) aproveitam benefícios naturais para mitigar impactos ambientais e sociais, ao mesmo tempo em que restauram ecossistemas e fortalecem a resiliência das cidades.

Investir em SBN é essencial para preparar os centros urbanos para eventos climáticos extremos e torná-los sustentáveis e adaptados. No caso das cidades costeiras, essas soluções são ainda mais urgentes. No Brasil, cerca de 54,8% da população vive a até 150 quilômetros da costa, conforme o Censo de 2022, o que destaca a urgência de estratégias para proteger essas regiões. A falta de planejamento urbano e a ocupação desordenada agravam a vulnerabilidade dessas localidades, tornando-as mais suscetíveis a enchentes e erosão.

Durante a mais recente Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, a COP 29, no Azerbaijão, a Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica apresentou um mapeamento dos principais riscos enfrentados pelas zonas costeiras brasileiras e elencou exemplos de SBN para a adaptação das cidades ao atual momento climático. Entre eles, o Parque Orla Piratininga, em Niteroi (RJ). Considerado o maior projeto de SBN no país, o parque alia infraestrutura verde a espaços de lazer, prevenindo enchentes e melhorando a qualidade da água da Lagoa de Piratininga. Com 680 mil metros quadrados, inclui ciclovias, trilhas e sistemas ecológicos como biovaletas e alagados construídos.

É preciso disseminar os diversos benefícios que a natureza oferece para a cidade, muitas vezes de forma mais econômica do que intervenções convencionais. São desde telhados e tetos verdes, jardins de chuva e parques de bolso – que contribuem para a absorção de água da chuva pelo solo e conforto climático – até projetos mais complexos como soluções de eco engenharia para conter a força das ondas do mar, parques alagáveis, parques lineares, jardins filtrantes, corredores ecológicos e biovaletas. Também podem ser consideradas SBN a conservação e recuperação de ecossistemas naturais costeiros como florestas, manguezais, marismas, restingas e recifes de corais.

Esses exemplos mostram que é possível criar soluções para minimizar os impactos ambientais e fortalecer nossas comunidades. No entanto, a implementação de SBN deve fazer parte de uma abordagem mais ampla, envolvendo planejamento urbano integrado, políticas públicas eficazes e, principalmente, o engajamento das comunidades locais. A participação ativa da população permite que essas soluções se tornem práticas permanentes no cotidiano das cidades.

O momento de agir é agora. Se as cidades brasileiras ampliarem o uso dessas práticas, o país poderá se tornar um exemplo global de resiliência urbana frente aos impactos das mudanças climáticas. A transformação está ao nosso alcance e depende de cada um de nós valorizarmos e compreendermos a natureza como aliada para um futuro sustentável.

 

Fonte: Envolverde

 

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