sexta-feira, 16 de maio de 2025

Luís Nassif: A volta das políticas de planejamento e gestão

Uma das principais ferramentas de políticas públicas é a gestão. Os cuidados com a gestão pública começaram no governo Fernando Henrique Cardoso, continuaram nos governos Lula, não receberam estímulo – mas não houve retrocesso – no governo Dilma, e desapareceu do radar nos governos Temer e Bolsonaro.

Esse é o grande problema nacional: a incapacidade da opinião pública se dar conta das políticas públicas relevantes e da necessidade de continuidade na sua implementação.

No período áureo dos programas de qualidade e inovação, uma das organizações relevantes era o Conselho Nacional do Secretários de Planejamento (Conseplan). Muito tempo atrás, quando o movimento começou a perder fôlego, fui convidado a um encontro em Salvador. Lá, indaguei as razões do desestímulo. O motivo era um só: a incapacidade de imprensa de entender a relevância do tema.

Todo projeto de reformulação de processos cria problemas, naturais. Mas cada problema que surgia gerava manchetes na mídia. Depois do processo implementado, não havia mais problemas. Mas também não era assunto.

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Prova dessa incapacidade crônica da mídia foi a absoluta falta de notícias sobre o 1o Congresso Nacional de Secretários Estaduais de Planejamento, realizado de 6 a 8 de maio em Brasília. O congresso juntou gestores públicos e pesquisadores para discutir o relevantíssimo tema “A reconstrução do Planejamento Nacional”.

As principais resoluções do Congresso foram:

  1. Fortalecimento da governança intergovernamental.
  • A colaboração entre União, estados e municípios é essencial para a construção de políticas públicas eficazes. A ministra Simone Tebet destacou a importância de uma atuação articulada entre as esferas de governo para atender às necessidades da população
  1. Modernização do planejamento tributário.
  • Com a contribuição imprescindível de Nelson Machado, foi enfatizada a necessidade de revisar a estrutura orçamentária brasileira, propondo a eliminação de práticas como o contingenciamento excessivo e a proibição de reprogramação de dotações entre exercícios.
  1. Integração de Dados para Planejamento Estratégico.
  • O presidente do IBGE, Márcio Pochmann, ressaltou a importância da integração das bases de dados públicas como instrumento essencial para o ciclo do planejamento nacional, da formulação à avaliação das políticas públicas.
  1. Promoção da Inovação e Eficiência na Gestão Pública
  • A importância de adotar tecnologias e processos inovadores para aumentar a eficiência e o impacto das políticas públicas. A utilização de inteligência artificial, tecnologias de comunicação e informação, e processos colaborativos.
  1. Reconhecimento de Boas Práticas
  • O evento premiou os melhores trabalhos técnico-científicos apresentados, incentivando a disseminação de boas práticas e experiências bem-sucedidas no setor público.

Ponto central do planejamento é a necessidade de envolver as organizações da sociedade civil, única maneira de garantir a continuidade dos programas. E também de dar consistência ao programa Brasil 2050 – organizado pelo Ministério de Orçamento e Planejamento – de maneira a integrar-se com o planejamento estadual e municipal.

Ponto relevante é entender que gestão e planejamento não são temas ideológicos. Servem a qualquer política, garantindo a eficácia dos programas públicos.

·        A inteligência pública

Aliás, é interessante a maneira como involuiu e evoluiu a administração pública. No período tenebroso Temer-Bolsonaro foram desmontadas todas as políticas públicas. Mas foram preservados os órgãos de controle – embora embaçados no período Bolsonaro.

A consequência é que organizações como os Tribunais de Contas, a CGU (Controladoria Geral da União) aprimoraram as ferramentas de avaliação de políticas públicas.

Na outra ponta, houve um retrocesso enorme nas administrações municipais, ocupadas por toda sorte de aventureiros que ascenderam com os ventos do bolsonarismo e das redes sociais.

Hoje em dia, os TCs, assim como organizações públicas como o IPEA, IBGE, ENAP, FINEP, estão aptos a consolidar os programas plurianuais integrados, trazendo de volta a bandeira do planejamento e da gestão.

¨      Lula na China: a vitória dos idiotas da mediocridade

Quando o Brasil saiu da longa ditadura, especialmente depois que Lula assumiu a presidência, a informalidade tornou-se uma das ferramentas do soft power brasileiro. A informalidade de Lula cativou governantes de todos os quadrantes. Foi peça chave para a simpatia despertada em George Bush, pai. Na cerimônia de escolha do país-sede da Copa do Mundo, o Brasil ganhou da Espanha. Imediatamente Lula foi até o presidente espanhol José Luis Rodríguez Zapatero e deu-lhe um abraço de solidariedade. No final do ano, a mídia indagou de Zapatero qual seu momento mais emocionante. E ele mencionou o abraço de Lula.

O trabalho realizado por Domenico Di Masi sobre a Cara do Brasil, definiu como pontos centrais o Carnaval carioca e as festas populares do nordeste. A (falsa) democracia social das praias, mulheres bonitas, ritmos alegres, a informalidade contagiante do maior símbolo brasileiro nos Estados Unidos – Carmen Miranda – tudo isso contribuiu para fortalecer esse lado alegre do brasileiro.

Nos anos 2000-2010, praias francesas e italianas passaram a ostentar as cores verde-amarela. Na época, almocei com executivos de empresas italiana e francesa que me explicaram o motivo: a informalidade brasileira.

Apenas um invencível sentimento de viralatice, dos internacionalistas apud Miami, envergonham-se dessa informalidade.

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Certa vez fui convidado para uma entrevista na MTV. Em determinada hora abriu-se o “momento de desancar Lula”. A apresentadora dizia do ridículo de Lula recomendando aos futuros turistas, que viriam para o Panamericano e para a Copa, evitarem ruelas escuras, por questão de segurança.

  • O presidente da República comportando-se como um guia turístico!, comentou a âncora.

Na minha vez, falei do maior ativo brasileiro: a informalidade e o abraço. E dei como exemplo a cena de nascimento de Zé Carioca. Aparece Pato Donald na cena. Depois, um pincel vai construindo Zé Carioca. Quando termina o desenho, Zé Carioca ganha vida e dá um enorme abraço em Pato Donald – que recebe com os olhos esbugalhados de satisfação.

A reação enorme dos jornalistas brasileiro à tal fala de Janja, alertando para os problemas do TikTok obedecem ao chamado “apito de cachorro”, uma enorme bobagem ao qual aderiram jornalistas experientes.

De repente, novas âncoras, baluartes do feminismo, renderam-se ao sexismo mais primário. Uma delas chegou a dizer que Janja abusava das intervenções porque seu marido, Lula, permitia. Natuza de Deus, até você?

Enviados especiais da Folha, um deles até pouco tempo atrás titular de uma excelente coluna sobre a imprensa mundial, deixaram de lado qualquer veleidade analítica e debruçaram-se sobre essa loucura, de Jecas envergonhados pelo suposto papelão de conterrâneos na China.

Tenho um aplicativo do The New York Times. Toda notícia que entra obedece ao conceito de relevância. É esse conceito que, para o bem ou para o mal, tornou a grande imprensa mundial co-partícipe na construção das grandes políticas públicas.

Hoje em dia, no Brasil, o modelo da mídia tupiniquim não é mais o The New York Times, Financial Times, Reuters, BBC; são as mídias sociais. Os idiotas da mediocridade venceram e passaram a dominar toda a cobertura.

As poucas matérias analíticas ficam relegadas ao pé de página e longe das manchetes.

<><> É a geopolítica, estúpidos!

A diplomacia brasileira, de volta ao tabuleiro internacional depois da gestão terraplanista de Ernesto, tem uma estratégia mantendo a tradição do Itamaraty de não alinhamento automático. Na atual guerra das tarifas manteve-se equidistante, sem enfrentar Donald Trump e sem ceder às suas ameaças.

Em um momento em que a geopolítica mundial é revirada de ponta cabeça, há grandes possibilidades de alianças que, se bem conduzidas, permitirão um salto para o país. Com a desagregação do império norte-americano, o Brasil tornou-se um player cobiçado pela Europa, China, Rússia, Índia e todos os grandes países do globo.

A viagem de Lula à Rússia e à China fazem parte de uma estratégia maior, de tirar vantagens em um mundo em disputa. Foi a estratégia que permitiu ao país o grande salto de industrialização dos anos 30 e 40. Primeiro, conseguindo maquinário alemão, na base do escambo, de troca por alimentos, driblando a falta de divisas de ambos os países. Depois, aliando-se aos Estados Unidos e conseguindo o investimento libertador que permitiu a construção da Companhia Siderúrgica Nacional. Agora, tem-se um quadro muito mais complexo, em um mundo multipolarizado.

Em países desenvolvidos, a mídia corporativa é participante ativa na construção de políticas públicas, identificando os temas relevantes e contribuindo com opiniões consistentes, à altura dos atores envolvidos na história. Um jornal como The New York Times fala de igual para igual com a diplomacia e com o Departamento de Estado levantando fatos e análises.

O Brasil já tem um bom quadro de acadêmicos especializados em geopolítica. Mas a cobertura das viagens de Lula à China é de uma pobreza humilhante, com o uso do chamado “apito de cachorro”, fazendo com que a maioria absoluta dos jornalistas da imprensa corporativa se comportassem como meros repórteres de variedades, visando transformar a não-notícia em notícia.

Lula traz uma conjunto expressivo de vitórias.

  • Acordos comerciais e investimentos.
  • Fortalecimento da cooperação em infraestrutura.
  • Compromisso com o multilateralismo.
  • Promoção de nova governança global

Quem quis análises aprofundadas da viagem precisou ler a Reuters, a RTP (Rádio e Televisão de Portugal).

Há inúmeros temas relevantes a serem discutidos e questionados. Por exemplo, nos investimentos em ferrovias, qual a parte que caberá à indústria brasileira, tanto a ferroviária quanto a siderúrgica? Na vida de montadoras chinesas ao país, quais os compromissos fechados sobre a nacionalização da indústria de componentes e a transferência de tecnologia? Nos acordos de pesquisa conjunto, como assegurar o aproveitamento dos resultados por empresas brasileiras?

Mas por aqui, foi um horror de cobertura, oscilando entre as críticas à Lula por ter ido a países não democrático, e a fala de Janja no jantar.

¨      O jornalismo de irrelevâncias e o episódio Janja x Tik Tok

Sempre que você ler uma notícia que fala de “sentimentos” de pessoas, fique com um pé atrás: é truque primário do jornalista para “esquentar” a sua notícia.

Durante meses, uma colunista de O Globo soltava dia sim dia não notas sobre o “incômodo” de militares com qualquer coisa. Lula falou A? A frase “incomodou” militares. Ou seja, tinha uma fonte militar que ficava dando palpite sobre tudo. E os palpites eram transformados em “incômodo” coletivo. E o uso do “incômodo” esquentava a nota, dava alguma relevância a uma informação irrelevante.

Depois, parou por excesso de ridículo.

O episódio do suposto “incômodo” causado por Janja em um jantar com o presidente Xi Jinpijng é do mesmo nível de ridículo. Os autores do “furo” foram os jornalistas Andrea Sadi e Valdo Cruz. Segundo os jornalistas: “Além de Xi Jinping, a primeira-dama da China, Peng Liyuan, teria ficado irritada com o comportamento de Janja durante o encontro. A postura da brasileira foi considerada desrespeitosa em relação ao presidente Xi Jinping”.

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A fonte teria sido um Ministro de Lula.

Há um teste básico para qualquer notícia: o da verossimilhança. Teria sido fácil aos dois repórteres, fossem um pouco mais atilados, submeter a informação a esse teste.

Havia duas maneiras das tais fontes terem constatado o mal-estar provocado:

  1. Xi Jinping manifestar o desconforto durante o jantar. Alguém acha minimamente verossímil que, em um jantar que sela uma visita essencial para ambos os países, e sabendo do comportamento austero dos chineses, pudesse ter havido qualquer manifestação perceptível de desconforto em relação a uma frase banal? É evidente que não.
  2. Xi Jinping ser confidente de dois ministros que, por seu histórico político, não tem a mínima ideia sobre procedimentos diplomáticos, nem envergadura para conversas a sós com o mandatário chinês.

Lula tem uma relação de décadas com XI Jinping. E os gênio da mediocridade dizendo que “não era lugar de Lula falar tal coisa”. É de uma baboseira incrível.

Ouvindo a Globonews, agora de manhã, o nível de primarismo das análises é chocante. Um amontoado de palpites que ficariam melhor em conversas de bar.

A única observação pertinente foi de Daniela Lima – um peixe fora d’água em meio a tantos gênios da mediocridade. Segundo ela, o episódio permite tirar apenas uma conclusão: a de que Janja é torpedeada por fogo amigo, e há muito tempo.

Quando menciono “gênios da mediocridade”, baseio-me na definição de Luiz Weiss sobre aqueles jornalistas capazes de extrair, de cada fato importante, a informação mais irrelevante e, por isso mesmo, mais acessível ao “leitor mediano”. É curioso, porque a GN deveria buscar um público mais qualificado, mais de acordo com as TVs a cabo. Mas a mediocridade sempre sai vencedora.

Lembro que a repórter Andrea Sadi foi a mesma que, nos dias que antecederam a entrega de Lula à Polícia Federal, divulgou a falsa informação de que Lula resistiria à prisão. Imediatamente advogados de Lula entraram em contato com ela, pedindo um desmentido, já que a notícia, embora falsa, poderia provocar uma invasão da PM, com consequências dramáticas. Ela se recusou a corrigir a informação. Ligaram então para Natuza Nery, que divulgou o desmentido.

 

Fonte: Jornal GGN

 

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