sexta-feira, 16 de maio de 2025

'Leão 14 é o papa da Amazônia', define embaixador brasileiro que quer convidar pontífice para COP no Brasil

No tabuleiro de xadrez da geopolítica mundial, transições de governo sempre são acompanhadas com atenção pelos titulares das embaixadas. Experiente, o diplomata brasileiro Everton Vieira Vargas diz que avalia convidar o novo papa, Leão 14, para participar da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, que ocorrerá em Belém no mês de novembro.

Vargas é embaixador do Brasil junto à Santa Sé desde 2023. Em entrevista à BBC News Brasil, ele diz que está na mesa a ideia de formalizar o convite. "Vejamos se ele poderá aceitar", pondera.

"A presença dele seria importante, pois não só o papa Francisco alçou a mudança do clima ao topo da agenda da Igreja, mas também porque o Peru [onde Leão 14 atuou] é o maior país da Amazônia após o Brasil. A preservação da região amazônica é muito importante nos esforços globais para mitigar a mudança do clima", frisa Vargas.

Em conversa de mais de uma hora com a reportagem na última segunda (12), o embaixador ressaltou a expectativa de que Leão 14 represente uma continuidade das preocupações trazidas por seu antecessor, papa Francisco (1936-2025), e valorizou o caráter amazônico da trajetória do norte-americano Robert Francis Prevost.

"Acho que, a partir da carreira dele, é mais um bispo sulamericano e amazônico. Este é um ponto importante. Ele atuou em outra realidade e acho que isso é extremamente importante que tenhamos em mente, sobretudo essa dimensão amazônica dele que até agora eu praticamente não vi [ninguém trazendo ao debate]", comenta Vargas.

Embora seja nascido em Chicago, nos Estados Unidos, Prevost viveu boa parte da vida no Peru. Ele atuou lá como missionário nos anos 1990 e, de 2014 a 2023 ele foi bispo da diocese de Chiclayo, na região norte do país vizinho ao Brasil.

Um dos oito países amazônicos, o Peru detém a segunda maior área da floresta, atrás apenas do Brasil, com mais de 70 milhões de hectares que ocupam quase 60% de seu território. "Chiclayo fica exatamente no comecinho da Amazônia peruana", frisa Vargas. O extremo leste da região abrangida pela diocese é limítrofe à transição para a área considerada de selva.

"Claro que ele deve ter opiniões sobre a Amazônia e sobre questões como a mudança do clima, sobre a questão ambiental, etc. Acho que vamos ter muito diálogo para fazer com ele, se a agenda permitir", vislumbra o embaixador.

Na próxima sexta-feira (16), o embaixador brasileiro deve se reunir com o novo papa, em encontro previsto com os corpos diplomáticos que atuam na Santa Sé. Considerado o "primeiro cardeal da Amazônia", o cardeal arcebispo de Manaus, Leonardo Ulrich Steiner, também fez convite semelhante ao seu colega recém-eleito para comandar a Igreja Católica.

O vice-presidente Geraldo Alckmin deve representar o governo brasileiro na missa de inauguração do papado de Leão 14, cerimônia chamada de entronização. Ele também pretende fazer o convite para que o papa faça uma visita oficial ao país, que tem o maior contingente de católicos do planeta e foi o endereço da primeira viagem apostólica do papa Francisco, em 2013.

Sobre a transição entre os pontificados, Vargas avalia que o norte-americano Prevost já era por ele visto como "um homem que tem todas as qualidades e experiências esperadas de um papa nos dias de hoje".

"Traz uma experiência administrativa significativa, uma experiência pastoral […] e é um homem que estudou muito, já que os agostinianos [ordem religiosa à qual ele pertence] estão entre os mais preparados da Igreja Católica", afirma o embaixador. "E como superior geral de sua ordem [cargo que ele ocupou por dois mandatos, de 2001 a 2013] ele viajou o mundo todo."

"Claro que ele é discreto. Não é uma pessoa que andava circulando aqui no Vaticano, fazendo visita, visitando todo mundo", comenta. "Eu o conhecia apenas de vista."

Diante do fato de que muitos analistas esperam do papa uma posição incisiva a respeito de alguns temas da política de seu país natal, governado pelo republicano Donald Trump, o embaixador diz que "não seria prudente" e "não seria honesto" comentar no momento, "ficar elaborando aqui sobre um tema onde o meu conhecimento é muito superficial".

Mas ele recordou que, recentemente, o religioso "escreveu tuítes na internet criticando posições, coisas pontuais, […] em relação à questão das deportações" — na rede social X, antigo Twitter, o então cardeal Prevost compartilhou algumas vezes conteúdos contrários à política migratória do governo Trump.

"Não conheço qual é o pensamento dele especificamente em relação à política americana, de modo particular à política americana atual", acrescenta Vargas.

·        Igreja e Brasil

Segundo o embaixador, o peso global que o Brasil tem no âmbito do catolicismo torna as relações diplomáticas com a Santa Sé mais estreitas. "E, nos últimos anos se intensificaram muito porque havia uma relação muito próxima entre o papa Francisco e o presidente Lula", recorda.

"Isso se intensificou com a condenação, felizmente revertida, do presidente Lula. Na prisão [onde ele ficou por 580 dias a partir de abril de 2018], o papa Francisco escreveu cartas de conforto ao presidente. E quando ele foi libertado, a primeira viagem internacional que fez foi ao Vaticano, e foi recebido pelo papa, tiveram uma conversa animada", relata o embaixador.

Vargas também lembrou que ao longo do terceiro mandato presidencial, Lula esteve com Francisco em 2023 e 2024. E, no ano passado, o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal italiano Pietro Parolin, visitou o Brasil duas vezes.

"Todos os assuntos são de interesse à Santa Sé", comenta. "Não há assunto relevante na política internacional que não atraia a atenção do Vaticano." Vargas destacou o discurso de apresentação de Leão 14, ocorrido na última quinta, no qual ele pediu paz no mundo. O embaixador lembrou ainda que temas como direitos humanos, combate à fome e à pobreza, a questão da justiça social e, mais recentemente, "a mudança do clima", também estão sempre no radar da Igreja.

Questionado se a alta cúpula do Vaticano o procura para tratar de temas considerados "espinhosos" dentro da moral cristã, como debates atuais sobre flexibilizar a legislação do aborto no Brasil ou mesmo discussões acerca de direitos LGBTQIA+, ele tergiversa. "Não, não… A Igreja tem o melhor serviço de informações. Não há país que tenha um serviço de informações assim", diz. "Claro que é uma imagem um pouco caricata, mas você tem um padre em cada esquina. Esse cara sabe de tudo. Não precisa da embaixada [para saber]: basta perguntar ao padre da paróquia. E ao lado do padre você tem uma conferência nacional de bispos [a CNBB], e você sabe que o Brasil é o país que tem o maior episcopado do mundo."

Vargas lembra que "todos os anos a CNBB" visita o Vaticano "para discutir temas de interesse da Igreja". "E lógico que essas visitas sempre incluem uma conversa com o Santo Padre", comenta.

"Eles podem pedir uma opinião [para mim], o que nunca aconteceu nesses dois anos em que estou aqui. Nunca aconteceu de chegarem aqui, 'ah, embaixador, como está a questão do aborto, como está a questão das uniões homoafetivas'", garante. "Sempre me procuraram por outros assuntos, sobre a questão do combate à pobreza, sobre a questão do clima, a questão indígena: são temas que interessam à Igreja."

Ele afirma que também existe um interesse genuíno por parte do governo brasileiro acerca dos posicionamentos da Igreja. "Porque o Vaticano é um observador permanente nas Nações Unidas, está em praticamente todos os grandes organismos internacionais", explica. "Há, sim, interesse em conhecer a posição do Vaticano. O Vaticano tem o melhor serviço de informações do mundo e resta saber como essas informações são processadas, já que são informações múltiplas e diversas, que vêm de diferentes locais, têm diferentes pontos de vista."

Ocupante do posto desde 2023, Everton Vargas tem 70 anos e é gaúcho de Santo Ângelo. Antes, ele foi embaixador do Brasil em Berlim e em Buenos Aires. De 2016 a 2019 o embaixador atuou em Bruxelas como o representante brasileiro junto à União Europeia.

<><> Histórico

As relações diplomáticas entre a Santa Sé e o Brasil são anteriores à própria criação do Vaticano — Estado instituído em 1929 pelo Tratado de Latrão. Pouco após a independência (1822), o Império do Brasil enviou o religioso Francisco Corrêa Vidigal para Roma, a fim de que ele pleiteasse o reconhecimento da nova nação junto à Igreja.

Na época, pelo regime do padroado, o funcionalismo católico do Brasil era então subordinado à Coroa Portuguesa. Era de interesse de Pedro 1º (1797-1834) transferir esse controle para si.

Vidigal foi bem-sucedido e, a partir de 1826, os dois poderes passaram a manter relações diplomáticas oficiais. "Depois de França, Espanha e Portugal, o Brasil é o quarto país com mais tempo de relações ininterruptas com a Santa Sé", frisa o embaixador Vargas. "O primeiro dentre os de fora da Europa."

¨      O que muda com novas regras para imigrantes anunciadas por Milei na Argentina

O presidente da ArgentinaJavier Milei, anunciou nesta terça-feira (14/5) novas regras para a entrada e permanência de estrangeiros no país.

Segundo comunicado oficial da Casa Rosada, o decreto, que ainda não foi publicado em Diário Oficial, vai mudar a política migratória e restringe o acesso de imigrantes a serviços públicos.

A reforma será apresentada por meio de um DNU (Decreto de Necessidade e Urgência).

Na Argentina, o DNU é equivalente a uma Medida Provisória no Brasil. Ele é enviado pelo Executivo, tem força de lei e só pode ser derrubado caso o Senado e a Câmara votem contra o decreto. No entanto, o DNU segue vigente até que ambas as casas analisem o texto.

O governo argentino justificou a medida como parte de um esforço para "restabelecer a ordem" e garantir que recursos públicos sejam prioritariamente destinados a cidadãos argentinos.

No comunicado, Milei também criticou o "turismo sanitário" — quando estrangeiros entram no país, muitas vezes com sistemas de saúde caros ou limitados, para usar os serviços médicos públicos sem contribuir para seu custo.

Para o governo, isso seria um abuso dos recursos destinados aos cidadãos argentinos e gera custos elevados para os contribuintes argentinos.

<><> O que muda com novo decreto

A partir da publicação do decreto, que deve acontecer nos próximos dias, qualquer estrangeiro condenado por crime poderá ser deportado, mesmo que a pena seja leve. Também será proibida a entrada de pessoas com antecedentes criminais.

A medida revoga a prática anterior, que permitia a permanência de pessoas com penas inferiores a cinco anos.

O decreto exige que imigrantes temporários, em trânsito ou em situação irregular tenham seguro de saúde para entrar no país.

O governo também cobrará pelo atendimento de estrangeiros em hospitais públicos, alegando que, em 2024, esse serviço gerou um custo de 14 bilhões de pesos (cerca de R$ 70 milhões) aos cofres públicos.

Na educação, universidades públicas poderão cobrar mensalidades de estrangeiros com residência temporária. O ensino primário e secundário continua gratuito para todos os residentes.

A Carta de Cidadania também terá novas exigências. Só poderá ser concedida a quem tiver morado por pelo menos dois anos seguidos na Argentina e feito um investimento relevante no país. Para conseguir residência permanente, será preciso comprovar renda e não ter antecedentes criminais.

Segundo o governo, cerca de 1,7 milhão de pessoas entraram irregularmente no país nos últimos 20 anos. A nova medida, diz o comunicado, quer reorganizar o sistema e garantir que os recursos públicos sejam usados prioritariamente pelos argentinos.

<><> Comunidade brasileira será impactada

As medidas devem impactar turistas, que agora precisarão apresentar um seguro saúde para entrar no país, assim como já é pedido por países da União Europeia, e principalmente os estrangeiros que residem na Argentina.

Agora, eles vão ter de pagar para ter acesso ao sistema de saúde público, não poderão ter antecedentes criminais e podem ser cobrados pelos cursos universitários.

Segundo o Itamaraty, mais de 101 mil brasileiros viviam no país vizinho em 2023. Mas, apesar da grande comunidade brasileira no país, muitos brasileiros decidiram deixar a Argentina devido à explosão do custo de vida.

A Argentina, sob o comando de Milei, enfrenta um rigoroso ajuste econômico.

Herdando um país em recessão, com inflação descontrolada e dívida pública crescente, Milei implementou um corte abrangente de gastos públicos em uma tentativa de estabilizar a economia.

Desde que assumiu a Presidência em dezembro de 2023, o governo paralisou obras federais e interrompeu o repasse de verbas para as Províncias. Subsídios a serviços essenciais, como água, gás, luz e transporte público, foram eliminados, resultando em um aumento significativo de preços ao consumidor.

Essas medidas de austeridade geraram uma resposta mista, com muitos argentinos e brasileiros sentindo o peso no bolso do encarecimento de itens essenciais e do mercado imobiliário.

O estudante Lucas dos Anjos, de 22 anos, vivia na Argentina desde 2019, mas decidiu mudar de país no início de 2024, porque os preços em Buenos Aires, onde ele vivia, deixaram seu orçamento apertado demais.

Ele relatou em uma reportagem da BBC News Brasil que o aluguel, que custava R$ 300 quando chegou ao país, já estava em R$ 2 mil no início do ano passado.

Procurado para comentar o impacto da medida na comunidade brasileira que vive na Argentina, o Itamaraty afirmou que não vai ser pronunciar sem o detalhamento das medidas propostas de Milei, que deve ser divulgado nos próximos dias.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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