'Leão
14 é o papa da Amazônia', define embaixador brasileiro que quer convidar
pontífice para COP no Brasil
No
tabuleiro de xadrez da geopolítica mundial, transições de governo sempre são
acompanhadas com atenção pelos titulares das embaixadas. Experiente, o
diplomata brasileiro Everton Vieira Vargas diz que avalia convidar o novo papa, Leão 14, para
participar da Conferência das Nações
Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, que ocorrerá em Belém no mês de
novembro.
Vargas
é embaixador do Brasil junto à Santa Sé desde 2023. Em entrevista à BBC News
Brasil, ele diz que está na mesa a ideia de formalizar o convite. "Vejamos
se ele poderá aceitar", pondera.
"A
presença dele seria importante, pois não só o papa Francisco alçou a mudança do
clima ao topo da agenda da Igreja, mas também porque o Peru [onde Leão 14
atuou] é o maior país da Amazônia após o Brasil. A preservação da região
amazônica é muito importante nos esforços globais para mitigar a mudança do
clima", frisa Vargas.
Em
conversa de mais de uma hora com a reportagem na última segunda (12), o
embaixador ressaltou a expectativa de que Leão 14 represente uma continuidade
das preocupações trazidas por seu antecessor, papa Francisco (1936-2025), e
valorizou o caráter amazônico da trajetória do norte-americano Robert Francis
Prevost.
"Acho
que, a partir da carreira dele, é mais um bispo sulamericano e amazônico. Este
é um ponto importante. Ele atuou em outra realidade e acho que isso é
extremamente importante que tenhamos em mente, sobretudo essa dimensão
amazônica dele que até agora eu praticamente não vi [ninguém trazendo ao
debate]", comenta Vargas.
Embora
seja nascido em Chicago, nos Estados Unidos, Prevost viveu boa parte da vida no
Peru. Ele atuou lá como missionário nos anos 1990 e, de 2014 a 2023 ele foi
bispo da diocese de Chiclayo, na região norte do país vizinho ao Brasil.
Um dos
oito países amazônicos, o Peru detém a segunda maior área da floresta, atrás
apenas do Brasil, com mais de 70 milhões de hectares que ocupam quase 60% de
seu território. "Chiclayo fica exatamente no comecinho da Amazônia
peruana", frisa Vargas. O extremo leste da região abrangida pela diocese é
limítrofe à transição para a área considerada de selva.
"Claro
que ele deve ter opiniões sobre a Amazônia e sobre questões como a mudança do
clima, sobre a questão ambiental, etc. Acho que vamos ter muito diálogo para
fazer com ele, se a agenda permitir", vislumbra o embaixador.
Na
próxima sexta-feira (16), o embaixador brasileiro deve se reunir com o novo
papa, em encontro previsto com os corpos diplomáticos que atuam na Santa Sé.
Considerado o "primeiro cardeal da Amazônia", o cardeal arcebispo de
Manaus, Leonardo Ulrich Steiner, também fez convite semelhante ao seu colega
recém-eleito para comandar a Igreja Católica.
O
vice-presidente Geraldo Alckmin deve representar o governo brasileiro na missa
de inauguração do papado de Leão 14, cerimônia chamada de entronização. Ele
também pretende fazer o convite para que o papa faça uma visita oficial ao
país, que tem o maior contingente de católicos do planeta e foi o endereço da
primeira viagem apostólica do papa Francisco, em 2013.
Sobre a
transição entre os pontificados, Vargas avalia que o norte-americano Prevost já
era por ele visto como "um homem que tem todas as qualidades e
experiências esperadas de um papa nos dias de hoje".
"Traz
uma experiência administrativa significativa, uma experiência pastoral […] e é
um homem que estudou muito, já que os agostinianos [ordem religiosa à qual ele
pertence] estão entre os mais preparados da Igreja Católica", afirma o
embaixador. "E como superior geral de sua ordem [cargo que ele ocupou por
dois mandatos, de 2001 a 2013] ele viajou o mundo todo."
"Claro
que ele é discreto. Não é uma pessoa que andava circulando aqui no Vaticano,
fazendo visita, visitando todo mundo", comenta. "Eu o conhecia apenas
de vista."
Diante
do fato de que muitos analistas esperam do papa uma posição incisiva a respeito
de alguns temas da política de seu país natal, governado pelo republicano
Donald Trump, o embaixador diz que "não seria prudente" e "não
seria honesto" comentar no momento, "ficar elaborando aqui sobre um
tema onde o meu conhecimento é muito superficial".
Mas ele
recordou que, recentemente, o religioso "escreveu tuítes na internet
criticando posições, coisas pontuais, […] em relação à questão das
deportações" — na rede social X, antigo Twitter, o então cardeal Prevost
compartilhou algumas vezes conteúdos contrários à política migratória do
governo Trump.
"Não
conheço qual é o pensamento dele especificamente em relação à política
americana, de modo particular à política americana atual", acrescenta
Vargas.
·
Igreja e Brasil
Segundo
o embaixador, o peso global que o Brasil tem no âmbito do catolicismo torna as
relações diplomáticas com a Santa Sé mais estreitas. "E, nos últimos anos
se intensificaram muito porque havia uma relação muito próxima entre o papa
Francisco e o presidente Lula", recorda.
"Isso
se intensificou com a condenação, felizmente revertida, do presidente Lula. Na
prisão [onde ele ficou por 580 dias a partir de abril de 2018], o papa
Francisco escreveu cartas de conforto ao presidente. E quando ele foi
libertado, a primeira viagem internacional que fez foi ao Vaticano, e foi
recebido pelo papa, tiveram uma conversa animada", relata o embaixador.
Vargas
também lembrou que ao longo do terceiro mandato presidencial, Lula esteve com
Francisco em 2023 e 2024. E, no ano passado, o secretário de Estado do
Vaticano, o cardeal italiano Pietro Parolin, visitou o Brasil duas vezes.
"Todos
os assuntos são de interesse à Santa Sé", comenta. "Não há assunto
relevante na política internacional que não atraia a atenção do Vaticano."
Vargas destacou o discurso de apresentação de Leão 14, ocorrido na última
quinta, no qual ele pediu paz no mundo. O embaixador lembrou ainda que temas
como direitos humanos, combate à fome e à pobreza, a questão da justiça social
e, mais recentemente, "a mudança do clima", também estão sempre no
radar da Igreja.
Questionado
se a alta cúpula do Vaticano o procura para tratar de temas considerados
"espinhosos" dentro da moral cristã, como debates atuais sobre
flexibilizar a legislação do aborto no Brasil ou mesmo discussões acerca de
direitos LGBTQIA+, ele tergiversa. "Não, não… A Igreja tem o melhor
serviço de informações. Não há país que tenha um serviço de informações
assim", diz. "Claro que é uma imagem um pouco caricata, mas você tem
um padre em cada esquina. Esse cara sabe de tudo. Não precisa da embaixada [para
saber]: basta perguntar ao padre da paróquia. E ao lado do padre você tem uma
conferência nacional de bispos [a CNBB], e você sabe que o Brasil é o país que
tem o maior episcopado do mundo."
Vargas
lembra que "todos os anos a CNBB" visita o Vaticano "para
discutir temas de interesse da Igreja". "E lógico que essas visitas
sempre incluem uma conversa com o Santo Padre", comenta.
"Eles
podem pedir uma opinião [para mim], o que nunca aconteceu nesses dois anos em
que estou aqui. Nunca aconteceu de chegarem aqui, 'ah, embaixador, como está a
questão do aborto, como está a questão das uniões homoafetivas'", garante.
"Sempre me procuraram por outros assuntos, sobre a questão do combate à
pobreza, sobre a questão do clima, a questão indígena: são temas que interessam
à Igreja."
Ele
afirma que também existe um interesse genuíno por parte do governo brasileiro
acerca dos posicionamentos da Igreja. "Porque o Vaticano é um observador
permanente nas Nações Unidas, está em praticamente todos os grandes organismos
internacionais", explica. "Há, sim, interesse em conhecer a posição
do Vaticano. O Vaticano tem o melhor serviço de informações do mundo e resta
saber como essas informações são processadas, já que são informações múltiplas
e diversas, que vêm de diferentes locais, têm diferentes pontos de vista."
Ocupante
do posto desde 2023, Everton Vargas tem 70 anos e é gaúcho de Santo Ângelo.
Antes, ele foi embaixador do Brasil em Berlim e em Buenos Aires. De 2016 a 2019
o embaixador atuou em Bruxelas como o representante brasileiro junto à União
Europeia.
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Histórico
As
relações diplomáticas entre a Santa Sé e o Brasil são anteriores à própria
criação do Vaticano — Estado instituído em 1929 pelo Tratado de Latrão. Pouco
após a independência (1822), o Império do Brasil enviou o religioso Francisco
Corrêa Vidigal para Roma, a fim de que ele pleiteasse o reconhecimento da nova
nação junto à Igreja.
Na
época, pelo regime do padroado, o funcionalismo católico do Brasil era então
subordinado à Coroa Portuguesa. Era de interesse de Pedro 1º (1797-1834)
transferir esse controle para si.
Vidigal
foi bem-sucedido e, a partir de 1826, os dois poderes passaram a manter
relações diplomáticas oficiais. "Depois de França, Espanha e Portugal, o
Brasil é o quarto país com mais tempo de relações ininterruptas com a Santa
Sé", frisa o embaixador Vargas. "O primeiro dentre os de fora da
Europa."
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O que muda com novas regras para imigrantes anunciadas
por Milei na Argentina
O
presidente da Argentina, Javier Milei, anunciou nesta
terça-feira (14/5) novas regras para a entrada e permanência de estrangeiros no
país.
Segundo
comunicado oficial da Casa Rosada, o decreto, que ainda não foi publicado em
Diário Oficial, vai mudar a política migratória e restringe o acesso de
imigrantes a serviços públicos.
A
reforma será apresentada por meio de um DNU (Decreto de Necessidade e
Urgência).
Na
Argentina, o DNU é equivalente a uma Medida Provisória no Brasil. Ele é enviado
pelo Executivo, tem força de lei e só pode ser derrubado caso o Senado e a
Câmara votem contra o decreto. No entanto, o DNU segue vigente até que ambas as
casas analisem o texto.
O
governo argentino justificou a medida como parte de um esforço para
"restabelecer a ordem" e garantir que recursos públicos sejam
prioritariamente destinados a cidadãos argentinos.
No
comunicado, Milei também criticou o "turismo sanitário" — quando
estrangeiros entram no país, muitas vezes com sistemas de saúde caros ou
limitados, para usar os serviços médicos públicos sem contribuir para seu
custo.
Para o
governo, isso seria um abuso dos recursos destinados aos cidadãos argentinos e
gera custos elevados para os contribuintes argentinos.
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O que muda com novo decreto
A
partir da publicação do decreto, que deve acontecer nos próximos dias, qualquer
estrangeiro condenado por crime poderá ser deportado, mesmo que a pena seja
leve. Também será proibida a entrada de pessoas com antecedentes criminais.
A
medida revoga a prática anterior, que permitia a permanência de pessoas com
penas inferiores a cinco anos.
O
decreto exige que imigrantes temporários, em trânsito ou em situação irregular
tenham seguro de saúde para entrar no país.
O
governo também cobrará pelo atendimento de estrangeiros em hospitais públicos,
alegando que, em 2024, esse serviço gerou um custo de 14 bilhões de pesos
(cerca de R$ 70 milhões) aos cofres públicos.
Na
educação, universidades públicas poderão cobrar mensalidades de estrangeiros
com residência temporária. O ensino primário e secundário continua gratuito
para todos os residentes.
A Carta
de Cidadania também terá novas exigências. Só poderá ser concedida a quem tiver
morado por pelo menos dois anos seguidos na Argentina e feito um investimento
relevante no país. Para conseguir residência permanente, será preciso comprovar
renda e não ter antecedentes criminais.
Segundo
o governo, cerca de 1,7 milhão de pessoas entraram irregularmente no país nos
últimos 20 anos. A nova medida, diz o comunicado, quer reorganizar o sistema e
garantir que os recursos públicos sejam usados prioritariamente pelos
argentinos.
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Comunidade brasileira será impactada
As
medidas devem impactar turistas, que agora precisarão apresentar um seguro
saúde para entrar no país, assim como já é pedido por países da União Europeia,
e principalmente os estrangeiros que residem na Argentina.
Agora,
eles vão ter de pagar para ter acesso ao sistema de saúde público, não poderão
ter antecedentes criminais e podem ser cobrados pelos cursos universitários.
Segundo
o Itamaraty, mais de 101 mil brasileiros viviam no país vizinho em 2023. Mas,
apesar da grande comunidade brasileira no país, muitos brasileiros decidiram
deixar a Argentina devido à explosão do custo de vida.
A
Argentina, sob o comando de Milei, enfrenta um rigoroso ajuste econômico.
Herdando
um país em recessão, com inflação descontrolada e dívida pública crescente,
Milei implementou um corte abrangente de gastos públicos em uma tentativa de
estabilizar a economia.
Desde
que assumiu a Presidência em dezembro de 2023, o governo paralisou obras
federais e interrompeu o repasse de verbas para as Províncias. Subsídios a
serviços essenciais, como água, gás, luz e transporte público, foram
eliminados, resultando em um aumento significativo de preços ao consumidor.
Essas
medidas de austeridade geraram uma resposta mista, com muitos argentinos e
brasileiros sentindo o peso no bolso do encarecimento de
itens essenciais e
do mercado imobiliário.
O
estudante Lucas dos Anjos, de 22 anos, vivia na Argentina desde 2019, mas
decidiu mudar de país no início de 2024, porque os preços em Buenos Aires, onde
ele vivia, deixaram seu orçamento apertado demais.
Ele
relatou em uma reportagem da BBC News Brasil que o aluguel,
que custava R$ 300 quando chegou ao país, já estava em R$ 2 mil no início do
ano passado.
Procurado
para comentar o impacto da medida na comunidade brasileira que vive na
Argentina, o Itamaraty afirmou que não vai ser pronunciar sem o detalhamento
das medidas propostas de Milei, que deve ser divulgado nos próximos dias.
Fonte: BBC News
Brasil

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