Nascimento
da Burguesia e do Empreendedorismo Popular
A burguesia,
enquanto grupo social urbano, não-nobre e ligado à atividade econômica
mercantil, surge gradualmente na Europa ocidental a partir do século XI.
Consolida-se nos séculos XII a XIV, com o renascimento do comércio e o
fortalecimento das cidades. O termo “burguês” vem de bourg (francês)
ou burg (alemão) com referência a uma cidade murada ou um
centro urbano.
Os
primeiros burgueses surgiram, na Europa Ocidental, em Cidades-Estados
autônomas. Na Itália, em Veneza, Gênova, Florença e Pisa, comerciantes
marítimos e banqueiros floresceram com o comércio mediterrâneo e as Cruzadas.
Bruges
e Antuérpia são duas cidades na Bélgica, mais precisamente na região da
Flandres. Bruges é conhecida pela sua arquitetura medieval e canais, enquanto
Antuérpia é um importante centro portuário. Lá, burgueses foram empreendedores
em manufaturas têxteis e intermediação entre o norte e o sul da Europa.
Na
Alemanha, precisamente na Hansa Germânica, cidades comerciais estabeleceram
rede de comércio marítimo no Báltico e no Norte. Na França e na Inglaterra,
centros como Paris, Lyon, Londres e cidades da Normandia tinham mercados locais
e conexões externas.
Essas
cidades se tornaram espaços autônomos de sociabilidade, regulação e poder
econômico. Com direitos próprios (cartas de franquia), isentavam os burgueses
de certos tributos feudais.
A
origem da riqueza burguesa se deu em comércio local: feiras, mercados e
circulação de produtos entre campo e cidade. Depois, surgiu o comércio de longa
distância com rotas mediterrâneas, bálticas e mais tarde atlânticas,
especialmente após o século XV.
A
partir do artesanato, houve ganho de escala com manufaturas urbanas de tecidos,
metais, vidros e produtos artesanais com maior valor agregado. Desde então,
tornou-se importante a mediação de câmbio e crédito: práticas de financiamento
comercial, câmbio de moedas e letras de câmbio.
Uma
pergunta-chave é: onde os burgueses guardavam ou aplicavam o dinheiro
acumulado? Antes dos bancos institucionais (séculos XI–XIII),
guardavam dinheiro em cofre pessoal ou com ordens religiosas como os Templários
ou os Hospitalários.
Os
Cavaleiros Templários, também conhecidos como Ordem do Templo, eram uma ordem
religiosa e militar medieval, fundada em 1118 para proteger peregrinos cristãos
com destino a Jerusalém, considerada a Terra Santa. Ao longo dos séculos, a
Ordem do Templo cresceu em tamanho e influência, tornando-se uma força militar
e financeira prévia aos bancos surgidos no início do século XV.
A Ordem
dos Cavaleiros Hospitalários, também conhecida como Ordem de São João de
Jerusalém ou Ordem de Malta, era uma organização de cavalaria que surgiu
durante as Cruzadas. Essa ordem tinha como objetivo cuidar dos peregrinos em
Jerusalém, mas também participou de várias batalhas e desempenhou um papel
importante na história da Europa.
Os
burgueses também investiam na aquisição de imóveis urbanos para garantir renda
com aluguéis – assim como os argentinos ricos investem em imóveis dolarizados
em preços e aluguéis. Aplicavam na manutenção de estoques comerciais e
financiamento de expedições. Reinvestiam no próprio comércio, como capital
circulante, ou seja, compras à frente, crédito a fornecedores.
Com o
gradual surgimento das casas bancárias, nos séculos XIII–XIV, passaram a
utilizar casas de câmbio e de banca em cidades como Florença, Lucca e Veneza
das conhecidas famílias dinásticas Bardi, Medici e Peruzzi. Utilizavam letras
de câmbio para transferências seguras entre cidades. Emprestavam ao Estado ou
compravam títulos de dívida pública local, principalmente em repúblicas
mercantis como Florença.
Os
instrumentos financeiros eram ainda rudimentares. Em “sociedades em comandita”,
investidores (sócios ocultos) aplicavam capital em viagens marítimas,
partilhando riscos e lucros. Veja o filme O Mercador de Veneza (2004),
baseada na peça teatral do autor inglês William Shakespeare, uma comédia
trágica escrita entre 1596 e 1598.
O
personagem-título é o mercador Antônio, e não o agiota judeu Shylock,
personagem mais importante e célebre da obra. Shylock, na cena do Judeu contra
o dito Mercador, exige cortar uma libra de sua carne, oferecida como garantia
do empréstimo, caloteado pelo fracasso das navegações aventureiras.
Cartas-partidas
e contratos de risco marítimo passaram a ser formas primitivas de seguros e de
financiamento comercial.
Conhecimento
interessante é a respeito da relação com o Poder e com a Igreja. A burguesia
comprava privilégios jurídicos e fiscais dos senhores feudais ou do rei,
garantindo isenções e proteção.
Em
contrapartida, financiava catedrais, confrarias, missas e ordens religiosas,
acumulando capital simbólico e legitimidade espiritual. Muitos burgueses se
tornaram credores de reis e nobres. Isto lhes garantia influência crescente,
mas também risco político.
A
burguesia nasceu, assim, como classe urbana mercantil, mediadora entre sistemas
econômicos diversos (feudo, cidade, mar). Sua acumulação se ancorou em redes,
instrumentos jurídicos e formas financeiras incipientes.
O termo
“burguês”, enquanto conceito histórico e analítico, não está anacrônico, mas
sua aplicação exige precisão diante das transformações contemporâneas do
capitalismo. A emergência do trabalhador “empreendedor de si mesmo” — como
motorista de aplicativo, entregador de plataforma ou anfitrião no Airbnb — não
corresponde ao burguês clássico, pois não detém o controle dos meios de
produção nem exerce poder de comando sobre o capital alheio.
Na
tradição marxista e weberiana, o burguês é o proprietário do capital porque
organiza a produção com fins de lucro, compra força de trabalho (emprega) e
controla os meios de produção e decide sobre a alocação do excedente. Nesse
sentido, o burguês é estruturalmente um dominador no processo produtivo, embora
em sua origem tenha sido um outsider das castas tradicionais.
O
“empreendedor de si mesmo” é uma nova forma de subordinação. O trabalhador ao
dirigir para Uber, entregar para o Rappi ou alugar pelo Airbnb não é dono da
plataforma, nem controla as regras do mercado no qual opera. Arca com os custos
fixos do “negócio” (carro, combustível, manutenção, impostos) e está submetido
a algoritmos, avaliações e flutuações de demanda — sem estabilidade ou proteção
trabalhista.
Sua
“autonomia” é altamente condicionada e precarizada, em um ambiente competitivo
e desregulado. Logo, a ideologia do empreendedorismo camufla uma nova forma de
exploração, agora disfarçada de “liberdade”.
Podemos
distinguir entre a verdadeira burguesia contemporânea, acionista
das plataformas, investidora, detentora de ativos digitais e imóveis para
rentismo, e o neoproletariado digital composto por
microempreendedores compulsórios, trabalhadores informais sob regulação
algorítmica. A “fuga do assalariamento” não implica emancipação, mas uma
mudança na forma de exploração, agora por meio do capital simbólico,
tecnológico e financeiro.
O termo
“burguês” continua crucial para a crítica da estrutura de poder do capitalismo,
mas precisa ser historicizado por meio do entendimento de sua gênese
urbano-mercantil. Desse modo, poderá ser atualizado ao distinguir o capitalista
de plataforma do trabalhador autônomo digital.
Uma
questão-chave é: deve ser criticada a ideologia do “empreendedorismo popular”
como fosse uma falsa alternativa de mobilidade social? Os marxistas não
necessitam rever seus conceitos diante desta nova realidade popular?
¨
Efeitos da pejotização do trabalho nas contas públicas.
Por Rodrigo Medeiros
Em sua
coluna no UOL, de seis de maio de 2025, Carlos Juliano Barros trouxe números
que revelam os riscos da pejotização do trabalho para as contas públicas. De
acordo com o jornalista, deve-se “chamar a devida atenção para os impactos da
contratação desenfreada de profissionais que poderiam ter a carteira assinada,
mas que atuam como pessoas jurídicas”.
Citando
um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Barros apontou a estimativa de “uma
perda de arrecadação para os cofres públicos de até R$ 144 bilhões, entre 2012
e 2023, decorrente dessa prática comumente utilizada para driblar o pagamento
de impostos e os encargos trabalhistas”. A reforma trabalhista de 2017 agravou
o quadro de precarização laboral.
Ministros
do Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, têm derrubado decisões da
Justiça do Trabalho, que reconhecem o vínculo empregatício e a necessidade do
pagamento de direitos, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Como o STF tem chancelado a pejotização irrestrita, há riscos para as contas
públicas.
O
prejuízo seria da ordem de R$ 384 bilhões em um ano caso a metade dos
celetistas virassem pessoas jurídicas. Segundo o estudo da FGV citado, “a
pejotização é mais comum entre profissionais qualificados e de remuneração
acima da média – o que contribui, evidentemente, para o agravamento da
injustiça tributária no país”.
Trabalhadores
de plataformas também estão seguindo essa linha de precarização laboral através
da abertura do Microempreendedor Individual (MEI). Trabalhadores esses que
cumprem ordens e têm horários a seguir em suas rotinas laborais.
O
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou em até R$ 600 bilhões o
déficit para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) gerado pelo regime do
MEI até o ano de 2060. Enquanto um empregado com carteira assinada tem desconto
de até 14% em seus vencimentos para o INSS, o MEI paga 5% do salário mínimo.
A
inadimplência é alta porque somente 40% dos microempreendedores costumam estar
em dia com a mensalidade. Conforme ponderou o jornalista, “o STF não parece
ainda ter a clara dimensão do que a pejotização irrestrita representa para o
mundo do trabalho e para a já tão sobrecarregada Previdência”. Qual tipo de
distopia está sendo reforçada no Brasil? A “modernização” em marcha é a
precarização de vidas humanas?
¨
O sucesso de Lula no exterior e o vazio interno. Por Luís
Nassif
O
episódio Janja-Xi Jinping expôs dois problemas sérios. O primeiro, a extrema
mediocridade do jornalismo, de dar credibilidade à versão inverossímil
veiculada pelo G1. Soma-se à total falta de coragem individual, de jornalistas
defendendo o jornalismo contra a fake news criada.
O
segundo, a única informação objetiva, a se tirar do episódio: no momento, Lula
não consegue se impor nem perante o círculo íntimo do Palácio.
Poder-se-ia
atribuir essa inação ao Ministro da Casa Civil, Ruy Costa. Mas a
responsabilidade é mais em cima, é do próprio Lula, aparentemente sem energia
para administrar o mundo pequeno das mesquinharias e o momento presente da
política. Fosse Lula de outros tempos, dificilmente entregaria a porta de
entrada do governo a um político como Costa.
Nem se
ouse falar em perda da capacidade cognitiva. Na China, depois que deixou de
lado o discurso escrito, Lula sintetizou de forma brilhante seu projeto de
política e de país. Aliás, qualquer semelhança com a Economia de Francisco, do
Papa Francisco, não é mera coincidência.
As
viagens internacionais, o encontro com grandes mandatários, ainda são o que de
melhor Lula fornece. Mas, internamente, o país padece de dois problemas.
O
primeiro, é o boicote nítido da mídia. Ontem, conversei com dois conhecidos que
foram à China, acompanhando empresas. O relato é idêntico. De um lado, Lula
sendo recebido como líder popular, com o nome sendo comentado nas manchetes de
jornais e entre populares. De outro, a extraordinária movimentação de
empresários chineses correndo atrás de futuras parcerias com as empresas
brasileiras da comitiva.
Nada
disso chegou pela imprensa. Escondeu-se qualquer sinal de sucesso para se
concentrar em uma intriga inverossímil.
Lula
não tem controle sobre a mídia, como não tinha no primeiro e no segundo
governo. Mas, antes, tinha vitalidade política, argúcia, planos com cara e
assinatura. É só conferir o que foi o Bolsa Família. No início, alvo de uma
campanha desonesta, muito similar a esse episódio com Janja.
Um
colunista chegou a acusar famílias de – absurdo! – estarem usando os recursos
para comprar geladeiras. Como se geladeira fosse entretenimento! Outra
desonestidade era na divulgação das fraudes do programa apuradas internamente.
Em vez de demonstrarem a eficiência dos controles internos, as descobertas eram
apontadas como exemplo de corrupção disseminada.
Mesmo
assim, gradativamente a própria imprensa se rendeu ao sucesso do programa,
especialmente depois que o reconhecimento veio de fora.
Agora,
caminha-se sem bandeiras – porque projetos em andamento existem, mas não são
encampados por Lula – e cria-se essa sensação de vácuo, que alimenta o mal
estar geral.
No
alto, mal-estar entre os componentes do Ministério e partidos aliados. Na base,
mal-estar que os idiotas da objetividade atribuem ao aumento de preços, mesmo
com aumento de emprego, do salário médio. O problema é a falta de esperança.
No
exterior, Lula protagoniza, de forma ampla, as possibilidades que se abrem para
o país. Falta entender que essa percepção precisa ser introjetada no país.
Precisa virar discurso de governo. E há pressa porque, com os escândalos do
INSS, com o despudor com que autoridades de todos os poderes se rendem a
regabofes internacionais, em breve haverá nova onda anticorrupção. Que poderá
ser cavalgada por aventureiros da pior espécie.
Fonte:
Por Fernando Nogueira da Costa

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