terça-feira, 20 de maio de 2025

Nascimento da Burguesia e do Empreendedorismo Popular

burguesia, enquanto grupo social urbano, não-nobre e ligado à atividade econômica mercantil, surge gradualmente na Europa ocidental a partir do século XI. Consolida-se nos séculos XII a XIV, com o renascimento do comércio e o fortalecimento das cidades. O termo “burguês” vem de bourg (francês) ou burg (alemão) com referência a uma cidade murada ou um centro urbano.

Os primeiros burgueses surgiram, na Europa Ocidental, em Cidades-Estados autônomas. Na Itália, em Veneza, Gênova, Florença e Pisa, comerciantes marítimos e banqueiros floresceram com o comércio mediterrâneo e as Cruzadas.

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Bruges e Antuérpia são duas cidades na Bélgica, mais precisamente na região da Flandres. Bruges é conhecida pela sua arquitetura medieval e canais, enquanto Antuérpia é um importante centro portuário. Lá, burgueses foram empreendedores em manufaturas têxteis e intermediação entre o norte e o sul da Europa.

Na Alemanha, precisamente na Hansa Germânica, cidades comerciais estabeleceram rede de comércio marítimo no Báltico e no Norte. Na França e na Inglaterra, centros como Paris, Lyon, Londres e cidades da Normandia tinham mercados locais e conexões externas.

Essas cidades se tornaram espaços autônomos de sociabilidade, regulação e poder econômico. Com direitos próprios (cartas de franquia), isentavam os burgueses de certos tributos feudais.

A origem da riqueza burguesa se deu em comércio local: feiras, mercados e circulação de produtos entre campo e cidade. Depois, surgiu o comércio de longa distância com rotas mediterrâneas, bálticas e mais tarde atlânticas, especialmente após o século XV.

A partir do artesanato, houve ganho de escala com manufaturas urbanas de tecidos, metais, vidros e produtos artesanais com maior valor agregado. Desde então, tornou-se importante a mediação de câmbio e crédito: práticas de financiamento comercial, câmbio de moedas e letras de câmbio.

Uma pergunta-chave é: onde os burgueses guardavam ou aplicavam o dinheiro acumulado? Antes dos bancos institucionais (séculos XI–XIII), guardavam dinheiro em cofre pessoal ou com ordens religiosas como os Templários ou os Hospitalários.

Os Cavaleiros Templários, também conhecidos como Ordem do Templo, eram uma ordem religiosa e militar medieval, fundada em 1118 para proteger peregrinos cristãos com destino a Jerusalém, considerada a Terra Santa. Ao longo dos séculos, a Ordem do Templo cresceu em tamanho e influência, tornando-se uma força militar e financeira  prévia aos bancos surgidos no início do século XV.

A Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, também conhecida como Ordem de São João de Jerusalém ou Ordem de Malta, era uma organização de cavalaria que surgiu durante as Cruzadas. Essa ordem tinha como objetivo cuidar dos peregrinos em Jerusalém, mas também participou de várias batalhas e desempenhou um papel importante na história da Europa.

Os burgueses também investiam na aquisição de imóveis urbanos para garantir renda com aluguéis – assim como os argentinos ricos investem em imóveis dolarizados em preços e aluguéis. Aplicavam na manutenção de estoques comerciais e financiamento de expedições. Reinvestiam no próprio comércio, como capital circulante, ou seja, compras à frente, crédito a fornecedores.

Com o gradual surgimento das casas bancárias, nos séculos XIII–XIV, passaram a utilizar casas de câmbio e de banca em cidades como Florença, Lucca e Veneza das conhecidas famílias dinásticas Bardi, Medici e Peruzzi. Utilizavam letras de câmbio para transferências seguras entre cidades. Emprestavam ao Estado ou compravam títulos de dívida pública local, principalmente em repúblicas mercantis como Florença.

Os instrumentos financeiros eram ainda rudimentares. Em “sociedades em comandita”, investidores (sócios ocultos) aplicavam capital em viagens marítimas, partilhando riscos e lucros. Veja o filme O Mercador de Veneza (2004), baseada na peça teatral do autor inglês William Shakespeare, uma comédia trágica escrita entre 1596 e 1598.

O personagem-título é o mercador Antônio, e não o agiota judeu Shylock, personagem mais importante e célebre da obra. Shylock, na cena do Judeu contra o dito Mercador, exige cortar uma libra de sua carne, oferecida como garantia do empréstimo, caloteado pelo fracasso das navegações aventureiras.

Cartas-partidas e contratos de risco marítimo passaram a ser formas primitivas de seguros e de financiamento comercial.

Conhecimento interessante é a respeito da relação com o Poder e com a Igreja. A burguesia comprava privilégios jurídicos e fiscais dos senhores feudais ou do rei, garantindo isenções e proteção.

Em contrapartida, financiava catedrais, confrarias, missas e ordens religiosas, acumulando capital simbólico e legitimidade espiritual. Muitos burgueses se tornaram credores de reis e nobres. Isto lhes garantia influência crescente, mas também risco político.

A burguesia nasceu, assim, como classe urbana mercantil, mediadora entre sistemas econômicos diversos (feudo, cidade, mar). Sua acumulação se ancorou em redes, instrumentos jurídicos e formas financeiras incipientes.

O termo “burguês”, enquanto conceito histórico e analítico, não está anacrônico, mas sua aplicação exige precisão diante das transformações contemporâneas do capitalismo. A emergência do trabalhador “empreendedor de si mesmo” — como motorista de aplicativo, entregador de plataforma ou anfitrião no Airbnb — não corresponde ao burguês clássico, pois não detém o controle dos meios de produção nem exerce poder de comando sobre o capital alheio.

Na tradição marxista e weberiana, o burguês é o proprietário do capital porque organiza a produção com fins de lucro, compra força de trabalho (emprega) e controla os meios de produção e decide sobre a alocação do excedente. Nesse sentido, o burguês é estruturalmente um dominador no processo produtivo, embora em sua origem tenha sido um outsider das castas tradicionais.

O “empreendedor de si mesmo” é uma nova forma de subordinação. O trabalhador ao dirigir para Uber, entregar para o Rappi ou alugar pelo Airbnb não é dono da plataforma, nem controla as regras do mercado no qual opera. Arca com os custos fixos do “negócio” (carro, combustível, manutenção, impostos) e está submetido a algoritmos, avaliações e flutuações de demanda — sem estabilidade ou proteção trabalhista.

Sua “autonomia” é altamente condicionada e precarizada, em um ambiente competitivo e desregulado. Logo, a ideologia do empreendedorismo camufla uma nova forma de exploração, agora disfarçada de “liberdade”.

Podemos distinguir entre a verdadeira burguesia contemporânea, acionista das plataformas, investidora, detentora de ativos digitais e imóveis para rentismo, e o neoproletariado digital composto por microempreendedores compulsórios, trabalhadores informais sob regulação algorítmica. A “fuga do assalariamento” não implica emancipação, mas uma mudança na forma de exploração, agora por meio do capital simbólico, tecnológico e financeiro.

O termo “burguês” continua crucial para a crítica da estrutura de poder do capitalismo, mas precisa ser historicizado por meio do entendimento de sua gênese urbano-mercantil. Desse modo, poderá ser atualizado ao distinguir o capitalista de plataforma do trabalhador autônomo digital.

Uma questão-chave é: deve ser criticada a ideologia do “empreendedorismo popular” como fosse uma falsa alternativa de mobilidade social? Os marxistas não necessitam rever seus conceitos diante desta nova realidade popular?

¨      Efeitos da pejotização do trabalho nas contas públicas. Por Rodrigo Medeiros

Em sua coluna no UOL, de seis de maio de 2025, Carlos Juliano Barros trouxe números que revelam os riscos da pejotização do trabalho para as contas públicas. De acordo com o jornalista, deve-se “chamar a devida atenção para os impactos da contratação desenfreada de profissionais que poderiam ter a carteira assinada, mas que atuam como pessoas jurídicas”.

Citando um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Barros apontou a estimativa de “uma perda de arrecadação para os cofres públicos de até R$ 144 bilhões, entre 2012 e 2023, decorrente dessa prática comumente utilizada para driblar o pagamento de impostos e os encargos trabalhistas”. A reforma trabalhista de 2017 agravou o quadro de precarização laboral.

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Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por sua vez, têm derrubado decisões da Justiça do Trabalho, que reconhecem o vínculo empregatício e a necessidade do pagamento de direitos, nos termos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Como o STF tem chancelado a pejotização irrestrita, há riscos para as contas públicas.

O prejuízo seria da ordem de R$ 384 bilhões em um ano caso a metade dos celetistas virassem pessoas jurídicas. Segundo o estudo da FGV citado, “a pejotização é mais comum entre profissionais qualificados e de remuneração acima da média – o que contribui, evidentemente, para o agravamento da injustiça tributária no país”.

Trabalhadores de plataformas também estão seguindo essa linha de precarização laboral através da abertura do Microempreendedor Individual (MEI). Trabalhadores esses que cumprem ordens e têm horários a seguir em suas rotinas laborais.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estimou em até R$ 600 bilhões o déficit para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) gerado pelo regime do MEI até o ano de 2060. Enquanto um empregado com carteira assinada tem desconto de até 14% em seus vencimentos para o INSS, o MEI paga 5% do salário mínimo.

A inadimplência é alta porque somente 40% dos microempreendedores costumam estar em dia com a mensalidade. Conforme ponderou o jornalista, “o STF não parece ainda ter a clara dimensão do que a pejotização irrestrita representa para o mundo do trabalho e para a já tão sobrecarregada Previdência”. Qual tipo de distopia está sendo reforçada no Brasil? A “modernização” em marcha é a precarização de vidas humanas?

¨      O sucesso de Lula no exterior e o vazio interno. Por Luís Nassif

O episódio Janja-Xi Jinping expôs dois problemas sérios. O primeiro, a extrema mediocridade do jornalismo, de dar credibilidade à versão inverossímil veiculada pelo G1. Soma-se à total falta de coragem individual, de jornalistas defendendo o jornalismo contra a fake news criada.

O segundo, a única informação objetiva, a se tirar do episódio: no momento, Lula não consegue se impor nem perante o círculo íntimo do Palácio.

Poder-se-ia atribuir essa inação ao Ministro da Casa Civil, Ruy Costa. Mas a responsabilidade é mais em cima, é do próprio Lula, aparentemente sem energia para administrar o mundo pequeno das mesquinharias e o momento presente da política. Fosse Lula de outros tempos, dificilmente entregaria a porta de entrada do governo a um político como Costa.

Nem se ouse falar em perda da capacidade cognitiva. Na China, depois que deixou de lado o discurso escrito, Lula sintetizou de forma brilhante seu projeto de política e de país. Aliás, qualquer semelhança com a Economia de Francisco, do Papa Francisco, não é mera coincidência. 

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As viagens internacionais, o encontro com grandes mandatários, ainda são o que de melhor Lula fornece. Mas, internamente, o país padece de dois problemas. 

O primeiro, é o boicote nítido da mídia. Ontem, conversei com dois conhecidos que foram à China, acompanhando empresas. O relato é idêntico. De um lado, Lula sendo recebido como líder popular, com o nome sendo comentado nas manchetes de jornais e entre populares. De outro, a extraordinária movimentação de empresários chineses correndo atrás de futuras parcerias com as empresas brasileiras da comitiva.

Nada disso chegou pela imprensa. Escondeu-se qualquer sinal de sucesso para se concentrar em uma intriga inverossímil.

Lula não tem controle sobre a mídia, como não tinha no primeiro e no segundo governo. Mas, antes, tinha vitalidade política, argúcia, planos com cara e assinatura. É só conferir o que foi o Bolsa Família. No início, alvo de uma campanha desonesta, muito similar a esse episódio com Janja.

Um colunista chegou a acusar famílias de – absurdo! – estarem usando os recursos para comprar geladeiras. Como se geladeira fosse entretenimento! Outra desonestidade era na divulgação das fraudes do programa apuradas internamente. Em vez de demonstrarem a eficiência dos controles internos, as descobertas eram apontadas como exemplo de corrupção disseminada.

Mesmo assim, gradativamente a própria imprensa se rendeu ao sucesso do programa, especialmente depois que o reconhecimento veio de fora.

Agora, caminha-se sem bandeiras – porque projetos em andamento existem, mas não são encampados por Lula – e cria-se essa sensação de vácuo, que alimenta o mal estar geral.

No alto, mal-estar entre os componentes do Ministério e partidos aliados. Na base, mal-estar que os idiotas da objetividade atribuem ao aumento de preços, mesmo com aumento de emprego, do salário médio. O problema é a falta de esperança.

No exterior, Lula protagoniza, de forma ampla, as possibilidades que se abrem para o país. Falta entender que essa percepção precisa ser introjetada no país. Precisa virar discurso de governo. E há pressa porque, com os escândalos do INSS, com o despudor com que autoridades de todos os poderes se rendem a regabofes internacionais, em breve haverá nova onda anticorrupção. Que poderá ser cavalgada por aventureiros da pior espécie.

 

Fonte: Por Fernando Nogueira da Costa

 

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