Dos
supermercados aos shoppings, conheça a saga dos Paes Mendonça
Pedro
teve a ideia de oferecer uma caneca com água para os viajantes que passavam
pela sua mercearia em Ribeirópolis, um povoado na Serra do Machado, em Sergipe.
Aquele local provavelmente não seria o escolhido para um negócio de varejo com
base nas ferramentas modernas de marketing que hoje guiam as grandes redes na
escolha da melhor localização. Foi a inovação do pioneiro da família Paes
Mendonça, de saciar a sede como um algo mais no negócio, que fez daquele local
o berço do Grupo JCPM – hoje um dos maiores conglomerados empresariais do
Nordeste, que tem na sua sigla as iniciais do filho de Pedro: João Carlos Paes
Mendonça.
Na
última segunda-feira (dia 12), a mercearia de Pedro Paes Mendonça ganhou vida
novamente, para o espanto generalizado de quem estava na festa de celebração
dos 90 anos do grupo. Além do balcão, com as lamparinas para iluminar as noites
em 1935, estava ali a projeção holográfica do próprio Pedro, com a voz recriada
por inteligência artificial, dando conselhos aos filhos e netos em relação ao
futuro. “Uma caneca de água nos trouxe até aqui”, destacou a projeção com um
realismo impressionante. Era apenas o início de uma ode ao empreendedorismo
sertanejo que marca a história dos Paes Mendonça, que partiram da Serra do
Machado para conquistar os principais mercados nordestinos.
Aqui na
Bahia, o mais conhecido representante da família foi Mamede Paes Mendonça,
irmão de Pedro e tio de João Carlos. Muitos anos antes do “ali, pertinho do
Bompreço”, já existia o “se precisar de alguma coisa, vai no Paes Mendonça”,
rede que chegou a ter 86 lojas somente na capital baiana. Em Feira de Santana,
as unidades que ficavam perto da rodoviária e a do bairro do Sobradinho eram
garantia de encontrar com facilidade produtos normalmente vistos nas grandes
capitais.
de
investidores, que criou a Unimar, encerrando a trajetória da marca no estado. O
sobrenome Paes Mendonça, entretanto, seguiu vivo no varejo supermercadista por
mais tempo, com a marca Bompreço, de Pedro e João Carlos. Hoje, o Grupo JCPM
mantém dois dos principais shoppings centers da capital baiana, o Salvador e o
Salvador Norte.
A
emoção de ver a imagem do pai projetada fez o seu João Carlos quebrar
rapidamente o protocolo. Tinha um discurso escrito, mas olhou para o Teatro
RioMar, dentro do shopping de mesmo nome construído por ele, respirou e disse,
sem muito sucesso ao tentar conter a emoção: “é duro minha gente, receber a
indicação do meu pai do que fazer. Ele voltou para nos dizer o que fazer”.
“Esta é
uma noite para celebrar os encontros de uma família forte e guerreira”,
destacou João Carlos, já lendo o discurso. Segundo ele, o pai , que por toda a
sua vida tinha se dedicado ao campo, não imaginava que estava plantando a
semente de um gigantesco grupo empresarial. Mais cedo, numa conversa informal
com jornalistas, o empresário atribuiu à capacidade de inovação o sucesso
empresarial da família. Neste sentido, se o pai teve a ideia de oferecer água
aos passantes, João Carlos, com o Bompreço, foi o responsável por colocar no
mercado o cartão de crédito Hipercard e o Bomclube, um dos primeiros cartões
fidelidade no ramo supermercadista do Brasil.
Nem é
preciso que seu João Carlos argumente muito para provar a capacidade de
inovação do Grupo JCPM. Num país em que apenas 0,01% das empresas chegam ao
primeiro século de atividade, sobreviver por 90 anos, driblando planos
econômicos e a insegurança jurídica, que são marcas do Brasil, demonstram que
há algo diferente na empresa. E foi justamente esta certeza que fez o
empresário de 86 anos encerrar as suas palavras em Recife convidando os
presentes para a celebração do centenário do JCPM.
Gratidão
é uma palavra muito presente no discurso e nas ações do empresário. O tio
Mamede foi lembrado na história do grupo por ter ajudado, junto com outros
empresários locais, Pedro e João Carlos a reconstruírem um armazém que foi
incendiado em 1949. A solidariedade se sobrepôs à lógica concorrencial e gerou
uma gratidão que ultrapassou décadas.
O
incêndio é contado no primeiro capítulo do livro ‘JCPM – O grupo e a trajetória
de João Carlos Paes Mendonça, o empresário que gosta de gente, de trabalho e de
mudar a vida das pessoas’. Seu Pedro precisou conter o filho, na época com 20
anos, para evitar que ele tentasse enfrentar as labaredas. “Se entrar, você
morre”. A biografia, escrita pelo jornalista Saulo Moreira, faz questão de
registrar os nomes de quem estendeu a mão no momento crítico. Mamede e
Euclides, irmãos de Pedro, o concorrente Gentil Barbosa, além de amigos da
família, como Antônio e Manoel Andrade, estão entre os que se fizeram
presentes. Antônio avisou à sua tesouraria que todos os recursos pedidos por
João deveriam ser providenciados.
Há dois
capítulos que merecem ser lidos com muita atenção. O número 6 conta a história
do Bompreço, do seu nascimento nos anos 70, passando pela conquista do
Nordeste, até o final da saga nos anos 2000. No 10º, o recomeço do grupo traz o
retorno de seu João Carlos a Salvador. Destaques para a história da compra do
terreno em que seria construído o Hiper Bompreço na Avenida ACM e, anos mais
tarde, do Salvador Shopping, na Avenida Tancredo Neves, com um investimento de
R$ 300 milhões na época – quase R$ 1 bilhão em valores atualizados. Alguns anos
depois, foi a vez do Salvador Norte, com investimento de R$ 200 milhões (cerca
de R$ 516 milhões em números atuais).
O
advogado João Paulo Cavalcante Filho, responsável pelo prefácio do livro, diz
que a obra conta “a história improvável de um menino que trocou sua infância
pela aventura (quase insana) de conquistar o mundo”. E não há nada de exagero
nestas palavras. João Carlos gosta de repetir que começou a trabalhar aos 9
anos e fez questão de comprovar isso durante a comemoração pelos 90 anos do
grupo. Ao entregar uma placa comemorativa para Isaias de Assis Oliveira, 89
anos, fez questão de registrar: “este daqui é a única prova viva de que eu
comecei a trabalhar com 9 anos, porque ele começou com 11 na mesma época que
eu. Todas as outras testemunhas já estão em um outro plano”.
Idade
para se aposentar ele já tem, mas parar não está nos planos do presidente do
grupo, do conselho de administração e o principal estrategista do JCPM. “Espero
viver até os 100 anos para continuar discutindo estratégia e expandir o
trabalho de compromisso com as pessoas e as novas gerações”, projeta.
Apesar
do protagonismo empresarial, seu João diz não gostar muito de aparecer. Diante
de quase 20 jornalistas, ele, que é dono do Sistema Jornal do Commercio de
Comunicação, avisa o diretor Laurindo Ferreira que na edição da última
terça-feira (dia 13) estavam liberadas fotos dele e da esposa, Auxiliadora. “Eu
acho o trabalho dos cronistas sociais uma coisa formidável, mas não gosto de
aparecer lá”, riu. “Estou a 35 anos perdendo dinheiro com jornal”, diz.
Num
momento de autocrítica, seu João afirma que um dos seus principais erros na
atividade empresarial foi entrar em mercados em que não tinha conexão. Talvez
por isso tenha concentrado suas atividades em Pernambuco, Ceará, Sergipe, sua
terra natal, e Bahia. Em todos estes mercados, o empresário destaca, sem
precisar de pesca, os investimentos já realizados e os planos para o futuro.
Em
Salvador, ele enfatizou o trabalho social desenvolvido pelo Instituto JCPM nos
bairros de Pernambués e São Cristóvão. Em Salvador, os institutos formam todos
os anos entre 3,5 mil e 4 mil jovens em cursos de formação profissional ou de
preparação para o Enem.
Na área
empresarial, anunciou uma expansão de 10 mil metros quadrados no Salvador
Norte. Além de ampliar o espaço para estacionamentos, o aumento servirá para
abrigar a primeira unidade do Mix Mateus na capital baiana e de mais duas mega
lojas, cujas bandeiras não foram anunciadas por ele. “Um aumento de 10 mil
metros não é pouca coisa. Aquela área (o bairro de São Cristóvão), é simples,
economicamente não é tão forte, mas um dia será”, acredita.
Apesar
do olhar para o futuro e da enorme capacidade de inovação, o empresário guarda
pelo menos uma semelhança com empresários mais tradicionais: não gosta de
trabalhar com níveis elevados de alavancagem em seus negócios. Em resumo, não
gosta de pagar juros elevados. “Me perguntam muito sobre as condições da
economia. Eu tenho um amigo reclamando muito dos juros. Quem reclama de juros
altos é quem está tomando crédito. Para mim está baixo, porque eu estou
investindo”, diz.
O
cuidado em relação à busca de crédito, explica, se dá pelo perfil do negócio de
shopping, que João Carlos acredita ser de risco. “Somos alugadores de espaços.
Estamos entre as quatro maiores empresas deste tipo no Brasil e entendemos que
quem fatura neste negócio são os lojistas e não nós. As nossas receitas crescem
o IGP-M (índice de referência para reajustes de aluguéis no país)”, afirma.
Para o
empresário, a indústria de shoppings precisa acompanhar as mudanças nos hábitos
dos consumidores, mas ele não vê o negócio como ameaçado pelo avanço do
e-commerce ou das ferramentas digitais. “Não se pode negar que o avanço do
e-commerce é uma bronca para os negócios, com produtos chineses entrando em
todos os mercados. Mas tem uma coisa que o shopping é capaz de oferecer: o
calor. O consumidor quer tocar, sentir o cheiro, e o e-commerce é frio”,
compara.
“Nós
pensamos os nossos shoppings como espaços para as pessoas conviverem. Estamos
crescendo em serviços, lazer e restaurantes”, explica.
Fonte:
Por Donaldson Gomes, no Correio

Nenhum comentário:
Postar um comentário