quinta-feira, 15 de maio de 2025

Luiz Felipe Pondé: Se o pecado da esquerda é a vaidade moral, o da direita é truculência

A direita é contra a cultura? Não responda a essa pergunta com pressa. O que Donald Trump vem fazendo com algumas universidades americanas é um exemplo de crassa estupidez, além de ferir, de fato, a autonomia de cátedra da universidade.

Autonomia de cátedra —ou liberdade de cátedra— é um princípio regulador e institucional antigo que prevê a liberdade plena de um professor ensinar, pensar, escrever e estudar o que ele julgar condizente com a missão da universidade —gerar ideias, formação profissional, liberdade de pensamento, aprofundar o conhecimento científico e conceitualmente consistente.

SEM INTERVENÇÃO

Um governo não pode interferir no cotidiano de uma universidade. Isso é um claro ato de vocação totalitária.

A pergunta que devemos fazer é: a autonomia de cátedra hoje, seja nos Estados Unidos, seja no Brasil, seja na Europa, seja na América Latina, como um todo, existe? Ou a gestão interna da universidade já a aboliu por meio dos jogos corporativos, das ideologias hegemônicas — hoje de esquerda descaradamente —, dos truques das reitorias, das instâncias colegiadas e dos conselhos universitários internos?

Ou será que a burocracia que emana das instâncias reguladoras (no Brasil, a Capes) já não destruiu a criatividade dos professores, que correm em busca de métricas que os ajudem a ganhar financiamentos? Lembrando que essas instâncias tendem a ser colonizadas pela mesma ideologia que domina a universidade.

FAZER EXCLUSÃO

Uma das formas maiores de violência interna às instituições é a exclusão de pessoas da sociabilidade entre os colegas. Um pouco como se fazia com pecadores e hereges noutras épocas.

Harvard ou Columbia não escapam dessas mazelas. A rede de destruição da liberdade de cátedra em favor de consórcios ideológicos e políticos é internacional. E o trânsito internacional vale ouro para as agências de aferição de produtividade.

É comum ver nas universidades hoje carreiras sendo destruídas, objetos de pesquisa para mestrado e doutorado sendo recusados, colegas ou alunos serem alvos de assédio moral, simplesmente porque não fariam parte do consórcio ideológico ou porque seus interesses de pesquisa não se alinham aos objetivos carreiristas de muitos professores. A verdade é que as universidades não têm mais liberdade de cátedra.

LETRA MORTA

A liberdade de expressão virou letra morta. Se o pecado capital da esquerda é a vaidade moral, o da direita é a truculência. Essa truculência torna a direita burra na sua relação com as universidades, principalmente na área de humanas.

Seus agentes pensam que nelas só existem maconheiros, vagabundos e preguiçosos —senão teriam feito engenharia ou medicina. Para a direita só vale a técnica e a gestão. Pensa que é científica, enquanto a esquerda seria considerada das humanas.

Mas, evidentemente, essa opinião é fruto da ignorância que grassa entre a maioria da direita. Aliando-se via redes sociais ao “povo”, a direita multiplica sua ignorância repetindo a do senso comum. A esperança deles é acabar com a “universidade de esquerda”, como dizem, e com isso assumir o poder pleno da produção de conhecimento no país.

SURTO PASSAGEIRO

É comum ouvir membros da elite econômica dizer que o surto do filho de fazer documentários de esquerda e votar no PSOL passará logo. Mas o fato é que numa das áreas de maior impacto na sociedade essa ideia não funciona. Na área do direito, do Ministério Público e da magistratura.

Enquanto todos olhavam para os partidos políticos populistas de esquerda, a revolução está vindo do poder Judiciário. Brasil, Estados Unidos, França e Israel são apenas alguns exemplos. A ideia de que a magistratura e o Ministério Público têm missão civilizadora é apenas um dos modos do sintoma.

Outra área menosprezada pela direita —que, assim, como as universidades, só se lembra dela para xingar —é a formação dos profissionais da imprensa, um reduto, na sua imensa maioria, nas garras da esquerda.

AGÊNCIAS DO GOVERNO

Esse esquerdismo enviesa quase totalmente seus conteúdos, no caso do Brasil hoje, criando agências envergonhadas do governo Lula.

Vale salientar que o viés à direita, que existe em alguns veículos, faz um contraponto, mas o risco de virarem redutos do fundamentalismo bolsonarista é muito grande.

As fundações culturais também são objeto de desprezo e maus-tratos por parte de governos de direita. Eles parecem crer que basta matá-las de fome para que o “problema” seja sanado, em vez de buscarem quadros competentes na área que não sirva ao populismo de esquerda em voga no momento. Afora o fato de que essas áreas são um salve-se quem puder. Enfim, se alguém capaz acordar dessa estupidez, será tarde: a cultura já será um lixo.

•        Importantes dicas para conseguir suportar a politização da vida na democracia. Por Vinicius Mota

A democracia deveria ser chata. O tédio indica que as coisas funcionam bem, políticos e partidos circulam pelas posições de poder quase aleatoriamente e sem solavancos, juízes de que não se sabe o nome fazem o seu trabalho com tranquilidade, e os demais serviços públicos acontecem como o dia sucede a noite. As pessoas tocam a vida sem se ocupar muito do que ocorre nos palácios e nas assembleias.

Há mais de dez anos esse padrão se alterou num punhado de países democráticos. Simulacros de batalhas de vida ou morte impregnaram o cotidiano. Tornou-se hábito denunciar as agendas ideológicas de cientistas, artistas, professores, magistrados, empresários, sacerdotes, esportistas, diplomatas, jornalistas e inseri-las no grande jogo da política.

BAGUNÇAR O CORETO

Ganhar eleição virou credencial para bagunçar o coreto institucional e sabotar contratos sociais profundos e longevos.

Como a autoajuda ainda não saiu de moda, arrisco algumas sugestões para atravessar esse período tempestuoso minimizando, quem sabe, as avarias no casco mental.

Brasília é Brasil. Não caia no conto do vigário de que a política se transformou num clube fechado de privilegiados imorais dedicados a esfolar os bons cidadãos na planície. Se você for eleito presidente e seus amigos virarem deputados, senadores e ministros do Supremo, a situação não melhora.

SITUAÇÃO E OPOSIÇÃO

O radical é o conservador de amanhã. A história universal dos agitadores mostra que o espírito da abertura à novidade é espancado tão logo o demagogo molda o governo à sua feição e se cerca de bajuladores. Na oposição a gente faz bravata, disse um sábio político brasileiro. Acredite nele.

Político não é salvador nem exterminador da pátria. A paixonite por um candidato deveria ser encarada e tratada como síndrome aditiva. O ódio mortal também. Em regimes democráticos o pior canalha acerta aqui e ali, e o melhor estadista de vez em quando apronta uma cabeluda. Venere e execre entidades sobrenaturais, não seres humanos.

Política nacional nem sempre salva a lavoura. É mais importante preocupar-se com a instrução que as crianças recebem num raio de 5 km de você do que esgoelar-se pela anistia em Brasília. Governos e burocracias locais fazem diferença em temas cruciais.

SEM CELEBRIDADES

Politizar e moralizar tudo é artimanha de preguiçosos e néscios. A despeito das opiniões políticas de García Márquez, Vargas Llosa, Nana Caymmi e Aldir Blanc, um universo estético e artístico com códigos próprios envolve as suas obras.

Navegar por ele e nele desenvolver afinidades e críticas faz bem à alma, propicia elevação e gozo. O crápula pode ser sublime, e a vestal, cantar como uma gralha. O que uma celebridade afirmou sobre eleições e candidatos não tem valor especial. Ignore.

Há menos conspirações do que imagina nossa vã ideologia. Maquinações de vilões para destruir o planeta só abundam nos filmes da Marvel. Empresas farmacêuticas não planejam controlar nossos corpos ou evitar que a natureza sozinha nos cure e nos fortaleça. Falta de vacina e de antibiótico pode matar mesmo, e a melhor opção não estará nos florais de Bach, no leite cru, na cloroquina nem na homeopatia.

INFORME-SE, SEMPRE

Valorize o saber, não os sabichões. Procure ser menos conclusivo e mais especulativo ao abordar um campo de conhecimento que mal arranha. Amplie suas informações, aprenda sobretudo a fazer as boas perguntas e a tomar distância de quem posa de profeta para anunciar novidades radicais.

Política é teatro cívico. Os papéis se invertem, inimigos viscerais se tornam aliados, as derrotas e as vitórias nunca são totais nem irreversíveis. Faça como um político, não odeie a ponto de não negociar; não ame a ponto de não contrariar.

Converse com quem você acha que detesta. Teclar é fácil, quero ver dizer barbaridades de uma pessoa na frente dela, num papo individual. Provavelmente vocês descobrirão que estão mal informados sobre as convicções de cada um, que há preocupações e defeitos comuns e que não vale a pena gastar tanta energia com política. Ouça, repense, proponha.

•        Silêncio do Globo sobre viagem de Lula exibe o que significa “imprensa comprada”. Por Leonardo Corrêa

Foi com dureza e precisão que Estadão e a Folha de S.Paulo reagiram à visita de Lula à Rússia. Em editoriais contundentes, os dois maiores vespertinos paulistas não pouparam o presidente brasileiro pelo gesto de confraternização com Vladimir Putin, no coração de Moscou, durante as comemorações do chamado “Dia da Vitória”.

A Folha classificou a viagem como um “erro diplomático patente”, denunciando a deferência a um autocrata que promove guerra e violações massivas aos direitos humanos. Já o Estadão foi além: evocou o peso da História e carimbou a cena com palavras que não se esquecem — “o dia da infâmia da política externa brasileira”.

SEM NEUTRALIDADE

Ambos editoriais reconheceram o gesto como mais que simbólico: viram nele a falência de qualquer pretensão de neutralidade, e a submissão da diplomacia brasileira a uma lógica antiocidental.

Lula, ladeado por ditadores latino-americanos, assistiu ao desfile de mísseis que hoje esmagam cidades ucranianas. Para os jornais de São Paulo, a presença não foi um deslize; foi um manifesto, uma escolha. Um país que diz prezar pela paz não se senta à mesa com quem abraça a guerra.

No entanto, entre as grandes redações nacionais, um nome destoou. O Globo, sempre pronto a assumir o centro do debate institucional, desta vez foi tímido. Publicou um editorial antes da visita, ainda no tom das advertências diplomáticas. Condenou a reinterpretação histórica feita por Putin sobre a Segunda Guerra Mundial, mas evitou criticar diretamente o presidente brasileiro.

SEM COMENTÁRIOS

Nem a imagem de Lula na Praça Vermelha, diante de ogivas e tanques, foi suficiente para arrancar do jornal da família Marinho ao menos uma nota à altura do que se viu nos editoriais do Estadão e da Folha.

A razão talvez não esteja nas páginas de opinião, mas nas cifras da publicidade oficial. Segundo levantamento publicado pela Veja, entre 2023 e 2024 a Rede Globo recebeu R$ 177,2 milhões da Secretaria de Comunicação do governo Lula — valor que supera o total repassado à emissora durante os quatro anos de Jair Bolsonaro.

Em 2024, sozinha, a Globo ficou com 53% de toda a verba federal de publicidade destinada às principais TVs do país. Não se trata de conjectura: trata-se de números. Dados públicos que expõem um elo financeiro robusto entre o governo e a emissora que, por décadas, se autodenominou “independente”.

LUCRO ESPANTOSO

Mais do que isso: enquanto os demais grupos de mídia receberam valores menores e até decrescentes, a Globo viu seu lucro saltar 138% em 2024, chegando a impressionantes R$ 2 bilhões, conforme revelou reportagem publicada pelo portal Teletime em abril de 2025. A coincidência entre esse crescimento exponencial e o volume de repasses publicitários da Secom é eloquente demais para ser ignorada.

Diante disso, é legítimo perguntar: por que um jornal que sempre se destacou por seus editoriais vigorosos parece agora tão contido diante de um episódio tão grave? Por que a maior emissora do país, diante do constrangimento internacional causado por um presidente que se associa a ditadores e autocratas, responde com o silêncio?

A resposta pode não estar apenas na redação, mas no caixa. Quando a crítica custa caro, a complacência vira investimento. A verdade, então, não se cala: se o Estadão e a Folha ainda cumprem o papel de imprensa livre, O Globo parece cada vez mais satisfeito em atuar como assessoria de imprensa do poder. Um poder que paga bem.

VÍCIO SISTÊMICO

Mais do que omissão, o comportamento de O Globo expõe um vício sistêmico: quando o dinheiro do pagador de impostos é usado pelo governo de ocasião para financiar o discurso, a liberdade de expressão se desfaz. Não há neutralidade possível quando o Estado banca o microfone.

A crítica se torna concessão, o silêncio vira contrato, e a imprensa deixa de servir ao público para servir ao poder. O jornalismo independente não sobrevive onde a publicidade oficial compra a pauta e entorpece a vigilância. Nesse cenário, não há pluralismo — há alinhamento. Não há voz — há eco.

Enquanto isso, os mísseis dos censores não desfilam apenas em Moscou — apontam, cada vez mais, para as redes sociais.

SEM CUSTOS

Nas redes sociais, onde não há verba da Secom, não há controle por contrato. São vozes soltas, sem pauta vendida, sem blindagem estatal. E é justamente por isso que incomodam tanto.

As plataformas digitais expõem o que os editoriais calados escondem: a opinião dos indivíduos, não a conveniência dos grupos. Onde o dinheiro público não chega, a liberdade resiste. No fim, o que se cala pesa mais do que o que se diz. A imprensa existe para ser contrapeso, não escudo. Quando falha em denunciar o poder, torna-se cúmplice dele. E quando o silêncio é comprado com dinheiro público, a verdade passa a ter preço — e o cidadão, a pagar com desinformação.

Mas há ainda quem escreva sem patrocínio, quem fale sem filtro, quem resista sem medo. São essas vozes, dispersas e indomáveis, que mantêm viva a centelha da liberdade. Mesmo quando tudo parece dominado, elas lembram que o eco não é a única forma de som.

•        Perdido, só resta a Lula sua velha estratégia de culpar os governos anteriores. Por Fabiano Lana

Até que ponto funciona colocar a responsabilidade no antecessor por todo mal que há num país? A estratégia é bastante utilizada pelo Partidos dos Trabalhadores, mas é uma espécie de artimanha universal da política. O culpado é sempre o outro, o anterior, em geral, pertencente a uma turma incompetente e mal-intencionada. O grupo ora no poder apenas se esforça para remendar a situação herdada.

Mais incrível é que isso é também dito quando crimes e barbaridades continuam a acontecer sob os olhares dos mandatários atuais e em dimensão crescente. É possível que tal estratégia, com todo o cinismo envolvido, dê certo outra vez nesse escândalo do INSS? Não, porque o país é outro.

GUERRA DE VERSÕES

Se a gente fizer uma metáfora da guerra de versões que há no mundo político sobre o escândalo do furto de parte da aposentadoria de milhões de idosos, poderíamos dizer o seguinte: Bolsonaro destrancou o galinheiro, mas os ovos foram roubados para valer no governo Lula, sob a gestão do ministro Carlos Lupi.

Assim tem sido o nível do debate político em que há até reunião ministerial – com direito a troca de acusações internas – para debater a reação a um vídeo do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), cuidadosamente editado para tornar mais superlativas as falhas da gestão Lula e buscar zerar a responsabilidade de Bolsonaro, ao contrário.

Vídeo, aliás, que é da luta política. Nikolas, aliás, de uma maneira mais ágil e tecnológica, sem igual nos oponentes, faz o que os petistas sempre fizeram com os tucanos, que se mantinham inertes. Atacar com veemência utilizando as armas mais atuais à disposição – hoje são as redes.

É de alguma maneira óbvio que a oposição tem de se aproveitar de uma ideia na qual o rombo no contribuinte seja pago pelo Tesouro, ou seja, pelo próprio contribuinte.

TUDO MUITO ÓBVIO

É bom lembrar que o PT já tomou posse no Palácio do Planalto, em 2003, cravando o rótulo de “herança maldita” no governo de Fernando Henrique Cardoso. No caso do mensalão, de 2005, o PT alegou que seria um esquema de origem tucana, do governo de Minas, e vivíamos apenas a consequência daquele mal, criado há tempos.

As pedaladas da então presidente Dilma no orçamento público também seriam um hábito do governo FHC, apenas repetido. A corrupção da Petrobras era, desde a fundação da empresa, tão visada pelos tubarões. Nessa conversa toda, cuidadosamente, omitia-se que os valores desviados ou irregulares desses escândalos cresciam de maneira exponencial nas gestões Lula e Dilma à frente do governo federal.

SEM VANTAGEM

O problema é que a esquerda não tem mais a vantagem no debate público que tinha anteriormente. Num momento de perda de poder relativa de sindicatos, dos intelectuais orgânicos, dos artistas bajuladores, cada twitter, cada postagem na defesa do governo possui uma quantidade astronômica de replays críticos, agressivos e muitas vezes apenas colocando os pingos nos is, com os fatos.

O Partido dos Trabalhadores não estava acostumado a atuar nesse ambiente acirrado. Era mais fácil quando seus representantes diziam que estavam do lado do povo, mas sob combate cerrado da mídia e das elites predatórias.

A população agora tem redes sociais para expressar – apesar de toda manipulação envolvida – e o que temos é uma sociedade dividida, com uma militância antipetista ultra-atuante a barrar certas estratégias que funcionaram no passado.

PT MAIS FRACO

Hoje, inclusive, o PT quer controlar as redes não devido aos abusos, mas porque vê que o caos cibernético torna a agremiação mais fraca. “A indignação moral sempre esconde vontade de poder”, já dizia um filósofo bigodudo do século 19 – Friedrich Nietzsche.

Portanto, ficou mais difícil sempre jogar os problemas para debaixo do tapete – ou seja, eternamente para o antecessor. Agora existe o contra-argumento até mesmo histriônico e barulhento da internet.

Tornou-se inócua a cadeia de desculpas, pois podemos, inclusive, num processo histórico, falar, sucessivamente, que a culpa foi de FHC, de Sarney, de Collor, dos militares, de Getúlio Vargas, da velha República, do império, de Tomé de Souza, o primeiro governador-geral do Brasil, e quem sabe, de Pedro Álvares Cabral, que teve a desdita de nos “descobrir” para levar a culpa de todas as nossas mazelas.

 

Fonte: FolhaPress/Agencia Estado

 

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