quinta-feira, 15 de maio de 2025

Podemos esperar combatividade do Papa Leão XIV?

O cardeal Robert Francis Prevost imprimiu a si mesmo um desafio particular ao decidir pelo nome de Leão XIV e, ao mesmo tempo, saudar Francisco duas vezes em seu discurso inaugural, reafirmando assim os compromissos de seu antecessor. Os doze anos de Francisco foram de protagonismo do catolicismo no mundo diante de questões latentes. Como a agenda socioambiental – impulsionada pela encíclica _Laudato Si_-, a contundência no debate em favor da paz, o enfrentamento a tabus do catolicismo como o acolhimento às pessoas LGBTQIA+ , e ensaios sobre um maior protagonismo de mulheres em estruturas milenarmente conduzidas por homens.

Francisco soube esticar o tecido da Igreja para o que ele chamou de razão de ser da evangelização: “Na Igreja há lugar para todos, todos e todos.” Se o Cardeal Prevost resolvesse ser chamado de Francisco II, precisaria assumir o compromisso de continuar, ao estilo de Francisco, esse exercício de reformas da Igreja que estão inacabadas e, em muitos aspectos, incompletas.

Com o nome escolhido, ele aponta coragem diante das inevitáveis comparações, e opta não pela continuidade, mas por uma complementariedade. Aponta também distinções de seu antecessor e a busca por proximidades com o que Francisco mais despertou de positivo no mundo com sua imagem: o cuidado pastoral.

Ao optar por retomar a linha de Leão XIII, o grande inaugurador do pensamento social da Igreja, Prevost despertou a curiosidade do mundo inteiro pela encíclica Rerum Novarum (“Das coisas novas”: sobre a condição do operário do século XIX), documento que serviu de justificativa para construção de bases sólidas de leis trabalhistas e que culmina também na formação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1907.

Leão XIII foi um homem europeu que optou pela conciliação de classes, investindo em um processo duplo de frear as revoltas pelo mundo inteiro, reafirmando o caminho capitalista, e reconhecer que era necessário dignidade no mundo do trabalho.

<><> Trabalho digno e paz, missões difíceis

Feita a escolha do nome Leão XIV, qual é a conciliação ou concórdia que o novo Papa logrará a luz da Rerum Novarum? Relatórios da OIT afirmam que nos países de baixa renda, o desemprego continua sendo um desafio significativo, agravado pela escassez de empregos formais e pela prevalência do trabalho informal, que compromete a qualidade do emprego. Embora muitos trabalhadores estejam ocupados, a maioria atua em condições precárias, sem proteção social, segurança no trabalho ou salários dignos.

A ebulição das guerras no mundo – há mais de 80 conflitos neste momento – mostra que o seu pontificado deverá responder quais os caminhos para processos de efetivação da paz no mundo. O Papa Francisco trouxe contribuições como a retomada de relações entre Estados Unidos e Cuba no governo Obama e a ampliação do diálogo com as religiões orientais e asiáticas. Ele também se empenhou em mediações importantes, como as suas inúmeras tentativas de cessar fogo na Palestina. Aliás, sua morte gerou uma crise diplomática com a retirada, pelo governo de Israel, de uma nota de condolências inicialmente publicada.

<><> Uma pedra no sapato de Donald Trump

O estilo de Leão XIV será diplomático ou fará gestos de denúncia? Francisco foi muito hábil com as mensagem enviadas por imagens. No Natal de 2024, por exemplo, ocupou as manchetes do mundo e provocou reações ao colocar um keffiyeh (símbolo palestino) na manjedoura do Vaticano.

Ele também denunciou, em inúmeros fóruns, uma economia que mata (Evangelii Gaudium, n. 53) e a pouca eficiência em dar uma nova alma à economia (Economy Of Francesco) por meio de lideranças globais. Por isso os seus discursos enfáticos com os jovens para que promovessem ‘revoluções’ (2013) e fossem profetas de uma nova economia (2022). Além disso, investiu na criação e consolidação de processos de discussão com os católicos das periferias, sobretudo com os movimentos populares, como exemplifica a Economia de Francisco e Clara e os encontros globais com Movimentos Populares.

Com seu discurso inaugural centrado na paz no mundo, Leão XIV parece ter um caminho aberto para dialogar com a sociedade norte-americana e mundial, hoje sob o discurso bélico, odioso e sectário da extrema direita mundial. A perspectiva deste Papa de dupla nacionalidade (estadunidense e peruano), que trabalhou décadas com migrantes, refugiados e comunidades periféricas, é de que seja possível construir um projeto político de fraternidade entre os povos em que o amor se manifeste em gestos de solidariedade, acolhida e cuidado públicos. Leão XIV poderá ser um importante contraponto a figura de Donald Trump, tanto para a sociedade estadunidense, como também para o mundo, portanto, uma grande pedra no sapato da extrema direita global.

O desafio de Leão XIV no diálogo com os católicos das periferias do mundo será orientar a crítica contemporânea a uma economia marcadamente sem povo. Em ritmo acelerado, o capitalismo global concentra monopólios e fragiliza as estruturas de governanças políticas e econômicas que poderiam levar a pactos para superar desigualdades estruturais.

Em uma época de desregulamentação e fragilização de pactos econômicos de combate às misérias, concentração de monopólios e financeirização cada vez maiores, há dois feixes de luz emanados pela memória da Rerum Novarum de Leão XIII, datada de 1891, que poderão iluminar os posicionamentos do novo Papa:

1) “O sistema econômico que se baseia puramente na liberdade de mercado, sem qualquer controle, leva à concentração de riqueza nas mãos de poucos e à miséria das grandes massas de trabalhadores”.

2) “É dever do Estado intervir na economia para assegurar a justiça social e garantir que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados”.

<><> Desastres climáticos e sinodalidade

A maior herança diante da crise climática e socioambiental do Papa Leão XIV é o debate inaugurado pela encíclica de Francisco ‘Laudato Si’ e continuado pela exortação apostólica ‘Laudate Deum’.

Se a sociedade se despede de um pontífice ambientalista, uma série de agendas e compromissos que foram consolidados baterão à porta de Roma. Do que parece ser um caminho incontornável (os compromissos socioambientais vindos de um Papa), espera-se a reafirmação do apelo da indissociabilidade entre a crise social e ecológica. E que isso seja reafirmado nos próximos anos por novos compromissos e reflexões, dando novo fôlego à agenda política socioambiental diante dos desastres climáticos pelo mundo.

Por fim, a sinodalidade — tema que extrapola os muros da Igreja e surgiu no Vaticano II, do qual Francisco foi continuador — deriva do grego sínodos, “caminhar juntos”, e ocupa o coração da geopolítica da Cúria Romana e da eclesiologia mundial. Ela propõe uma Igreja menos piramidal, mais circular e que incorpore a diversidade que exala no mundo também nas decisões políticas do Vaticano.

O Papa Leão XIV mostrou-se, anteriormente, afeito a essa dinâmica ao acompanhar diversos leigos no processo de construção de uma Igreja mais participativa na Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe (AELAC), realizada na Cidade do México em 2021 — um evento histórico e um exemplo expressivo de escuta das periferias latino-americanas, que ele deverá motivar a prosseguir.

Os elementos expostos neste ensaio oferecem um caminho para compreender que, se por um lado o Papa Leão XIV renova o compromisso com a grande virada da Igreja Católica no mundo que foi o Vaticano II, por outro há uma evidente ausência de contundência neste início de papado. Isso fica evidenciado pela opção, em seu discurso inaugural, de citar apenas “aqueles que sofrem”. Essa distinção em relação a Francisco, que nomeava diretamente “os pobres”, pode revelar maior leniência diante dos processos de injustiça ocorridos pelo mundo.

aposta dos cardeais que escolheram Leão XIV foi em um Papa que avança com o tempo histórico, buscando diálogo e interlocução, mas com o cuidado e a atenção necessários para não romper com processos doutrinários clássicos. É um perfil que pode implicar, sobretudo, em não responder de imediato às demandas por inclusão total das pessoas que sofrem — como mulheres, pessoas gays e transexuais —, mas promover uma inclusão gradual pautada no respeito, no diálogo e na convivência. Diante de um mundo eclipsado pelo conservadorismo, trata-se de um aceno importante. Porém, frente aos apelos de uma sociedade pluralista, constitui um alerta sobre a possível dificuldade de conexão com as agendas emergentes que interpelarão particularmente este pontificado.

¨      Leão XIV promete “fortalecer o diálogo e a cooperação da Igreja com o povo judeu”

A mensagem foi enviada pelo novo Papa a inúmeras comunidades e associações judaicas espalhadas pelo mundo e nela Leão XIV escreveu: “comprometo-me a continuar e a fortalecer o diálogo e a cooperação da Igreja com o povo judeu, no espírito da declaração Nostra Aetate do Concílio Vaticano II”. Estas palavras foram acolhidas com satisfação e gratidão pelos responsáveis daqueles grupos, depois de os últimos meses do pontificado de Francisco terem ficado marcados por alguns momentos de tensão devido às declarações do Papa argentino sobre a guerra em Gaza, que alguns interpretavam como críticas a Israel pela sua conduta.

“Estamos profundamente comovidos que o Papa Leão XIV, tão cedo no seu pontificado, tenha reafirmado o seu compromisso com as relações católico-judaicas”, reagiu o Comité Judaico Americano após ter recebido a carta, dirigida ao seu diretor de assuntos inter-religiosos, o rabino Noam Marans. “À medida que nos aproximamos do 60º aniversário desta declaração histórica, ansiamos por trabalhar juntos para aprofundar a compreensão e a cooperação”, prossegue a publicação do Comité.

Escrita por Paulo VI em 1965, a declaração Nostra Aetate aborda a postura da Igreja Católica em relação a todas as religiões não cristãs. No parágrafo 4, o documento reconhece o “tão grande o património espiritual comum aos cristãos e aos judeus”, recomendando que se fomente “entre eles o mútuo conhecimento e estima, os quais se alcançarão sobretudo por meio dos estudos bíblicos e teológicos e com os diálogos fraternos”.

Nostra Aetate também condena o ódio e a violência contra os judeus e o judaísmo, observando que o povo judeu como um todo não deve ser responsabilizado pela morte de Cristo e reprovando  “todos os ódios, perseguições e manifestações de antissemitismo, seja qual for o tempo em que isso sucedeu e seja quem for a pessoa que isso promoveu contra os judeus”.

Recorde-se que o gabinete do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, só publicou a sua mensagem de condolências à Igreja Católica três dias após a morte do Papa Francisco e, nas cerimónias fúnebres – que contaram com a presença de cerca de 50 chefes de estado de todo o mundo – Israel foi representada pelo seu embaixador na Santa Sé.

Já na última quinta-feira, logo após a eleição do novo pontífice, Netanyahu parabenizou-o. “Parabéns ao Papa Leão XIV e à comunidade católica mundial. Desejo ao primeiro papa dos Estados Unidos sucesso em promover a esperança e a reconciliação entre todos os fiéis”, disse ele. Aos seus votos juntaram-se os do presidente israelita Isaac Herzog, que encorajou Leão XIV a “fortalecer a amizade entre judeus e cristãos”.

O padre John T. Pawlikowski – antigo professor do agora Papa Leão XIV no Programa de Estudos Católico-Judaicos em Chicago – assinalava esta terça-feira, 13 de maio, no jornal Jewish News, que “a única área da relação entre católicos e judeus que pode permanecer um tanto conflituosa é a relação entre Israel e Gaza e a resposta militar em curso”.

Considerando que Leão XIV “provavelmente seguirá a mesma linha” de Francisco, Pawlikowski  reconhece que isso poderá “gerar certa tensão entre o Vaticano e a liderança judaica internacional”.  A escolha do Papa para o cargo de Secretário de Estado do Vaticano poderá ter “uma influência importante nas opiniões papais sobre Israel e Gaza”, assinala.

Seja como for, o especialista em diálogo inter-religioso deseja que o Papa Leão XIV “avance ainda mais nas relações entre católicos e judeus, seguindo o exemplo dos seus antecessores no papado desde o Vaticano II. Isso inclui novos desenvolvimentos nas áreas teológica e litúrgica, além de se manifestar veementemente contra a crescente onda de antissemitismo”.

 

Fonte: Por Eduardo Brasileiro, em Outras Palavras/7 Margens

 

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