Podemos
esperar combatividade do Papa Leão XIV?
O
cardeal Robert Francis Prevost imprimiu a si mesmo um desafio particular ao
decidir pelo nome de Leão XIV e, ao mesmo tempo, saudar Francisco duas vezes em
seu discurso inaugural, reafirmando assim os compromissos de seu antecessor. Os
doze anos de Francisco foram de protagonismo do catolicismo no mundo diante de
questões latentes. Como a agenda socioambiental – impulsionada pela
encíclica _Laudato Si_-, a contundência no
debate em favor da paz, o enfrentamento a tabus do catolicismo como o acolhimento às pessoas LGBTQIA+ , e ensaios sobre um
maior protagonismo de mulheres em estruturas milenarmente conduzidas por
homens.
Francisco
soube esticar o tecido da Igreja para o que ele chamou de razão de ser da
evangelização: “Na Igreja há lugar para todos, todos
e todos.” Se
o Cardeal Prevost resolvesse ser chamado de Francisco II, precisaria assumir o
compromisso de continuar, ao estilo de Francisco, esse exercício de reformas da
Igreja que estão inacabadas e, em muitos aspectos, incompletas.
Com o
nome escolhido, ele aponta coragem diante das inevitáveis comparações, e opta
não pela continuidade, mas por uma complementariedade. Aponta também distinções
de seu antecessor e a busca por proximidades com o que Francisco mais despertou
de positivo no mundo com sua imagem: o cuidado pastoral.
Ao
optar por retomar a linha de Leão XIII, o grande inaugurador do
pensamento social da Igreja, Prevost despertou a curiosidade do mundo inteiro pela encíclica Rerum Novarum (“Das coisas
novas”: sobre a condição do operário do século XIX), documento que serviu
de justificativa para construção de
bases sólidas de leis trabalhistas e que culmina também na formação da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1907.
Leão
XIII foi um homem europeu que optou pela conciliação de classes, investindo em
um processo duplo de frear as revoltas pelo mundo inteiro, reafirmando o
caminho capitalista, e reconhecer que era necessário dignidade no mundo do
trabalho.
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Trabalho digno e paz, missões difíceis
Feita a
escolha do nome Leão XIV, qual é a conciliação ou concórdia que o novo Papa
logrará a luz da Rerum Novarum? Relatórios da OIT afirmam que nos
países de baixa renda, o desemprego continua sendo um desafio significativo,
agravado pela escassez de empregos formais e pela prevalência do trabalho
informal, que compromete a qualidade do emprego. Embora muitos trabalhadores
estejam ocupados, a maioria atua em condições precárias, sem proteção social,
segurança no trabalho ou salários dignos.
A
ebulição das guerras no mundo – há mais de 80 conflitos neste momento – mostra que o
seu pontificado deverá responder quais os caminhos para processos de efetivação
da paz no mundo. O Papa Francisco trouxe contribuições como a retomada de
relações entre Estados Unidos e Cuba no governo Obama e a ampliação do diálogo com
as religiões orientais e asiáticas. Ele também se empenhou em mediações
importantes, como as suas inúmeras tentativas de cessar fogo na Palestina.
Aliás, sua morte gerou uma crise diplomática com a retirada, pelo governo de Israel, de
uma nota de condolências inicialmente publicada.
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Uma pedra no sapato de Donald Trump
O
estilo de Leão XIV será diplomático ou fará gestos de denúncia? Francisco foi
muito hábil com as mensagem enviadas por imagens. No Natal de 2024, por
exemplo, ocupou as manchetes do mundo e provocou reações ao colocar um keffiyeh
(símbolo palestino) na manjedoura do Vaticano.
Ele
também denunciou, em inúmeros fóruns, uma economia que mata (Evangelii Gaudium, n. 53) e a pouca
eficiência em dar uma nova alma à economia (Economy Of Francesco) por meio de
lideranças globais. Por isso os seus discursos enfáticos com os jovens para que
promovessem ‘revoluções’ (2013) e fossem profetas de uma nova economia (2022). Além
disso, investiu na criação e consolidação de processos de discussão com os
católicos das periferias, sobretudo com os movimentos populares, como
exemplifica a Economia de Francisco e Clara e os encontros globais com Movimentos
Populares.
Com seu
discurso inaugural centrado na paz no mundo, Leão XIV parece ter um caminho
aberto para dialogar com a sociedade norte-americana e mundial, hoje sob o
discurso bélico, odioso e sectário da extrema direita mundial. A perspectiva
deste Papa de dupla nacionalidade (estadunidense e peruano), que trabalhou
décadas com migrantes, refugiados e comunidades periféricas, é de que seja
possível construir um projeto político de fraternidade entre os povos em que o
amor se manifeste em gestos de solidariedade, acolhida e cuidado públicos. Leão
XIV poderá ser um importante contraponto a figura de Donald Trump, tanto para a
sociedade estadunidense, como também para o mundo, portanto, uma grande pedra
no sapato da extrema direita global.
O
desafio de Leão XIV no diálogo com os católicos das periferias do mundo será
orientar a crítica contemporânea a uma economia marcadamente sem povo. Em ritmo
acelerado, o capitalismo global concentra monopólios e fragiliza as estruturas
de governanças políticas e econômicas que poderiam levar a pactos para superar
desigualdades estruturais.
Em uma
época de desregulamentação e fragilização de pactos econômicos de combate às
misérias, concentração de monopólios e financeirização cada vez maiores, há
dois feixes de luz emanados pela memória da Rerum Novarum
de Leão XIII, datada de 1891, que poderão iluminar os
posicionamentos do novo Papa:
1) “O
sistema econômico que se baseia puramente na liberdade de mercado, sem qualquer
controle, leva à concentração de riqueza nas mãos de poucos e à miséria das
grandes massas de trabalhadores”.
2) “É
dever do Estado intervir na economia para assegurar a justiça social e garantir
que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados”.
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Desastres climáticos e sinodalidade
A maior
herança diante da crise climática e socioambiental do Papa Leão XIV é o debate
inaugurado pela encíclica de Francisco ‘Laudato Si’ e continuado pela
exortação apostólica ‘Laudate
Deum’.
Se a
sociedade se despede de um pontífice ambientalista, uma série de agendas e
compromissos que foram consolidados baterão à porta de Roma. Do que parece ser
um caminho incontornável (os compromissos socioambientais vindos de um Papa),
espera-se a reafirmação do apelo da indissociabilidade entre a crise social e
ecológica. E que isso seja reafirmado nos próximos anos por novos compromissos
e reflexões, dando novo fôlego à agenda política socioambiental diante dos
desastres climáticos pelo mundo.
Por
fim, a sinodalidade — tema que
extrapola os muros da Igreja e surgiu no Vaticano II, do qual Francisco foi
continuador — deriva do grego sínodos, “caminhar juntos”, e ocupa o coração da
geopolítica da Cúria Romana e da eclesiologia mundial. Ela propõe uma Igreja
menos piramidal, mais circular e que incorpore a diversidade que exala no mundo
também nas decisões políticas do Vaticano.
O Papa
Leão XIV mostrou-se, anteriormente, afeito a essa dinâmica ao acompanhar
diversos leigos no processo de construção de uma Igreja mais participativa na
Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe (AELAC), realizada na Cidade
do México em 2021 — um evento histórico e um exemplo expressivo de escuta das
periferias latino-americanas, que ele deverá motivar a prosseguir.
Os
elementos expostos neste ensaio oferecem um caminho para compreender que, se
por um lado o Papa Leão XIV renova o compromisso com a grande virada da Igreja
Católica no mundo que foi o Vaticano II, por outro há uma
evidente ausência de contundência neste início de papado. Isso fica evidenciado
pela opção, em seu discurso inaugural, de citar apenas “aqueles que sofrem”.
Essa distinção em relação a Francisco, que nomeava diretamente “os pobres”, pode
revelar maior leniência diante dos processos de injustiça ocorridos pelo mundo.
A aposta dos cardeais que escolheram
Leão XIV foi
em um Papa que avança com o tempo histórico, buscando diálogo e interlocução,
mas com o cuidado e a atenção necessários para não romper com processos
doutrinários clássicos. É um perfil que pode implicar, sobretudo, em não
responder de imediato às demandas por inclusão total das pessoas que sofrem —
como mulheres, pessoas gays e transexuais —, mas promover uma inclusão gradual
pautada no respeito, no diálogo e na convivência. Diante de um mundo eclipsado
pelo conservadorismo, trata-se de um aceno importante. Porém, frente aos apelos
de uma sociedade pluralista, constitui um alerta sobre a possível dificuldade
de conexão com as agendas emergentes que interpelarão particularmente este
pontificado.
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Leão XIV promete “fortalecer o diálogo e a cooperação da
Igreja com o povo judeu”
A
mensagem foi enviada pelo novo Papa a inúmeras comunidades e associações
judaicas espalhadas pelo mundo e nela Leão XIV escreveu: “comprometo-me a
continuar e a fortalecer o diálogo e a cooperação da Igreja com o povo judeu,
no espírito da declaração Nostra Aetate do Concílio Vaticano
II”. Estas palavras foram acolhidas com satisfação e gratidão pelos
responsáveis daqueles grupos, depois de os últimos meses do pontificado de
Francisco terem ficado marcados por alguns momentos de tensão devido às
declarações do Papa argentino sobre a guerra em Gaza, que alguns interpretavam
como críticas a Israel pela sua conduta.
“Estamos
profundamente comovidos que o Papa Leão XIV, tão cedo no seu pontificado, tenha
reafirmado o seu compromisso com as relações católico-judaicas”, reagiu o Comité Judaico
Americano após
ter recebido a carta, dirigida ao seu diretor de assuntos inter-religiosos, o
rabino Noam Marans. “À medida que nos aproximamos do 60º aniversário desta
declaração histórica, ansiamos por trabalhar juntos para aprofundar a
compreensão e a cooperação”, prossegue a publicação do Comité.
Escrita
por Paulo VI em 1965, a declaração Nostra
Aetate aborda a postura da
Igreja Católica em relação a todas as religiões não cristãs. No parágrafo 4, o
documento reconhece o “tão grande o património espiritual comum aos cristãos e
aos judeus”, recomendando que se fomente “entre eles o mútuo conhecimento e estima,
os quais se alcançarão sobretudo por meio dos estudos bíblicos e teológicos e
com os diálogos fraternos”.
A Nostra
Aetate também condena o ódio e a violência contra os judeus e o
judaísmo, observando que o povo judeu como um todo não deve ser
responsabilizado pela morte de Cristo e reprovando “todos os ódios,
perseguições e manifestações de antissemitismo, seja qual for o tempo em que
isso sucedeu e seja quem for a pessoa que isso promoveu contra os judeus”.
Recorde-se
que o gabinete do primeiro-ministro israelita, Benjamin
Netanyahu, só publicou a sua mensagem de condolências à Igreja Católica
três dias após a morte do Papa Francisco e, nas cerimónias fúnebres – que
contaram com a presença de cerca de 50 chefes de estado de todo o mundo –
Israel foi representada pelo seu embaixador na Santa Sé.
Já na
última quinta-feira, logo após a eleição do novo pontífice, Netanyahu
parabenizou-o. “Parabéns ao Papa Leão XIV e à comunidade católica mundial.
Desejo ao primeiro papa dos Estados Unidos sucesso em promover a esperança e a
reconciliação entre todos os fiéis”, disse ele. Aos seus votos juntaram-se os
do presidente israelita Isaac Herzog, que encorajou Leão XIV a “fortalecer a
amizade entre judeus e cristãos”.
O padre
John T. Pawlikowski – antigo professor do agora Papa Leão XIV no Programa de
Estudos Católico-Judaicos em Chicago – assinalava esta terça-feira, 13 de
maio, no jornal Jewish
News,
que “a única área da relação entre católicos e judeus que pode permanecer um
tanto conflituosa é a relação entre Israel e Gaza e a resposta militar em
curso”.
Considerando
que Leão XIV “provavelmente seguirá a mesma linha” de Francisco,
Pawlikowski reconhece que isso poderá “gerar certa tensão entre o
Vaticano e a liderança judaica internacional”. A escolha do Papa para o
cargo de Secretário de Estado do Vaticano poderá ter “uma influência importante
nas opiniões papais sobre Israel e Gaza”, assinala.
Seja
como for, o especialista em diálogo inter-religioso deseja que o Papa Leão XIV
“avance ainda mais nas relações entre católicos e judeus, seguindo o
exemplo dos seus antecessores no papado desde o Vaticano II. Isso inclui novos
desenvolvimentos nas áreas teológica e litúrgica, além de se manifestar
veementemente contra a crescente onda de antissemitismo”.
Fonte:
Por Eduardo Brasileiro, em Outras Palavras/7 Margens

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