Luís
Nassif: Lula e a diplomacia do abraço
A falta
de ciência e arte é tão aprofundada nesse jornalismo pós-rede social e
pré-impeachment, que um artigo bem fundamentado merece ser comemorado. Ainda
mais em um tema – a intervenção de Janja no jantar com o presidente da China –
em que, o apito dos cachorros deixou o jornalismo refém do modelo “delenda
Lula”, tratando o tema com a mesma profundidade de uma site de fofocas.
É o
caso do excelente “O método Lula do riso na política e
diplomacia”,
de Andrea Jubé, do Valor Econômico em Brasília.
O
artigo começa falando do poder do riso. Menciona “O nome da Rosa”, de Umberto
Eco, e uma
“obra
de Aristóteles sobre a comédia, guardada a sete-chaves na biblioteca de
restrito acesso de um mosteiro beneditino na Itália, para que jamais fosse
consultada ou manuseada. “O riso sacode o corpo, deforma as linhas do rosto,
torna o homem semelhante ao macaco”, acusou em determinado trecho o abade
Jorge, guardião do acervo e vilão da trama, que se passa no século XIV,
mencionado no artigo.
Depois,
chega ao padrão Lula de espontaneidade e a visita à China.
Reconhecido
e criticado pela espontaneidade nas palavras e ações, Lula afirmou, durante
entrevista à imprensa, que tem um jeito próprio de compreender a política.
“Política é relação humana”, argumentou. Na sequência, defendeu a quebra de
protocolos: “Tem gente que cria uma certa liturgia de que você não pode chegar
perto de ninguém (…) não tem coisa entre chefe de Estado de que não pode fazer
isso, não pode fazer aquilo, você pode fazer tudo!”
Conta o
caso do Imperador do Japão, considerada figura sagrada, na qual não se pode
tocar. Ao se encontrar com o imperador Naruhito, a primeira coisa que fez foi
“agarrar e dar um abraço nele”. Foi aplaudido. E todas as cenas públicas
mostram o imperador encantado com Lula.
Em
relação ao ex-presidente da China Hu Jintao, antecessor de Xi Jinping, Lula
relembrou que Jintao usava os cabelos com brilhantina, e toda hora, ao
encontrá-lo, cumprimentava-o passando a mão na cabeça, e desarrumando os
cabelos do chinês. “É assim que eu faço política, é assim que eu trato as
pessoas e é assim que eu gosto de ser tratado”, concluiu.
Depois
de narrar as cenas, a repórter entra no essencial, uma análise do efeito-Lula
nas relações internacionais.
“Um
diplomata experiente ouvido pela coluna ponderou que as quebras de protocolo na
diplomacia nem sempre são consideradas graves. No caso de Lula, avalia que o
presidente recorre à informalidade como recursos de narrativa pessoal, e
acredita que, em algumas situações, isso torna-se até mesmo “especial”.
Este
diplomata ressalva que o ideal é respeitar o protocolo. No caso dos chineses, a
formalidade é a regra do jogo porque eles dominam esse ambiente rígido.
Contudo, se Lula chega e introduz um elemento surpresa, como tocar no braço do
interlocutor, ele desarma a autoridade com quem está dialogando. “Ele joga o
jogo dele ao invés de jogar o dos outros, isso é legítimo e saudável”,
analisou.
Depois
de explicar o “estilo Lula” de diplomacia, a repórter entra pelos problemas
concretos a serem enfrentados por Lula, “começar pelo escândalo dos desvios nas
pensões e aposentadorias do INSS, que o ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Flávio Dino chamou de “tragédia social”.
E
termina magistralmente:
“Acho
que o riso é bom remédio, como os banhos, para curar os humores e as outras
afecções do corpo”, filosofa Baskerville. Lula só tem que tomar cuidado para
não deixar a oposição rir por último.
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Comentário de Luiz Gonzaga Belluzzo
“Em
sua arrogante mediocridade, os tecladistas do formigueiro fervilhante das redes
não entendem que estão soterrados na servidão das sombras e das inverdades.
Entalados nas algemas da concorrência por likes, sem propósito nem destino, os
humanos desataram um festival de ignomínias contra o ex-presidente Lula. Eles
“se acham”, mobilizam multidões de “se achões”, mas, incapazes de reconhecer a
humanidade do outro, não encontram a si mesmos. Não se trata de um conflito
entre indivíduos bons ou maus, ruinzinhos versus bonzinhos, mas sim do
apodrecimento do tecido social, uma peste devastadora que contamina o espírito
humano com o fedor dos esgotos. Sim, o espírito humano.”
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Comentário de um assessor da GAC
“Li
o artigo. Posso te dizer sobre o que vi. O presidente da GAC, Wei Haigang,
empresário, ficou encantado com o Lula. Ele estava nervoso antes do encontro.
Eu tinha preparado um briefing sobre Lula e como ele agia. Mas nem isso o
preparou para o charme e simpatia de Lula, que deixou o papel de “rigoroso”
para os ministros e puxou para si o papel de encantador de empresários. E
funcionou.”
¨
A Folha e a ‘expressão alheia’ no TikTok. Por Hugo Souza
Em
editorial publicado neste domingo, 18, a Folha de S.Paulo afirma que o “governo Lula gostaria de censurar
TikTok e outras redes”. Trata-se de repetição com adaptação da velha – e
infundada – ladainha de que regulação da mídia significa ataque à liberdade de
expressão, acusação tão repisada pela imprensa corporativa ao longo dos
governos do PT.
Segundo
a Folha, o governo brasileiro não pode abrir diálogo com o Estado chinês, que
tem participação e influência no TikTok, sobre a atuação da empresa no Brasil,
porque isso seria “conclamar representante de ditadura para dar lições sobre
controle de redes sociais”.
Porque,
claro, só quem pode ter assunto com “uma das mais repressivas ditaduras do
planeta” é o agronegócio; são insuspeitos latifundiários goianos e
sul-mato-grossenses exportadores de soja, milho, açúcar e celulose.
Ou o
PagBank, que desde 2020 tem uma parceria com o TikTok que permite
àqueles que fazem dinheiro com vídeos na plataforma chinesa (e sabemos bem quem
são) transferirem seus ganhos para a “conta rendeira” do banco digital do Grupo
UOL, subsidiária do Grupo Folha.
Já o
governo de um país não pode atuar contra os perfis misóginos que proliferam no
TikTok e contra quem desafia crianças e adolescentes a se mutilarem na frente
de webcams. Porque isso, para a Folha, seria o governo desse país tentando
silenciar “forças oposicionistas”.
“Censura,
pois é disso que se trata”, diz a Folha, num passe – mais um – de naturalização
da extrema-direita e seus subprodutos. Na Folha, violência contra a mulher e
violência psicológica, pois é disso que se trata, viraram legítima “expressão
alheia”
¨
A Cultura que precisamos para uma democracia
transformadora. Por Cândido Grzybowski
Normalmente
avaliamos as democracias de uma perspectiva quase exclusiva da política e do
poder estatal vigente, incluindo aí o Congresso. Pessoalmente, tenho destacado
a economia que aprisiona o poder estatal e o papel estratégico que pode ter a
sociedade civil e as cidadanias ativas em disputa de hegemonia, como nos lembra
Gramsci. Mas precisamos considerar a questão cultural cujo papel
decisivo cabe fundamentalmente à sociedade civil, pois tem a ver com
solidariedade, valores éticos de cuidado, convivência e compartilhamento, entre
todas e todos e a natureza.
Estou
me referindo à cultura consumista, fundamental para o capitalismo. Foi o José
(Pepe) Mujica que me fez pensar nisto num artigo recente, a que tive acesso
agora, depois de sua morte. Sua reflexão me parece fundamental. Ele foi
guerrilheiro Tupamaro quando jovem e lutou contra a ditadura militar no
Uruguai, com aquela inspiração foquista da revolução em Cuba e a
instalação de um regime socialista. Pagou 12 anos de prisão por isto, grande
parte trancafiado em cela solitária. Mas mudou muito e virou uma referência
fundamental com seu modo simples de viver com sua companheira numa chácara nos
arredores de Montevidéu. Mesmo no período que foi eleito senador e presidente
do Uruguai, nunca deixou a chácara e seu fusca, com um modo de viver simples e
sóbrio.
No
artigo que li, Pepe Mujica afirma claramente o seguinte: “Um sistema social
capitalista não se resume apenas a relações de propriedade; é também um
conjunto de valores comuns à sociedade. Estes valores são mais fortes do que
qualquer exército e são a principal força que mantém o capitalismo vivo hoje.”
Um pouco mais abaixo continua:“ A luta é por uma sociedade autogerida, para
aprendermos a ser nossos próprios chefes e a liderar nossos projetos comuns.
(…) Queríamos fazer o mesmo que o capitalismo, mas com mais igualdade.” E
conclui que precisamos de uma nova cultura, uma nova ética.
Em
outro artigo, de César G.Galero, em memória do Pepe Mujica, o autor mostra a
volta ao tema da luta cultural. Segundo ele, Mujica queria dar sentido à vida,
quando defendeu um modo de viver não governado pelo mercado e pelo consumismo,
que é fundamental para o capitalismo. Por isto Mujica afirmava que “…só é
derrotado quem desiste”. Nas suas próprias palavras, ele teria afirmado que
“Quando fica evidente que erramos, simplesmente digo: errei, fiz cagada. Não
devemos ficar mentindo. Porque é necessário cultivar confiança.”
Tudo
isto remete a nossas análises e visões aqui no Brasil, até dominantes na
própria esquerda. A pergunta que devemos fazer é quanto nosso modo de ver está
contaminado pelo desenvolvimento capitalista como condição de combate à
desigualdade e pobreza vergonhosas que temos. Será que este caminho poderá
transformar nossa economia, nossa política e nossa sociedade para uma
democracia ecossocial mais potente?
Tenho
postado uma série sobre o mantra do desenvolvimento. Também sobre o
encurralamento da democracia, pelo sujeito “mercado” da Faria Lima,
agronegócio, Petrobras e as grandes obras como se não tivéssemos alternativas.
Até a política praticada pelo Ministério da Fazenda e Banco Central se rende ao
mercado neste governo Lula III. Sem dúvida cria empregos precários e estimula o
tal “empreendedorismo” e, em parte, distribui a renda e acesso ao consumo. Mas
de que qualidade e, sobretudo, com que impacto na integridade da natureza e
mudança climática? Como afirmou o Pepe Mujica, não estamos mudando as condições
para um democracia transformadora, de direitos iguais na diversidade.
Reconheço
que temos movimentos e redes de cidadania ativa virtuosos. Mas não são
hegemônicos e nem são prioridade para o governo ou Congresso. A existência de
Conselhos de representantes de organizações em volta de algumas políticas não
indicam que estamos em uma democracia participativa. Além disto, temos uma onda
de extrema direita com raízes fortes e ameaçadoras, em quase todos
os países democráticos. Até onde e quando? Temos que diagnosticar tudo isto
como limites para uma democracia transformadora. Cabe fundamentalmente aos
setores organizados da cidadania a tarefa de enfrentar o mercado e o consumismo
como condições de mudança de tal quadro. Não bastam ações pontuais em situações
de calamidade, mas que são, sem dúvida, necessárias. Temos que olhar e nos
engajar numa estratégia livre da ditadura do mercado e seu consumismo.
Fonte:
Jornal GGN/Come Ananás/Sentido e Rumos

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