quinta-feira, 22 de maio de 2025

José Manoel: O STF e a destruição dos direitos trabalhistas no Brasil

A maioria do que se chama de esquerda no Brasil sofre de amnésia crônica. Prova disso é a idolatria recente pelo STF. O Supremo Tribunal Federal é um dos aparelhos do Estado burguês brasileiro mais aristocráticos, elitistas, oligárquicos e antipopulares. Teve papel fundamental na legalização das ilegais e imorais privatizações da era FHC, no golpe de 2016 e nos ataques aos direitos trabalhistas, previdenciários, sociais e nas privatizações durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Basta lembrar, por exemplo, que o STF permitiu a manobra espúria de privatizar, sem aprovação do Congresso, as filiais das empresas públicas – desde que preservada a matriz. A partir dessa malícia – como falamos em Recife –, a Petrobras foi desmontada e fatiada (gasodutos, oleodutos, refinarias, fábricas de fertilizantes, distribuidora e afins; tudo foi considerado mera filial e privatizado instantaneamente).

Outro episódio recente é ilustrativo do papel do STF na luta de classes no Brasil. A enfermagem – enfermeiras, técnicos e auxiliares – conseguiu arrancar, em 2022, a aprovação do piso salarial da categoria. Dado o contexto da pandemia global de covid-19 e a intensa mobilização das trabalhadora, além, é claro, de ser ano eleitoral, foi impossível para o Congresso Nacional e para a Presidência de Jair Bolsonaro se colocarem contra a conquista do piso. Mais de 2 milhões de trabalhadoras e trabalhadores garantiram uma vitória importante. A burguesia da saúde, como sempre, recorreu ao STF, que atacou, deformou e trucidou o piso salarial da enfermagem.

Agora, em 2025, novamente o STF atua como última reserva de força da classe dominante brasileira. Os setores mais lúcidos da burguesia sabem que não é possível vencer a batalha da opinião pública sobre o fim da escala 6×1. Se a maioria do que se entende por esquerda no país realmente pegar o tema com seriedade, organização e firmeza ideológica, é uma batalha perdida para a classe dominante. A maioria dos deputados e senadores, na véspera da próxima eleição, não vai querer ficar marcada como inimiga dos trabalhadores – especialmente de um setor jovem e precarizado da classe trabalhadora, com intenso contato com a internet e as redes sociais, que não esquecerá facilmente os nomes daqueles que votarem contra seus interesses.

Tomando essa premissa e em coerência com sua atuação nos últimos anos, o STF partiu para o contra-ataque – ou a contrarrevolução preventiva, como diria Florestan Fernandes. Gilmar Mendes decidiu suspender todos os processos em curso sobre a pejotização do trabalho e promover um julgamento com repercussão geral. A pejotização é um mecanismo simples para burlar a legislação trabalhista. Em vez de contratar um trabalhador como trabalhador – um vendedor de sua força de trabalho –, a empresa exige que ele tenha um CNPJ e o contrata como pessoa jurídica, como se fosse uma empresa prestando serviço para outra. O que é, de fato, uma relação de trabalho, é falseado como se fosse uma prestação de serviços entre empresas. É comum que trabalhadores lesados por esse tipo de burla à CLT entrem na Justiça em busca do reconhecimento do vínculo empregatício.

O que Gilmar Mendes e a maioria do STF desejam é afirmar que a pejotização não é ilegal – numa violação aberta da CLT e em um falseamento das relações de trabalho. A partir de uma premissa liberal – a ideia de que as pessoas são livres para escolher sua forma de relação com as empresas –, a lógica do STF é tornar legal a pejotização, impedindo a abertura de processos judiciais para o reconhecimento do vínculo. A consequência prática, se aprovada, será a de que uma empresa pode ter 10 mil trabalhadores na prática, mas formalmente nenhum. Apenas 10 mil CNPJs, atuando como pessoas jurídicas prestadoras de serviço.

Pela via da pejotização, é possível escapar do pagamento de férias, 13º salário, licença-maternidade e paternidade, FGTS, contribuições para a Previdência Social e afins. Também é possível acabar com sindicatos, greves, reivindicações salariais e, o mais importante: anular, na prática, qualquer efeito positivo da conquista do fim da escala 6×1.

É urgente termos máxima clareza sobre o tema. Se o STF legalizar de vez a pejotização no Brasil, a aprovação do fim da escala 6×1 torna-se inútil. O Brasil, objetivamente, deixará de ter uma estrutura jurídica de regulação do mercado de trabalho. Qualquer dono de loja, empresa ou até mesmo família que empregue uma doméstica ou babá poderá exigir um CNPJ e firmar contrato de prestação de serviço.

A gravidade da questão se agiganta diante do silêncio das esquerdas brasileiras. A maioria dos parlamentares, intelectuais, movimentos sociais, sindicatos, centrais sindicais, veículos de mídia “progressistas”, prefeitos, governadores e ministros ditos “progressistas” permanece simplesmente calada. O presidente da República, o senhor Lula, e o ministro do Trabalho, o senhor Luiz Marinho, também seguem dando pouca atenção ao tema.

Sem iniciarmos imediatamente uma forte e massiva campanha pública em defesa dos direitos trabalhistas e da Justiça do Trabalho contra os ataques do STF, sofreremos o maior golpe da história da CLT, com a maioria do povo sequer tendo consciência do que está acontecendo. Será, ao mesmo tempo, a morte da CLT e o enterro da luta pelo fim da escala 6×1.

•        Desafios na luta pelo fim da escala 6×1. Por Bruno Machado

As últimas manifestações pelo fim da escala 6×1 demonstraram que a esquerda ainda é capaz de tentar forçar mudanças estruturais por meio da força das ruas, ao mesmo tempo em que revelaram a dificuldade de se conseguir uma grande adesão aos protestos.

A capacidade dos movimentos de esquerda de mobilizar pessoas é um dos fatores mais importantes na definição da estratégia de atuação política dos partidos majoritários do campo progressista. Um baixo potencial de agitação de massas acaba levando esses partidos a buscarem meios mais conservadores de acesso e gestão do poder estatal, como ocorre atualmente no petismo.

Os maiores desafios à necessidade da esquerda em conquistar corações e mentes da classe trabalhadora podem estar ligados ao aumento do individualismo e ao isolamento nos postos de trabalho do mundo neoliberal.

<><> Individualismo e isolamento

Um dos maiores desafios relacionados a essa capacidade é o baixo índice de organização dos trabalhadores brasileiros, fator que se deve à baixa sindicalização, associada a uma fraca identificação dos trabalhadores com seus órgãos representativos.

O isolamento se dá por fatores econômicos, como a uberização, mas também pode ser reforçado por mudanças na socialização, com o individualismo se tornando cada vez mais a força motriz da vida em sociedade. Uma das consequências diretas dessa deterioração na socialização é o aumento do sentimento crônico de solidão, que, segundo pesquisas recentes, atinge mais de dois terços dos jovens da geração Z.

Esse individualismo, que surge na vida social e atinge também as relações de trabalho, é psicologicamente mitigado pelas redes sociais, ambiente que cria uma falsa percepção de pertencimento, quando não reforça concretamente uma realidade de isolamento.

Entretanto, o fator psicológico mais importante que contribui para esse individualismo é a crença na ideia de meritocracia, que faz com que cada trabalhador enxergue como única saída para sua condição desfavorável a solução individual: a mudança de cargo, de profissão ou mesmo o empreendedorismo. Para uma parcela excepcional dessa massa de trabalhadores, essas saídas funcionam, mas, para a maioria, não surtem efeito, até porque não há espaço para todos no topo da pirâmide econômica. Somente a luta coletiva tem potencial para transformar o tamanho e a forma dessa pirâmide.

<><> Inflação e informalidade

Uma das grandes críticas à ideia do fim da jornada 6×1 é a de que a mudança provocaria inflação de custos devido ao aumento do custo do trabalho. Outra crítica, frequentemente associada à anterior, é a de que o retorno integral à escala 5×2 causaria um aumento na informalidade do trabalho.

Ambas as críticas têm fundamento, mas é importante lembrar que todo aumento salarial desassociado de um correspondente aumento de produtividade pode, de fato, causar inflação de custos.

Por essa lógica, deveríamos então ser contrários ao aumento do salário mínimo ocorrido nas últimas duas décadas, mesmo tendo a produtividade da economia brasileira permanecido, em geral, estagnada na maioria dos setores? Não parece razoável, tendo em vista toda a melhora na qualidade de vida do brasileiro médio nesse período, ainda que reste muito a ser feito.

Quanto à informalidade, pode-se ao menos suspeitar que esse fenômeno esteja muito mais associado à baixa complexidade e ao pouco avanço tecnológico do setor produtivo brasileiro. Essa realidade gera uma massa salarial muito baixa nos setores de comércio e serviços (que consomem a renda gerada no setor produtivo), levando muitos trabalhadores ao trabalho autônomo e ao empreendedorismo.

Essas alternativas frequentemente oferecem possibilidades de renda superiores à média salarial das contratações no regime CLT. Assim, a informalidade pode estar mais ligada à possibilidade de maior rentabilidade ao se oferecer serviços diretamente ao cliente, como autônomo ou microempreendedor, do que ao emprego em empresas que prestam esses mesmos serviços com baixa complexidade e poucos requisitos técnicos e tecnológicos.

Colocando na balança todo o impacto negativo que a escala 6×1 causa à saúde, à vida social e familiar dos brasileiros, frente ao suposto risco inflacionário e de aumento da informalidade, não há razão para recuar nessa luta. Além disso, estudos apontam que a escala 6×1 é prejudicial à própria produtividade do trabalho, devido ao desgaste físico e mental excessivo que impõe ao trabalhador.

Paralelamente, deve-se considerar o aumento quase exponencial dos casos de depressão e ansiedade, especialmente entre os jovens (que compõem a faixa etária mais submetida a esse regime), o que, além do aspecto humano, gera aumento nas despesas públicas com saúde, previdência e assistência social.

<><> Conclusão

Os protestos organizados pela militância da Unidade Popular (UP) em shoppings centers, locais onde a escala 6×1 costuma ser regra e as jornadas de trabalho são costumeiramente extensas e exaustivas, foram um exemplo, em pequena escala, de atos organizados pela esquerda que têm grande potencial de conquistar a simpatia dos trabalhadores diretamente afetados por esse regime.

A necessidade de se pôr fim à escala 6×1 já é uma opinião majoritária entre os brasileiros (cerca de dois terços são favoráveis à mudança), e esse regime afeta também aproximadamente dois terços dos trabalhadores com carteira assinada, de acordo com a RAIS de 2022.

Reverter o isolamento dos trabalhadores, tanto nas redes sociais quanto nos postos de trabalho, é um enorme desafio para a parcela da esquerda que não se deixou encantar pelo poder institucional e ainda acredita que somente a organização da classe trabalhadora pode promover mudanças estruturais e transformadoras no Brasil.

Sendo assim, apenas uma maior organização dos trabalhadores em sindicatos e movimentos sociais poderá empurrar os partidos majoritários de esquerda para fora da caixinha do neoliberalismo e promover as mudanças de que o país necessita para se desenvolver economicamente e se tornar mais justo.

 

Fonte: Opera Mundi/A Terra é Redonda

 

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