Da
proclamação à revolução: o que aconteceu durante os 41 anos da República Velha
A chamada
República Velha, ou Primeira República, durou oficialmente de 1889 a 1930, mas
o que foi chamado de “república” nesse período na verdade foi pouco
democrático.
Nascida
de um golpe militar e comandada por uma elite rural que mantinha valores
autoritários e racistas, a Primeira República foi, na prática, um acordo entre
os mais ricos para continuar dominando as classes sociais e o governo da época.
Vamos
entender como se deu esse processo, um resumo sobre República Velha, os
principais acontecimentos e como esse período reflete a nossa sociedade atual.
• O fim da monarquia
A
Primeira República começou com o fim da monarquia, em 15 de novembro de 1889,
quando o Marechal Deodoro da Fonseca liderou um golpe militar que derrubou o
imperador Dom Pedro II. Mas o que levou ao fim da monarquia no Brasil?
O
estopim foi uma série de crises acumuladas.
A
principal delas foi a abolição da escravidão, em 1888, com a assinatura da Lei
Áurea. A elite agrária, que era dona da maior parte das terras e da força de
trabalho escravizada, ficou furiosa: perderam seus “bens” sem receber nenhuma
compensação do governo imperial. Essa elite rompeu com Dom Pedro II e passou a
apoiar a criação de uma república — não por desejo de igualdade, mas para
manter seus privilégios de outra forma.
• O Primeiro Período da República Velha
Logo
após o período de distanciamento da monarquia, a Constituição instituída em
1891 estabeleceu o voto direto, mas apenas para homens alfabetizados com mais
de 21 anos.
Isso
excluía a maioria esmagadora dos brasileiros: mulheres, analfabetos, soldados
do Exército, padres e toda a população indígena estavam fora do processo
eleitoral. Também não havia Justiça Eleitoral — o que facilitava fraudes e
manipulação nos resultados.
Nessa
época, votar não era um direito pleno, era um privilégio de poucos.
• O Coronelismo
Entre
os principais acontecimentos do primeiro período da República Velha está o
coronelismo, que consistia no controle político e social exercido por
“coronéis” — líderes locais, geralmente grandes fazendeiros, que mandavam na
vida política das regiões do interior.
Eles
mantinham sua influência por meio de relações de dependência: ofereciam
emprego, comida, favores e proteção em troca de obediência e votos. Esse
sistema era sustentado pela pobreza e pelo medo. O chamado voto de cabresto era
comum — o eleitor era forçado ou convencido a votar conforme a vontade do
coronel.
Outro
acontecimento importante nesse primeiro período foi a crise do encilhamento,
que aconteceu entre 1890 e 1892 e teve seu estopim logo após a Proclamação da
República.
O
governo do então ministro da Fazenda, Rui Barbosa, tentou estimular o
crescimento econômico incentivando a criação de empresas e facilitando a
emissão de papel-moeda. A intenção era gerar emprego e modernizar a economia,
mas sem controle e com muita especulação, o plano virou um desastre.
Surgiram
centenas de empresas fantasmas atrás do financiamento do governo e o mercado
acabou entrando em colapso, resultando em inflação, desemprego e instabilidade
econômica.
• O Segundo Período da República Velha
A
partir de 1894, com a saída dos militares do poder e a eleição de Prudente de
Morais, tem início o que ficou conhecido como a República das Oligarquias.
Essa
fase da Primeira República foi dominada por um acordo informal entre as elites
de São Paulo e Minas Gerais – os dois estados mais ricos e influentes da época.
O estado de São Paulo era o maior produtor de café, enquanto Minas Gerais
produzia gado, leite e derivados, o que deu origem ao termo “política do café
com leite”.
Esse
acordo consistia em revezar o poder entre políticos paulistas e mineiros,
mantendo o controle do governo federal e garantindo vantagens econômicas e
políticas para suas oligarquias.
Durante
toda a Primeira República (1889–1930), o Brasil teve 13 presidentes. Aqui tem
uma lista para entendermos melhor:
• Deodoro da Fonseca (1889–1891) – Alagoas
• Floriano Peixoto (1891–1894) – Alagoas
• Prudente de Morais (1894–1898) – São
Paulo
• Campos Sales (1898–1902) – São Paulo
• Rodrigues Alves (1902–1906) – São Paulo
• Afonso Pena (1906–1909) – Minas Gerais
• Nilo Peçanha (1909–1910) – Rio de
Janeiro
• Hermes da Fonseca (1910–1914) – Rio
Grande do Sul
• Venceslau Brás (1914–1918) – Minas
Gerais
• Delfim Moreira (1918–1919) – Minas
Gerais
• Epitácio Pessoa (1919–1922) – Paraíba
• Artur Bernardes (1922–1926) – Minas
Gerais
• Washington Luís (1926–1930) – São Paulo
Os dois
primeiros eram militares — Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto — e governaram
o que se convencionou chamar de “República da Espada”, mas foi a partir de
Prudente de Morais que os civis (também ligados às oligarquias estaduais)
passaram a ocupar o poder.
Outro
fato curioso são os dois presidentes que, aparentemente, fogem à regra.
Mas
embora não fossem de São Paulo ou Minas Gerais, Hermes da Fonseca e Epitácio
Pessoa não representaram uma ruptura com a lógica da política do “café com
leite”.
Hermes,
do Rio Grande do Sul, era militar e foi eleito com apoio das oligarquias, num
momento em que o Exército buscava recuperar influência política. Já Epitácio,
da Paraíba, foi escolhido como solução de compromisso pelas elites paulistas e
mineiras após a morte de Rodrigues Alves, sendo visto como um nome neutro e
confiável.
Em
ambos os casos, apesar da origem fora do eixo dominante, os dois preservaram os
interesses das oligarquias e ajudaram a manter a estrutura excludente da
República Velha. Apesar de a olho nu não parecer, foram exceções que
confirmaram — e sustentaram — a regra.
• A Revolução de 1930
A
Revolução de 1930 foi o movimento político-militar que pôs fim à República
Velha e impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes, dando início à era
Vargas.
O
estopim do conflito foi a quebra do acordo da política do café com leite que
explicamos acima, quando o então presidente Washington Luís, paulista, decidiu
apoiar outro paulista como sucessor — rompendo o rodízio pré-acordado com Minas
Gerais.
As
elites mineiras, se sentindo traídas pelo paulista, se uniram ao Rio Grande do
Sul e à Paraíba e fundaram a Aliança Liberal, lançando a candidatura de Getúlio
Vargas, então governador do Rio Grande do Sul.
Apesar
de Vargas ter perdido a eleição, seu vice foi assassinado em julho de 1930, em
um crime que teve grande repercussão política. Em 3 de outubro de 1930, começou
o levante armado.
Em
poucas semanas, o movimento ganhou apoio popular, adesão de militares e pressão
das elites descontentes. Washington Luís foi deposto em 24 de outubro por
generais do Exército, e Vargas assumiu o poder provisoriamente em 3 de
novembro.
Mais do
que uma simples troca de governo, a Revolução de 1930 encerrou o domínio das
oligarquias agrárias e abriu caminho para um novo modelo de governança do país.
• Os reflexos da República Velha nos dias
atuais
Apesar
de ter terminado oficialmente em 1930, a República Velha deixou heranças
profundas que ainda influenciam o Brasil de hoje — especialmente nas estruturas
de poder, nas desigualdades sociais e na forma como a política é feita em
muitas regiões do país.
O
coronelismo, por exemplo, ganhou novas roupagens, mas não desapareceu.
Em
várias cidades do interior ainda existem políticos que concentram poder
absoluto, controlam recursos públicos, trocam favores por votos e usam sua
influência para manter famílias no poder por décadas.
O
clientelismo sobrevive nas promessas de emprego, nas “ajudas” pontuais em troca
de apoio político e no uso da máquina pública como moeda de barganha.
Além
disso, a desigualdade social estruturada naquele período nunca foi, de fato,
enfrentada. A concentração de terras, herdada da lógica escravista e
consolidada na República das Oligarquias, permanece como uma das bases da
injustiça brasileira.
E a
elite econômica que dominava o país no início do século XX ainda encontra ecos
em grupos que se opõem à distribuição de renda, à reforma agrária e à inclusão
social.
A
história da República Velha mostra que nem toda república é, de fato,
democrática. Entre 1889 e 1930, o Brasil viveu sob um regime marcado pela
exclusão, pela concentração de poder e pela perpetuação dos interesses das
elites agrárias — que apenas trocaram a coroa por uma farda ou uma cartola.
O povo,
recém-liberto da escravidão, continuou fora da política, sem acesso a direitos
básicos, submetido ao controle dos coronéis e ignorado pelas instituições. A
desigualdade social e a dificuldade de fazer a política representar
verdadeiramente os interesses da maioria têm raízes profundas nesse passado.
Compreender
esse ciclo histórico é essencial para desmontar os mitos que ainda sustentam
visões idealizadas do Brasil — mitos que servem para esconder os privilégios de
poucos à custa da pobreza de muitos.
Fonte:
ICL Notícias

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