sábado, 24 de maio de 2025

Hugo Souza: Mas Haddad diz que “ouve o país”. Qual país?

Horas depois de baixar um decreto com novas regras para o Imposto de Operações Financeiras (IOF), o governo Lula decidiu recuar da taxação em 3,5% das aplicações feitas por fundos de investimento brasileiros no exterior. Esses fundos especulativos não pagavam nem IOF nem Imposto de Renda sobre o dinheiro que usam para fazer dinheiro fácil em outros países, ainda mais fácil e com menor risco que no Brasil.

Ou melhor: seguirão nada pagando em impostos, após a revogação a jato do decreto. O Ministério da Fazenda disse que decidiu pelo recuo após “ouvir o país”.

Horas depois de baixar um decreto com novas regras para o Imposto de Operações Financeiras (IOF), o governo Lula decidiu recuar da taxação em 3,5% das aplicações feitas por fundos de investimento brasileiros no exterior. Esses fundos especulativos não pagavam nem IOF nem Imposto de Renda sobre o dinheiro que usam para fazer dinheiro fácil em outros países, ainda mais fácil e com menor risco que no Brasil.

Ou melhor: seguirão nada pagando em impostos, após a revogação a jato do decreto. O Ministério da Fazenda disse que decidiu pelo recuo após “ouvir o país”.

Em matéria sobre o recuo da Fazenda, a Folha informa que a plataforma BuzzMonitor identificou nesta quinta-feira, 22, 1.500 postagens nas redes sociais com menções às novas regras do IOF. A plataforma chama essas 1.500 postagens – repetindo: apenas 1.500 postagens – de “pico histórico” e informa que 74% delas tinham conotação negativa.

Caso o governo comece a revogar decretos de controle de pragas, como a proliferação de abutres, por causa de 1.110 tuitadas irritadiças, seria o caso de entregar a chave do Ministério da Fazenda a algum “faria limer” que o usa o troco da “farinha” ou do almoço mediterrâneo no Baleia Rooftop para comprar bots no X.

No Estadão, matéria sobre o decreto publicada antes do recuo do governo dizia que a cobrança de 3,5% sobre o valor da especulação rentista no exterior “poderá inviabilizar esse tipo de investimento, o que tem sido considerado um grande retrocesso por especialistas”.

Enquanto revoga a jato medida desvantajosa para o “investidor”, seguem vigentes as medidas de arrocho ao trabalhador, ao professor e ao estudante que num tempo que já vai longe tinha-se o propósito de reverter.

Parece que ninguém no governo foi “ouvir o país” para revogar os cortes quentinhos nas Universidades, nem o arrocho de mais de R$ 30 bilhões no Orçamento, e a revogação da reforma trabalhista de Michel Temer sumiu do horizonte ainda na época de outro “ajuste”: da primeira para a definitiva versão do “programa de reconstrução e transformação do Brasil” – o plano de governo apresentado pela coligação “Brasil da Esperança” em 2022.

Na primeira versão do plano de governo Lula-Alckmin, constava “a revogação da reforma trabalhista feita no governo Temer e a construção de uma nova legislação trabalhista”. Na derradeira, ajustou-se para “reconstrução da seguridade e da previdência social, para ampla inclusão dos trabalhadores e trabalhadoras, por meio da superação das medidas regressivas e do desmonte”.

Alguém se lembra do nome do grande cúmplice de Temer na instauração do reino da vara e do chicote, na reforma trabalhista de 2017? Foi Rodrigo Maia, então presidente da Câmara dos Deputados.

Hoje, Rodrigo Maia é presidente da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, poderoso lobby das aves de rapina necrófagas, essas referidas pelos jornalões como “especialistas” e a quem o Ministério da Fazenda se refere, no duro, quando fala em “ouvir o país”.

•        Magnitude das mudanças no IOF surpreende e leva Planalto a revogar medida

A revogação, em tempo recorde, do aumento do IOF sobre investimentos de fundos nacionais no exterior escancarou, mais uma vez, a tensão permanente entre o que a Fazenda faz e o que o Planalto tolera.

A medida, anunciada como forma de compensar frustrações na arrecadação — aquela mesma prevista no pacote fiscal que muitos diziam ser otimista demais — acabou poucas horas. A reação do mercado foi imediata e negativa.

A noite, por volta das 19h, o ministro da Fazenda Fernando Haddad recebeu relatos de interlocutores do mercado de que a medida tinha problemas técnicos e que poderia ser interpretada como controle de capitais.

O ministro entrou em contato com Bruno Moretti da Casa Civil, e alertou que iria fazer uma nova versão com os ajustes. Um pouco mais tarde Haddad entrou em contato com o ministro das Comunicações, Sidônio Palmeira, e o consultou sobre se ele deveria anunciar a mudança na noite de ontem ou esperar hoje de manhã. Sidônio respondeu que era melhor resolver a questão rápido e soltar a nota ontem mesmo.

•        Reação do Planalto ao anúncio de Haddad

Durante a noite, os ministros da área politica do Palácio se reuniram sem Haddad e avaliaram o impacto político da medida anunciada no fim do dia.

Quando essa reação do mercado foi notada pelos ministros — Rui Costa (Casa Civil), Gleisi Hoffmann (PT) e Sidônio Palmeira (Comunicação) — chamaram uma reunião de emergência, o titular não estava.

Nela, discutiram que as mudanças na IOF tinha magnitude maior do que haviam percebido e que teria impacto político ruim.

A área política do governo argumentou, ainda, que mexer na tributação com o decreto iria criar insatisfação com o Congresso, e que o caso lembrava muito o que aconteceu quando a Receita decidiu mudar a fiscalização do PIX, em janeiro de 2025.

O consenso: era preciso estancar o desgaste. Não pegou bem a forma, não pegou bem o conteúdo e, sobretudo, não pegou bem o timing. A decisão de recuar veio à noite, antes que o mercado reabrisse no dia seguinte. Um movimento para tentar conter o dano.

<><> Bateção de cabeça também na Fazenda

Além do choque com o Planalto, a Fazenda teve de lidar, ainda com a bateção de cabeça interna.

O secretário-executivo da pasta e número 2 de Haddad, Dario Durigan, afirmou que as mudanças anunciadas na quinta-feira (22) haviam sido combinadas com o Banco Central.

Acontece que o Banco Central deve, por lei, ser autônomo em relação ao governo.

A afirmação fez com que Haddad tivesse de vir a público dizer que nenhuma das medidas foi negociada com a autoridade monetária.

"Eu converso com o [Gabriel] Galípolo [presidente do BC] frequentemente e eu disse a ele que nós íamos tomar medidas em relação à despesa, em relação à receita, mas conforme eu respondi, a minúcia do decreto não passa pelo Banco Central", afirmou Haddad nesta sexta (23).

¨      Haddad diz que reação do mercado 'não foi exagerada' em relação às mudanças no IOF

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), adotou um tom conciliador nesta sexta-feira (23) ao comentar a reação do mercado financeiro diante das alterações no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) anunciadas na véspera e parcialmente revogadas pelo governo nesta manhã. Em coletiva no escritório da pasta em São Paulo, Haddad assegurou que a equipe econômica está aberta ao diálogo e que, desta vez, a resposta do mercado foi “adequada” ao cenário.

“Não considerei [a reação] exagerada. Em dezembro, teve aquela reação exagerada [ao pacote fiscal] que depois acomodou, depois que as medidas de novembro foram explicadas”, disse o ministro, de acordo com o Metrópoles. Ele também afirmou que, diferentemente de episódios anteriores, a reação do setor financeiro desta vez foi baseada em informações corretas. “Não houve desinformação. Teve uma reação informando corretamente as implicações, que ensejou a revisão”, explicou.

O recuo do governo atinge dois pontos centrais. O primeiro diz respeito à aplicação de recursos de fundos nacionais no exterior, que voltará a ser isenta de IOF — a proposta anunciada previa uma taxação de 3,5%. O segundo envolve as remessas feitas por pessoas físicas para fora do país, que continuarão com alíquota de 1,1% para fins de investimento, sem alterações.

Segundo Haddad, a decisão de rever parte das medidas foi tomada após ouvir agentes de mercado que apontaram possíveis distorções provocadas pelas novas regras. “A Fazenda faz isso rotineiramente. Estamos a todo tempo revendo normas regulatórias para melhorar o ambiente de negócios”, afirmou. O ministro acrescentou que “não temos nenhum problema em corrigir a rota desde que o rumo traçado pelo governo seja mantido, de reforçar o arcabouço fiscal”.

O decreto que alterava o IOF foi apresentado como uma medida arrecadatória robusta: a expectativa era levantar R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026 — um total de R$ 61,5 bilhões em dois anos. Contudo, a repercussão negativa fez o governo voltar atrás. Na quinta-feira (22), o índice Ibovespa fechou em queda de 0,44%, aos 137,2 mil pontos, enquanto o dólar teve alta de 0,32%, encerrando o dia cotado a R$ 5,66.

Apesar da correção de rumo, Haddad reforçou o compromisso da gestão Lula com a responsabilidade fiscal. “Vamos continuar abertos ao diálogo sem nenhum tipo de problema e contamos com a colaboração dos nossos parceiros”, concluiu.

•        Haddad fala em correção de rota, mas não descarta mexer no contingenciamento

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta sexta-feira (23) que o governo não vê problema em corrigir a rota de suas decisões, mas que o recuo parcial no aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pode exigir um ajuste no contingenciamento anunciado na véspera.

O ministro comentou a revogação da alta da alíquota para aplicações de investimentos de fundos nacionais no exterior, que passaria a ser de 3,5%. Com a mudança, a alíquota zero está mantida para esses casos.

Haddad disse que a medida foi revista após alertas de agentes do mercado financeiro, que apontaram que ela poderia "passar uma mensagem que não era a desejada pelo Ministério da Fazenda".

"A medida, na nossa opinião, vai na direção correta. É um item muito residual desse acervo, desse conjunto de medidas. Nós entendemos que, pelas informações recebidas, valia a pena fazer uma revisão desse item para evitar especulações."

•        🔎 Parte do mercado interpretou o aumento do imposto como uma tentativa de desestimular investimentos no exterior, uma forma discreta de controle de capital, com o objetivo de conter a saída de dólares do país e, indiretamente, controlar o câmbio.

"É um impacto muito baixo. Estou falando aqui que as medidas somadas são da ordem de R$ 54 bilhões. Nós estamos falando de menos de R$ 2 bilhões em relação ao que foi revisto hoje."

"Pode ser que tenhamos que ampliar o contingenciamento, fazer um ajuste nessa faixa. O importante é que foi revisto e nós temos uma semana para enviar o decreto", disse Haddad.

O ministro disse que mantém um diálogo constante com o mercado financeiro e que houve ruído em torno das medidas, com boatos sobre mudanças em Juros sobre Capital Próprio (JCP), dividendos e remessas ao exterior. Mas não considerou a reação do mercado exagerada.

"Nosso diálogo com o mercado tem sido constante. Não temos nenhum problema em corrigir a rota, desde que o rumo traçado pelo governo seja mantido, de reforçar o arcabouço fiscal, cumprir as metas para a saúde financeira do Brasil", disse Haddad.

"Vamos continuar abertos ao diálogo, sem nenhum tipo de problema, e contamos com a colaboração dos parceiros tradicionais para ir corrigindo a rota, mas para atingir o objetivo declarado ontem, que é o mais importante", disse o ministro.

De acordo com o anúncio feito na quinta-feira (23), as medidas de aumento do IOF visavam arrecadar R$ 20,5 bilhões adicionais em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026. Segundo Haddad, os cálculos ainda não foram refeitos após a revisão.

O ministro reforçou que as medidas anunciadas não impactam pessoas físicas em operações como empréstimos consignados, cheque especial e similares. Mas, ao ser questionado sobre compras com cartão de crédito no exterior, afirmou que as alíquotas foram "equalizadas".

"O governo anterior não reduziu a alíquota, ele baixou um decreto para que nós reduzíssemos, né? Mas ele cobrou o tempo todo alíquotas superiores às praticadas hoje. Se você comparar as alíquotas praticadas ao longo dos quatro anos do governo anterior, todas elas são bem superiores às praticadas hoje", disse o ministro.

"Nós estamos praticando o IOF menor do que o governo anterior. Pode checar", disse.

O decreto citado por Haddad previa a redução gradual do IOF sobre cartões até zerar em 2028. A alíquota vinha sendo reduzida em um ponto percentual por ano, partindo de 6,38%.

Em 2025, a alíquota chegaria a 3,38% sobre compras com cartões de crédito, débito e pré-pagos internacionais, mas, com a revisão, foi ajustada para 3,5%.

<><> Como foi o recuo

No fim da noite, o Ministério da Fazenda informou que, após diálogo, decidiu voltar a zerar o IOF para aplicações de investimentos de fundos nacionais no exterior. Houve reclamação do mercado financeiro.

•        💰 O IOF é um tributo federal cobrado sobre diversas operações que envolvem dinheiro, principalmente empréstimos e câmbio.

"O ministro da Fazenda informa que, após diálogo e avaliação técnica, será restaurada a redação do inciso II do art. 15-B do Decreto nº 6.306, de 14 de dezembro de 2007, que previa a alíquota zero de IOF sobre aplicação de investimentos de fundos nacionais no exterior", escreveu a Fazenda em sua conta na rede social X.

📉 Entenda a medida

No pacote original, o governo havia estabelecido uma alíquota de 3,5% de IOF para diversas operações no exterior, incluindo:

•        Compras com cartões internacionais;

•        Remessas ao exterior;

•        Empréstimos externos de curto prazo;

•        Aplicações financeiras feitas por fundos brasileiros no exterior.

Com a revogação, esse último item, dos investimentos de fundos nacionais no exterior, continua com IOF zero, como vinha ocorrendo antes da nova regra.

📌 Outras medidas seguem em vigor

Apesar da revogação parcial, outras mudanças no IOF seguem válidas a partir desta sexta-feira (23), como:

•        Aumento do IOF para compra de moeda estrangeira em espécie, que passou de 1,1% para 3,5%;

•        Elevação das alíquotas para empresas em operações de crédito;

•        Criação de alíquota de 5% para aportes elevados em planos de previdência complementar (VGBL).

O governo espera arrecadar R$ 20,5 bilhões adicionais ainda em 2025 com o conjunto de medidas tributárias, reduzindo a necessidade de bloqueios maiores no Orçamento.

•        Erros do governo transformam a Secom em gabinete de gestão de crises

Quando foi convidado para assumir a Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República), Sidonio Palmeira tinha a missão de fazer um freio de arrumação na comunicação e vender as medidas do governo Lula.

Passados cinco meses desde a entrada do marqueteiro no Planalto, a pasta tem sido atropelada com uma crise por mês, em média, e ganhou ares de gabinete de gerenciamento de crises.

Pix, INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), constrangimento de Janja na China, regulação de mídia e, agora, o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). São medidas e episódios que atingem em cheio diferentes segmentos da sociedade de um país rachado, que decide a eleição na margem.

Por isso, nem um campo nem outro tem gordura para queimar e pode se dar ao luxo de perder pontos com quem quer que seja. E pior: não pode sequer culpar a oposição, pois as munições são todas geradas pelo próprio governo. O que a oposição faz é oposição: pega o fato, explora, desdobra e impõe desgastes ao governo.

A Secom que Sidonio assumiu em janeiro deveria estar às voltas com a comunicação do programa da conta de luz. Mas foi — mais uma vez — atropelada pelos erros do próprio governo, que — mais uma vez — subdimensionou o potencial do estrago de uma medida como a do IOF.

O que a nova Secom tem conseguido fazer, em meio às crises que precisa resolver, é impor velocidade na resposta. Num governo analógico, que muitas vezes acha que pode deixar tudo para amanhã em um mundo que quer tudo para ontem — a Secom pressiona e cobra por respostas imediatas. Ou seja, acerta no timing da correção de erros.

Mas o Planalto sabe que isso não basta para recuperar popularidade. Muito pelo contrário. Tudo bem que marqueteiro não faz milagre — mas não conseguir trabalhar por causa dos erros do próprio campo já é outra história.

 

Fonte: Come Ananás/g1

 

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