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revelações do Censo inédito sobre autistas e pessoas com deficiência no Brasil
O
Brasil tem 2,4 milhões de pessoas diagnosticadas com o Transtorno do Espectro
Autista (TEA), o que representa 1,2% da população, segundo dados do Censo de
2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados nesta
sexta-feira (23/5).
Esta é
principal descoberta do Censo a respeito dos autistas no Brasil, porque é a
primeira vez que o IBGE fez um levantamento das pessoas com TEA no país.
Foi
perguntado aos participantes se eles já foram diagnosticados com autismo por
algum profissional de saúde.
A
partir das repostas, o instituto concluiu por meio de técnicas de amostragem
que a prevalência é maior entre homens (1,5% da população masculina) do que
entre as mulheres (0,9% da população feminina).
O Censo
também aponta que 3,8% dos meninos entre 5 e 9 anos (264 mil meninos) têm
diagnóstico de TEA.
Entre
as meninas da mesma faixa etária, a proporção foi de 1,3% (86 mil). Essa foi a
maior prevalência do diagnóstico por faixa etária.
"Esse
percentual mais elevado entre as crianças pode ser devido ao avanço e
popularização do diagnóstico de TEA nos anos recentes", afirma Raphael
Fernandes, analista do IBGE.
O
número é parecido com a média registrada nos Estados Unidos: 3,2% das crianças
até 8 anos diagnosticadas com o transtorno, segundo os mais recentes dados do
Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, nas siglas em inglês),
divulgados em 2022.
Entre
os americanos, segundo o CDC, o diagnóstico do transtorno é três vezes mais
comum nos meninos do que nas meninas.
O Censo
também analisou a frequência da população autista na escola.
A
partir do cruzamento destes dados com o Censo escolar do Ministério da Educação
(MEC) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep), é possível identificar que cerca de 2% dos alunos matriculados
no ensino fundamental regular (que compreende estudantes que têm, em geral,
idades entre 6 e 14 anos) foram diagnosticados com autismo.
O Censo
aponta que a maioria dos alunos diagnosticados no espectro autista estão no
ensino fundamental: 508 mil crianças e adolescentes, o que representa 66,8% das
crianças diagnosticadas com TEA no Brasil.
Já no
ensino médio (que tem alunos com idades entre 15 e 17 anos em geral), existem
hoje 93,6 mil adolescentes diagnosticados com autismo matriculados,
representando 1,2% do total de alunos (7,7 milhões).
Ainda
sobre educação, o Censo investigou a taxa de escolarização das pessoas
autistas. Ou seja, a proporção de pessoas com o transtorno que frequentavam a
escola, em qualquer nível de ensino, no momento da pesquisa.
O
levantamento apontou que essa taxa é maior entre os autistas (36,9%) do que na
população sem esse diagnóstico (24,3%).
"Essa
diferença se dá porque há uma maior concentração da população com TEA nas
idades mais jovens, principalmente entre 6 e 14 anos, e este é o grupo de idade
que possui as maiores taxas de escolarização, concentrando mais da metade da
população de estudantes com TEA", afirma Raphael Fernandes, analista do
IBGE.
Mas
onde estão os autistas brasileiros? O Censo também trouxe essa resposta.
A
prevalência de pessoas diagnosticadas com TEA em relação à população foi
parecida em todas as regiões do Brasil, segundo o levantamento.
O
índice para quase todas as regiões foi o mesmo da taxa nacional, de 1,2%.
Apenas o Centro-Oeste ficou ligeiramente abaixo, com 1,1%.
Ao
mesmo tempo, os três Estados mais populosos também foram o que registraram a
maior ocorrência de pessoas diagnosticadas com autismo, na seguinte ordem: São
Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
No
recorte por raça, o IBGE verificou maior prevalência de diagnóstico entre as
pessoas que se declararam brancas (1,3%), o que equivale a 1,1 milhão de
pessoas.
Apesar
do percentual entre as pessoas que se declararam como pretas e pardas ser igual
(1,1%), em número de pessoas, os autistas são mais pardos do que pretos: 1
milhão de pessoas pardas e 222 mil pretas.
No
Brasil, a maioria (45,3%) da população do país se declara parda, segundo o
Censo, seguida de 43,5% que declararam brancos, 10,2%, pretos, 0,8% indígenas e
0,4% amarelas.
Esta
foi a primeira vez que o IBGE incluiu um questionamento sobre TEA no Censo, em
resposta a uma lei aprovada em 2019.
A nova
legislação, sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), partiu da Câmara
dos Deputados, e determinou que todos os Censos, a partir de 2019, deverão
incluir "especificidades inerentes ao transtorno do espectro
autista".
"A
inclusão de novos temas num Censo demográfico depende do desenvolvimento das
formas de se investigar fenômenos específicos a partir de pesquisas
domiciliares", explica Luciana Santos, analista do IBGE.
"O
amadurecimento dos questionários censitários se dá em consonância com as
discussões conduzidas pelos organismos de cooperação internacional na área das
estatísticas oficiais."
O TEA
se manifesta de uma grande variedade de formas, o chamado espectro autista, e é
caracterizado por uma alteração no desenvolvimento cerebral que causa mudanças
na comunicação social e comportamentos repetitivos e estereotipados.
Alterações
sensoriais, como o incômodo extremo com certos barulhos ou texturas, e um
repertório específico de interesses -— chamado também de hiperfoco -— costumam
ser comuns.
A
Organização Mundial da Saúde (OMS) também inclui como característica do TEA
"interesses ou atividades restritos, repetitivos e inflexíveis, que são
claramente atípicos ou excessivos para a idade e o contexto sociocultural do
indivíduo".
Por ter
um espectro amplo, as habilidades e necessidades das pessoas autistas variam
muito. Enquanto algumas pessoas com autismo conseguem viver de forma
independente, outras têm deficiências graves, como ausência da fala, e precisam
de cuidados e apoio por toda a vida.
As
estimativas sobre a quantidade de pessoas dentro do espectro autista têm
aumentando nos últimos anos. Segundo a OMS, ao menos 70 milhões de pessoas ao
redor do mundo têm o transtorno.
Especialistas
apontam que a ampliação do espectro e da própria definição de autismo
contribuiu para esse aumento de diagnósticos.
Os
primeiros estudos que descreveram o transtorno surgiram nas décadas de 1930 e
1940, e eram focados em crianças com muita necessidade de apoio.
Na
década de 1990, quando a síndrome de Asperger foi incorporada aos manuais de
diagnóstico, a definição do TEA começou a ser ampliada.
Pessoas
com Asperger passaram a ser consideradas no espectro autista por apresentarem
dificuldades sociais e comportamentos repetitivos, embora tivessem linguagem
fluente e inteligência preservada.
• O que o Censo revelou sobre pessoas com
deficiência
Os
dados do Censo 2022 também traçam um novo retrato dos brasileiros que têm
alguma forma de deficiência.
Essa
parcela da população foi estimada pelo levantamento em 7,3% do total, um
universo de 14,4 milhões de pessoas que têm alguma dificuldade permanente de
enxergar, ouvir, se locomover, de coordenação motora ou de funções mentais.
Esses
dados refletem a realidade global. Segundo o Relatório Mundial sobre
Deficiência, realizado pela OMS em 2011, cerca de 15% da população vive com
algum tipo de deficiência.
As
mulheres são mais propensas a sofrer com algum tipo de deficiência do que os
homens e as pessoas idosas mais do que os jovens.
Dentro
da população com deficiência recenseadas não estão incluídas, necessariamente,
as pessoas diagnosticadas com autismo.
Para
fins jurídicos e na concessão de direitos, no entanto, esses dois universos são
equiparados pelas legislações. Para a solicitação de auxílios sociais, por
exemplo, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), tanto pessoas com
deficiência, quanto as que foram diagnosticadas autistas têm direito, contanto
que comprovem o diagnóstico e tenham renda familiar de até um quarto de salário
mínimo.
O Censo
mostrou que as mulheres são maioria entre os brasileiros com deficiência: 8,3
milhões ao todo, em comparação com 6,1 milhões de homens.
Proporcionalmente
nas respectivas populações, o índice também foi maior entre as mulheres, com
8,1% da população feminina com alguma deficiência, em comparação com 6,4% da
população masculina.
O
levantamento apontou que a incidência de alguma deficiência é maior entre as
pessoas com mais de 70 anos. Entre elas, mais de um quarto (27,5%) relatou ter
alguma dificuldade permanente.
O
segundo maior índice foi entre pessoas com idades entre 60 e 69 anos, de 14,4%,
seguido por pessoas com 15 a 59 anos, com 5,4%, crianças e adolescentes entre 2
e 14 anos, com 2,2%.
No
recorte por raça, o Censo mostrou que 44,8% das pessoas com deficiência se
declararam pardas, seguidas de 42,1% que se declararam brancas, 12,2% pretas,
0,5% indígenas e 0,4% amarelas.
Dentre
as regiões, o Nordeste apresentou o maior percentual de pessoas com
deficiência: 8,6% da população. Depois, vêm as regiões Norte (7,1%), Sudeste
(6,8%), Sul (6,6%) e Centro-Oeste (6,5%).
O
Nordeste lidera, inclusive, quando foi medida a incidência de pessoas com
deficiência entre a população indígena: 42,4% dos indígenas com deficiência
estão nos Estados nordestinos, embora mais da metade da população indígena
brasileira viva na Amazônia Legal, região formada pelos Estados do Norte, Mato
Grosso e parte do Maranhão.
Luciana
dos Santos, analista do IBGE, afirma que, como ainda não foram divulgados os
dados do Censo 2022 referentes aos rendimentos da população, não é possível
cruzar diretamente a incidência de pessoas com deficiência com a renda.
"Esse
cruzamento seria importante para entender como a renda influencia ou está
associada à ocorrência de deficiências", diz.
"Apesar
disso, outras pesquisas e estudos acadêmicas já demonstraram uma forte ligação
entre deficiência e pobreza. Essa relação não se limita apenas à pobreza medida
pela renda, mas também envolve a pobreza não monetária, mensurada a partir de
aspectos como acesso a serviços básicos, educação, saúde e qualidade de vida em
geral."
Nesse
contexto, ela afirma que a região Nordeste, historicamente marcada por baixos
índices de desenvolvimento humano, "acaba sendo mais vulnerável."
"Problemas
estruturais, como acesso precário ao saneamento básico e a serviços de saúde
afetam diretamente as condições de vida da população. Esses fatores contribuem
para o agravamento de situações que podem levar a deficiências ou dificultar o
enfrentamento delas.
deficiência,
segundo IBGE
Outro
número pode corroborar com essa possível relação da deficiência com a pobreza e
o acesso a serviços básicos.
Entre
as pessoas com 15 anos ou mais com alguma deficiência, a taxa de analfabetismo
foi quatro vezes maior (21,3%) do que entre as pessoas sem deficiência (5,2%).
Embora
o IBGE já tenha considerado as pessoas com deficiência em censos anteriores, em
2022 a metodologia mudou e por isso não é possível comparar os dados de agora
com os mais antigos.
Os
técnicos perguntaram aos participantes sobre o grau de dificuldade permanente:
• para enxergar (mesmo usando óculos ou
lentes de contato);
• para escutar (mesmo utilizando aparelhos
auditivos);
• para andar ou subir degraus (mesmo
utilizando prótese, bengala ou aparelho de auxílio)
• para e/ou para pegar objetos ou abrir e
fechar tampas de garrafas;
• e limitações nas funções mentais.
Foram
consideradas pessoas com deficiência somente aquelas que responderam que não
conseguiam de modo algum, ou que tinham muita dificuldade para fazer isso.
A
maioria das pessoas com deficiência têm dificuldade permanente para enxergar
(7,9 milhões). Depois, vêm as dificuldades para andar ou subir degraus (5,1
milhões de pessoas), para pegar pequenos objetos ou abrir e fechar tampas (2,7
milhões), limitações nas funções mentais (2,6 milhões de pessoas) e para ouvir
(2,5 milhões de pessoas).
Os
números destes grupos, quando somados individualmente, ultrapassam o total da
população com deficiência porque os entrevistados podem apresentar mais de uma
deficiência.
As
novas informações divulgadas pelo IBGE contribuem para dimensionar as políticas
públicas e os investimentos para ambos os públicos, explica João Paulo
Faustinoni, do Grupo de Atuação Especial de Educação (Geduc) do Ministério
Público de São Paulo.
No
entanto, no âmbito da educação, campo de atuação do promotor, ele faz uma
ressalva sobre os excessos de diagnósticos.
"É
preciso ter cautela com um processo muito preocupante que é a patologização e
medicalização da infância, com um crescimento vertiginoso de todos os tipos de
diagnósticos", diz.
"A
educação inclusiva deveria se desvincular do modelo médico e dos diagnósticos.
É importante pensar mais na questão relacional e de interação [das crianças e
adolescentes diagnosticados]."
Fonte:
BBC News Brasil

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