Gripe
aviária: qual o risco de doença se espalhar pelo Brasil?
O
Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) confirmou nesta sexta-feira (16/5)
a detecção do vírus da gripe aviária em uma granja comercial.
O surto
foi identificado num estabelecimento de matrizes — que produz ovos férteis para
produção de frango — localizada na cidade de Montenegro, no Rio Grande do Sul.
O surto
foi confirmado por exames de laboratório na quinta-feira (15/5) após a morte de
cerca de 35 aves.
Também
há suspeita de um outro surto num zoológico da cidade de Sapucaia do Sul, que
fica próxima de Montenegro, onde dezenas de aves mantidas em cativeiro
morreram.
Essa é
a primeira vez que o patógeno aparece entre aves comerciais do país —
anteriormente, ele havia sido encontrado em aves silvestres migratórias e em
aves de subsistência.
Esse
vírus é classificado como influenza aviária de alta patogenicidade (IAAP) e se
espalha pelo mundo há quase duas décadas.
Em seu
site, o Mapa reforcou que "a doença não é transmitida pelo consumo de
carne de aves nem de ovos".
"A
população brasileira e mundial pode se manter tranquila em relação à segurança
dos produtos inspecionados, não havendo qualquer restrição ao seu
consumo".
"O
risco de infecções em humanos pelo vírus da gripe aviária é baixo e, em sua
maioria, ocorre entre tratadores ou profissionais com contato intenso com aves
infectadas (vivas ou mortas)", aponta o texto.
A
detecção teve um impacto imediato nas exportações de frango brasileiras. A
China, por exemplo, suspendeu a compra desse produto pelos próximos 60 dias.
"Me
preocupa saber que, no passado, mesmo em países com uma avicultura bem
tecnológica, como os Estados Unidos e partes da Europa, esse vírus acabou se
alastrando. Isso é muito alarmante", analisa o virologista Fernando
Spilki, professor da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul.
Confira
a seguir tudo o que se sabe sobre a gripe aviária — e os impactos que ela pode
ter do ponto de vista comercial e de saúde pública.
• O que é a gripe aviária?
A gripe
aviária é uma doença infecciosa causada pelo vírus influenza H5N1 que, como o
próprio nome indica, afeta principalmente as aves.
A
virologista Helena Lage Ferreira, professora da Universidade de São Paulo
(USP), conta que esse patógeno foi identificado pela primeira vez em 1996 em
Guangdong, na China, e começou a chamar a atenção em Hong Kong.
Depois
de ser inicialmente contido, novos surtos começaram a aparecer em 2003.
"A
partir de 2005, ele passou a se espalhar pelo mundo, fora do Sudeste
Asiático", diz a pesquisadora, que também é ex-presidente da Sociedade
Brasileira de Virologia.
Os
reservatórios naturais do H5N1 são aves silvestres aquáticas.
"O
que acontece é que alguns desses animais fazem migração, então dispersam o
vírus para outros países e continentes", explica Ferreira.
Desde o
final de 2022, esse tipo de influenza voltou a figurar nas manchetes de todo o
mundo.
Das
cidades litorâneas do Daguestão, na Rússia, à costa do Peru, passando por
fazendas de visons na Espanha e granjas nos Estados Unidos, foram vários os
episódios registrados de milhões de animais que morreram (ou foram
sacrificados) após terem contato com esse agente infeccioso.
Ele foi
identificado pela primeira vez no Brasil em maio de 2023 entre aves silvestres
e de subsistência.
Agora,
exatos dois anos depois, acontece a primeira detecção entre aves comerciais, de
granja.
Para
Ferreira era esperado que isso eventualmente acontecesse.
"O
que chama a atenção é o surto em matrizes, que são aves reprodutoras com uma
biossegurança mais rigorosa", observa ela.
"Geralmente,
casos de gripe aviária são menos frequentes nesses locais", complementa a
especialista.
• Como a gripe aviária é transmitida?
Lembra
da história das aves migratórias contaminadas citadas nos parágrafos
anteriores?
Pois
elas são a chave para entender como acontece a proliferação desse agente
infeccioso.
Spilki
explica que o H5N1 tem uma "transmissão violenta" e uma
"virulência de alta patogenicidade".
"Ao
que tudo indica, a chegada desse vírus no Brasil repete o que aconteceu na
América do Sul. Muito provavelmente aves migratórias que vieram do Hemisfério
Norte, mais particularmente da América do Norte, trouxeram o vírus para
cá", diz ele.
"É
possível ver certinho como o H5N1 foi introduzido, primeiro no noroeste da
América do Sul, passando por Equador, Chile, Argentina, Uruguai e a costa
brasileira."
Spilki
detalha que a transmissão do vírus entre aves se dá pelo ambiente, por meio do
solo e a da água contaminados.
"Já
das aves para os mamíferos, a infecção acontece pelo contato direto com
excrementos ou até mesmo com o corpo do animal, uma vez que mamíferos marinhos
predam muitas das aves", explica o virologista.
Entre
mamíferos, os especialistas acreditam que a passagem do H5N1 aconteça pelas
vias respiratórias, por meio de gotículas de saliva que saem por nariz e boca.
Por
fim, de aves ou mamíferos para seres humanos, a transmissão documentada até
agora ocorre pela via respiratória e pela manipulação das carcaças desses
animais.
"A
infecção não tem a ver com o alimento em si", reforça Spilki.
• Qual o risco da gripe aviária para seres
humanos? Há probabilidade de espalhamento?
O
perigo maior é para quem tem contato direto com as aves infectadas ou mortas.
É o
caso dos trabalhadores das granjas ou dos profissionais dos serviços de
vigilância sanitária.
"O
vírus da gripe aviária pertence ao mesmo grupo da gripe sazonal, então os
sintomas são muito parecidos: conjuntivite, coriza, tosse, espirro,
pneumonia...", lista Ferreira.
"Em
casos mais graves, o quadro pode se agravar e acabar em morte",
complementa ela.
Mas a
virologista reforça que não existe evidência de transmissão desse influenza
H5N1 de uma pessoa para outra.
"Esse
é um vírus adaptado para os animais", pontua ela.
Em
outras palavras, esse patógeno precisaria passar por uma série de mutações para
conseguir se adaptar ao organismo humano e ser transmitido entre a nossa
espécie também.
Pesquisadores
acompanham a evolução do H5N1 de perto, porque recentemente foram registradas
mortes de dezenas de milhares de mamíferos que vivem perto de aves migratórias,
como leões marinhos e focas.
"Surtos
com esse vírus, como o que acaba de ser identificado numa granja comercial, são
tratados por serviços veterinários federais e estaduais que têm um treinamento
muito especializado para conseguir controlar o foco", diz Ferreira.
No caso
do Rio Grande do Sul, Carlos Fávaro, que chefia o Mapa, confirmou que o
protocolo foi seguido e todas as aves da granja acabaram abatidas para evitar o
risco de contágio e transmissão.
"Além
disso, como novas introduções do vírus podem acontecer pelo contato constante
com aves silvestres, é importante que todas as granjas reforcem as medidas de
biossegurança", orienta Ferreira.
Um
relatório publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 9 de maio
contabiliza quatro casos e três mortes de pessoas por gripe aviária em 2025.
Desde
2003, foram registrados 265 infecções e 145 óbitos no planeta.
"Com
a capacidade de ser transmitido de uma pessoa para outra, o H5N1 pode ser um
dos problemas mais graves que a humanidade já enfrentou", disse o
virologista Edison Luiz Durigon, professor titular do Instituto de Ciências
Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), à BBC News Brasil numa
entrevista em março de 2023.
A boa
notícia é que, ao contrário do que ocorreu na covid-19, os governos e serviços
de saúde já têm planos definidos sobre o que fazer caso um avanço do H5N1 se
torne realidade — algumas vacinas, inclusive, já estão prontas ou em
desenvolvimento agora.
• Qual o impacto da gripe aviária para os
produtores brasileiros?
Uma das
primeiras repercusões da detecção da gripe aviária numa granja comercial de
Montenegro foi a suspensão das importações dessa carne pela China durante os
próximos 60 dias.
Em
entrevista coletiva realizada na manhã desta sexta-feira (16/5), Fávaro disse
que a medida faz parte de acordos previamente estabelecidos.
"O
Brasil foi o último país entre grandes produtores de carne de frango do mundo a
ter a contaminação em granjas comerciais. O nosso sistema é muito robusto, é
muito eficiente", defendeu ele.
"Em
maio de 2023, nós tivemos o primeiro caso de gripe aviária no Brasil entre aves
silvestres. Ainda assim, nós seguramos dois anos a entrada desse vírus em
granjas comerciais. Nenhum lugar do mundo conseguiu isso", complementou
ele.
O
ministro da Agricultura e da Pecuária explicou que o Brasil vem atualizando os
seus acordos comerciais de exportação de carne de frango para refletir a
realidade do espalhamento do H5N1 e a atualização dos sistemas de vigilância
sanitária que o país possui.
Durante
a entrevista coletiva, ele citou o caso do Japão, país cuja importação de
frango vem 70% do Brasil.
Esses
novos acordos permitem que, em caso de surto, a restrição da exportação se
restrinja ao Estado e depois à cidade onde o vírus foi detectado.
Em
termos práticos, o Japão vai continuar a receber carne de frango produzida no
Brasil — só haverá uma restrição temporária para as granjas gaúchas e,
posteriormente, os estabelecimentos localizados em Montenegro.
"Nós
decretamos um Estado de emergência sanitária por 60 dias. Com a robustez do
sistema brasileiro, tenho certeza que a gente rapidamente voltará a um status
de normalidade", pontou Fávaro.
Fávaro
também informou que o Mapa já conseguiu rastrear as granjas que receberam ovos
de Montenegro onde o surto foi localizado, para que possa ser feita uma
vigilância ainda mais rígida nesses locais.
O
ministro ainda lembrou que o Brasil tem protocolos comerciais sobre exportação
de frango com quase 200 nações — e trabalha para gradativamente atualizar os
acordos aos moldes do que é feito hoje com o Japão e outros países, como
Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita.
No
entanto, a China — que é um dos maiores compradores de frango brasileiro, com
mais de 10% do total das exportações — ainda tem um acordo antigo, desses que
bloqueia toda a importação do país no caso da confirmação de um surto de gripe
aviária.
Fávaro
diz que os técnicos do Mapa ainda estão calculando qual será o tamanho do
prejuízo com a paralisação das vendas pelos próximos 60 dias, mas diz estar
confiante numa retomada rápida na exportação para esse país asiático.
• Cenário 'preocupante'
Spilki
entende que a detecção do vírus gera um alarme.
"O
que já vimos em outros países é que há um potencial grande de disseminação do
vírus em ambiente silvestre, e tivemos a experiência recente de um surto nos
Estados Unidos, que revelou como é difícil aplacar esse espalhamento",
avalia ele.
"Parte
expressiva da produção americana foi afetada nos últimos meses, porque esse é
um vírus muito difícil de controlar."
"Então
essa situação causa bastante preocupação", complementa ele.
Para o
virologista, agora resta "torcer para que as medidas tomadas rapidamente
pelas autoridades sanitárias deem resultado".
"Também
precisamos intensificar o esforço da busca ativa de novos casos para
identificar a circulação do vírus", diz ele.
O
pesquisador também pede uma "atenção devida" e um "cuidado
específico" com as pessoas que manejam essas aves.
"Inclusive
precisamos pensar nas famílias envolvidas na produção, até do ponto de vista
econômico", sugere o pesquisador, ao lembrar como a região Sul é
estratégica para a avicultura nacional.
A
Associação Brasileira de Proteína Animal calcula que o Brasil produziu 14,9
milhões de toneladas de frango em 2024.
Desse
volume, cerca de um terço (ou 5,3 milhões de toneladas) foram remetidos ao
exterior.
O maior
comprador foi a China (562 toneladas), seguida por Emirados Árabes Unidos (455
mil toneladas), Japão (443 mil), Arábia Saudita (370 mil) e África do Sul (325
mil).
Fonte:
BBC News Brasil

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