Geoeconomia,
Desenvolvimento e as estratégias do Brasil e da China para atração de
Investimentos Estrangeiros Diretos
O
Brasil se abriu para o capital estrangeiro por meio da compra de empresas já
existentes, enquanto China optou por investimentos greenfield.
• 1. Modelos em contraste: o Brasil
liberaliza, a China planeja
Comparar
as estratégias adotadas pelo Brasil e pela China para atrair investimentos
estrangeiros diretos (IEDs), especialmente a partir da década de 1990, revela
um cenário pouco animador para o caso brasileiro. Já há duas décadas, Acioly
(2004) chamava atenção para essa disparidade destacando como os caminhos
trilhados pelos dois países diferiam em planejamento e resultados. Enquanto o
Brasil abriu espaço para a entrada de capital estrangeiro por meio da compra de
empresas já existentes — sobretudo no setor de serviços —, a China optou por
investimentos greenfield focados na indústria, com objetivos voltados à
exportação e ao avanço tecnológico.
Esse
contraste merece reflexão, especialmente porque o Brasil ainda debate a
necessidade de atrair investimentos externos para financiar seu
desenvolvimento. Isso ocorre em um contexto em que realizar grandes
investimentos públicos se tornou quase um “crime”, o que na China ocorria sob
comando do estado, inclusive com emissão de moeda quando pertinente.
Paralelamente, discute-se a criação de um ambiente propício à atração desses
investimentos, o que no Brasil, geralmente significa liberalização financeira, juros
elevados e abertura irrestrita da conta de capitais.
De
acordo com Medeiros (2018), desde as reformas lideradas por Deng Xiaoping nos
anos 1970, a China protagoniza um dos exemplos mais expressivos de
desenvolvimento econômico com profunda transformação estrutural. O país
tornou-se uma potência industrial, tecnológica e amplamente integrada à
economia global. Diante desse cenário, é hora de observar com atenção como a
China tem planejado seus investimentos, especialmente em países em
desenvolvimento, e considerar quais estratégias esses países poderiam adotar.
• 2. Geoeconomia e desenvolvimento na
China
Nesse
contexto, é fundamental compreendermos que o conceito de geoeconomia, nos
oferece uma chave de leitura para analisar como a China articula seus
interesses econômicos e geopolíticos no cenário internacional.
Com
base em Csurgai (2017, p. 2), a geoeconomia surge como uma lente analítica que
integra elementos da geopolítica, da economia e da estratégia. Para esse autor,
a geoeconomia não substitui a geopolítica, mas a complementa — como também
defendia Yves Lacoste (2009). Farias e Martins (2020) acrescentam que “em
essência, a geoeconomia combina elementos da geopolítica com ferramentas
econômicas, percebendo seu uso dentro de um contexto maior de exercício do
poder estatal”.
Blackwill
e Harris (2016) argumentam que a geoeconomia esteve presente nas principais
decisões da história do poder americano, atuando lado a lado com o poder
militar. Exemplo disso são a compra da Louisiana durante a expansão para o
Oeste, a criação e posterior abandono dos Acordos de Bretton Woods, o Plano
Marshall e as pressões monetárias contra a Inglaterra na crise do Canal de
Suez. Em suma, a geoeconomia pode ser definida como o uso de instrumentos
econômicos para a promoção de interesses geopolíticos, explicitando que a
economia é inseparável da geografia, do espaço real dos países. Isto é
especialmente relevante em países com grandes territórios como o Brasil, a
China, os Estados Unidos e a Rússia, nos quais os desafios da integração
territorial estão diretamente ligados à dinâmica econômica.
A
geoeconomia chinesa, por sua vez, apresenta características distintas dos
modelos tradicionais. Sua expansão global por meio da Iniciativa do Cinturão e
Rota (Nova Rota da Seda), lançada em 2013, evidenciou a ausência de imposições
diplomáticas, ações militares ou mecanismos financeiros de desestabilização em
países em desenvolvimento. Pelo contrário, a China tem priorizado iniciativas
voltadas ao desenvolvimento sustentável, que vêm se tornando eixo central de
sua atuação em termos de política externa.
Esse
compromisso também se manifestou em suas relações com o Brasil. Um exemplo
recente foi a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, que
indicou os rumos que os dois países pretendem seguir nas próximas décadas.
Segundo informações do site oficial do governo brasileiro, a visita resultou,
por exemplo, em investimentos de US$1 bilhão voltados à produção de Combustível
Sustentável de Aviação (SAF). Na última semana, o governo brasileiro anunciou
acordos de investimentos de empresas chinesas no Brasil totalizando R$ 27
bilhões.
“Na
agenda de encontros, Lula reuniu-se com Feng Xingya, presidente do grupo
automotivo GAC; com Chen Qi, presidente da Windey Energy Technology Group —
líder em turbinas eólicas de grande porte na China; com Cheng Fubo, CEO da
estatal Norinco, que atua em defesa e infraestrutura; e com Lei Zhang, CEO do
Envision Group, que trabalha com soluções de energia inteligente e é destaque
no desenvolvimento de SAF, uma das prioridades da nova agenda brasileira de
transição energética, conforme previsto na Lei do Combustível do Futuro.”
Essas
movimentações sinalizam o esforço da China para consolidar uma geoeconomia
limpa, renovável e sustentável, mesmo que os investimentos em setores
tradicionais ainda persistam. Essa transição pode ser justificada por fatores
como: a diversificação dos investimentos, compromissos internacionais de
redução de emissões de carbono, busca por liderança tecnológica, preocupações
ambientais e, de forma estratégica, a redução das pressões geopolíticas em
longo prazo.
O
Brasil segue como um dos principais destinos dos investimentos chineses na
América Latina, embora tenha perdido espaço desde 2016. Dados do Conselho
Empresarial Brasil-China (CEBC), com base em relatórios do Inter-American
Dialogue, mostram que os aportes chineses na região caíram de uma média de US$
14,2 bilhões entre 2010 e 2019 para US$ 7,7 bilhões entre 2020 e 2021, chegando
a US$ 6,4 bilhões em 2022.
Apesar
da redução, o CEBC destacou que “essa queda no valor dos projetos não indica
desinteresse das empresas chinesas pela região, mas sim um tipo diferente de
engajamento”. Essa mudança se reflete tanto na natureza dos setores escolhidos
quanto nas modalidades dos investimentos.
Do
ponto de vista da modalidade, os investimentos chineses no Brasil se dividiram
da seguinte forma: fusões e aquisições parciais (US$ 16,5 bilhões, 46%), fusões
e aquisições completas (US$ 7,5 bilhões, 21%), joint ventures (US$ 3,5 bilhões,
10%) e greenfields (US$ 8 bilhões, 23%). Como já apontado por Acioly, os
investimentos greenfield — voltados à criação de novos empreendimentos — seriam
os mais estratégicos para o Brasil, diferentemente das fusões e aquisições.
Na perspectiva
setorial, os dados do CEBC referentes a 2010 mostram uma forte concentração em
energia (petróleo e gás, 45%), seguida de mineração (20%), siderurgia (10%),
energia elétrica (3%) e educação (2%).
Contudo,
novas tendências começam a se delinear. Segundo o CEBC, “em 2023, dos 29
empreendimentos realizados por empresas chinesas no Brasil, 24 foram
iniciativas greenfield, representando 90% do total em valor — cerca de US$ 1,56
bilhão”. A maioria desses projetos foi direcionada ao setor de eletricidade,
além de iniciativas nas áreas automotiva e de máquinas e equipamentos. As cinco
fusões e aquisições restantes ocorreram nos setores de petróleo, tecnologia da
informação e eletrônicos, totalizando pouco mais de US$170 milhões.
• 3. O cenário brasileiro
Estas
dinâmicas e cenários sinalizam estratégias brasileiras de atração de
Investimento Estrangeiro Direto (IED) em contraste com a estratégia chinesa
desde os anos 1990, e aqui chamamos a atenção para as possíveis consequências
dessas escolhas para o planejamento do desenvolvimento nacional dos países em
questão. É possível perceber que o Brasil seguiu uma trajetória marcada por
liberalização financeira e predominância de aquisições de ativos existentes por
grupos estrangeiros, especialmente no setor de serviços, enquanto a China
priorizou investimentos greenfield com forte planejamento estatal, voltados à
industrialização, exportação e inovação tecnológica.
Estas
discussões apontam para a necessidade de se considerar um modelo de
desenvolvimento mais sustentável e indicam o papel central que a China pode
desempenhar na construção de um novo futuro econômico e ambiental para países
como o Brasil.
Por
isso mesmo uma análise a partir do olhar da geoeconomia, e especialmente da
geoeconomia chinesa — entendida como o uso de instrumentos econômicos com fins
geopolíticos — pode oferecer uma lente útil para repensar as estratégias
brasileiras de desenvolvimento e atração de investimentos. Isso se torna
imprescindível diante do reposicionamento chinês como uma potência global que
combinou diplomacia econômica, sustentabilidade e interesse por parcerias
estruturantes no mundo todo, incluindo o Brasil. Os investimentos em
infra-estruturas podem ser um eixo central de aproximação dos interesses do
Brasil com a China, melhorando a eficiência e reduzindo custos dos transportes
e da energia.
Esses
esforços analíticos estão diretamente relacionados ao projeto de pesquisa
financiado pelo CNPq, aprovado por meio da “Chamada CNPq/MCTI/FNDCT Nº 44/2024
– Universal”, sob coordenação da professora Lisandra Pereira Lamoso (UFGD). O
projeto tem sido fundamental para subsidiar as reflexões apresentadas neste
texto, ao investigar as transformações geoeconômicas contemporâneas e as novas
possibilidades de cooperação Brasil-China no contexto de uma geoeconomia verde.
¨
Lula celebra novos acordos em tecnologia, infraestrutura
e comércio bilateral com a China
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou nesta quarta-feira, 14, sua
quarta visita oficial à China com a assinatura de 20 novos acordos bilaterais e
a formalização de 17 documentos adicionais voltados à cooperação em áreas como
tecnologia, infraestrutura, meio ambiente, defesa e saúde.
Em
coletiva de imprensa ao final da viagem, Lula classificou a parceria entre os
dois países como “muito estratégica”.
A
visita ocorre no contexto do aprofundamento das relações diplomáticas entre
Brasil e China, que desde novembro de 2024 passaram a integrar uma estrutura
formal de cooperação intitulada
“Comunidade
de Futuro Compartilhado Brasil-China por um Mundo Mais Justo e um Planeta Mais
Sustentável”. Segundo Lula, a nova fase representa um marco na consolidação da
parceria estratégica bilateral.
“A
gente quer aprender e, também, atrair mais investimentos para o Brasil. A gente
quer mais ferrovia, mais metrô, mais tecnologia. A gente quer inteligência
artificial. A gente quer tudo o que eles possam compartilhar conosco. E a
palavra correta é ‘compartilhar’”, declarou.
Durante
os compromissos oficiais, Lula se reuniu com representantes do governo chinês e
do setor empresarial para tratar de investimentos em energia, transportes e
pesquisa científica.
Um dos
principais anúncios foi o aporte de US$ 1 bilhão do Envision Group para
produção de combustível sustentável para aviação (SAF), além da criação de um
centro de pesquisa em energia renovável em parceria com a Windey Technology e o
SENAI CIMATEC.
A
Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil)
anunciou a captação de R$ 27 bilhões em investimentos chineses, abrangendo
também o setor farmacêutico e de equipamentos médicos.
Entre
os compromissos firmados, estão a criação de um centro de excelência em vacinas
e a proposta de instalação de uma plataforma industrial para produção de
insumos farmacêuticos ativos (IFAs).
Em
relação à cooperação tecnológica, foi assinada a criação de um Centro de
Transferência de Tecnologia entre os ministérios de Ciência e Tecnologia dos
dois países. Também houve uma declaração de intenções para o compartilhamento
de dados espaciais com países da América Latina e Caribe, ampliando o escopo
regional da parceria sino-brasileira.
Durante
a visita, o presidente participou do IV Fórum CELAC-China, onde enfatizou a
importância da coordenação entre países da América Latina para viabilizar
projetos de grande porte em infraestrutura. “A viabilidade econômica desses
projetos depende da capacidade de coordenação de nossos países”, afirmou.
O
ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, anunciou que empresas
chinesas pretendem investir mais de R$ 6 bilhões no setor portuário brasileiro,
com destaque para a participação no leilão do túnel submerso Santos-Guarujá.
“Nos próximos 30 dias, um conjunto de empresas está indo ao Brasil para poder
participar efetivamente da construção de consórcios”, disse o ministro.
A
agenda também incluiu temas relacionados à balança comercial entre os países.
Lula comparou os dados atuais com os do início de seu primeiro mandato
presidencial.
“Em
2003, quando eu tomei posse, a gente tinha US$ 6,6 bilhões de fluxo de balança
comercial. Hoje temos US$ 160 bilhões”, afirmou. Apesar do superávit brasileiro
de US$ 31 bilhões, o presidente defendeu a diversificação das exportações.
“Nós
também queremos trocar produtos com maior valor agregado e, por isso, queremos
que os chineses nos ajudem a dar esse avanço no desenvolvimento tecnológico que
precisamos”, completou.
O
presidente destacou a importância do BRICS como alternativa às estruturas
tradicionais da governança internacional.
A
próxima cúpula do grupo, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul, será realizada no Rio de Janeiro nos dias 6 e 7 de julho. “O BRICS é a
possibilidade de a gente mudar um pouco a história para colocar os excluídos
dentro do sistema político e econômico”, declarou.
Lula
também se manifestou sobre os esforços diplomáticos voltados ao fim do conflito
entre Rússia e Ucrânia. “É com muito otimismo que eu vi a aceitação da proposta
do Putin e Zelensky. […] Que eles se juntem em Istambul e possam começar, de
verdade, ao invés de trocar tiros, trocar palavras”, disse o presidente.
Segundo
dados do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), o Brasil foi o principal
destino dos investimentos chineses na América Latina entre 2003 e 2023, com US$
73,3 bilhões aplicados em 264 projetos. Os setores mais contemplados incluem
energia elétrica, petróleo, transportes, indústria automotiva e tecnologia da
informação.
A
viagem também consolidou a posição brasileira como principal parceiro da China
na América Latina, reforçando a atuação conjunta em temas como conectividade
regional, desenvolvimento sustentável e transição para uma ordem internacional
multipolar. A agenda reflete a intenção do governo brasileiro de ampliar as
áreas de cooperação e atrair novos investimentos como parte de sua estratégia
de crescimento econômico.
Com a
assinatura dos novos acordos e os anúncios de investimentos, a visita de Lula à
China fortalece a interlocução entre os dois países e projeta avanços em áreas
consideradas prioritárias para o governo federal.
Fonte:
Por Nilmar Rippel, Marlon Clovis Medeiros e Cintia Godoi, no Jornal GGN/O
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