E se o Brasil tiver que optar entre China ou
EUA, como ameaça Trump?
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se encontra na
semana que vem com o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim.
Será o
terceiro encontro oficial entre os dois desde que Lula assumiu o terceiro
mandato, em janeiro de 2023.
E ao
mesmo tempo em que o governo dos dois países tratam a viagem como uma
oportunidade de aprofundar as parcerias entre os dois países, a visita de Lula
à China acontece em meio a um contexto internacional de turbulência.
Estados Unidos e China estão em plena
disputa por influência no mundo. O relatório anual da comunidade de
inteligência dos Estados Unidos, divulgado neste ano, classificou a China como
"a mais ampla e robusta ameaça militar à segurança nacional".
E uma
das regiões para onde as atenções estão se voltando nos últimos meses é a América Latina. Em abril, o
presidente norte-americano Donald Trump disse em uma
entrevista à versão em espanhol do canal Fox News que os países da região
"talvez" tivessem que escolher entre os Estados Unidos ou a China.
"Talvez,
de uma certa maneira. Foi o que o Panamá fez, é o que outros estão fazendo e,
talvez, pensando em fazer. Talvez. Sim, talvez deveriam fazer isso (escolher
entre China e Estados Unidos)", disse Trump na entrevista.
O
presidente norte-americano não explicou em detalhes o que significaria, na
prática, um país da América Latina ter que escolher entre os Estados Unidos e a
China, mas um dos panos de fundo da atual disputa entre Estados Unidos e China
na América Latina é econômico.
Dados
do Banco Mundial referentes a 2022 (ano mais recente disponível) apontam que os
Estados Unidos ainda são o principal parceiro comercial da América Latina. Ao
todo, os Estados Unidos são responsáveis por 41% das exportações da região para
o mundo. Do outro lado, o país vende 30% de tudo o que a região importa.
A
China, no entanto, vem logo atrás. O país asiático é responsável por 12% das
exportações da região e por 20% das importações. A diferença, no entanto, é que
os chineses têm um saldo positivo no comércio com a América Latina, enquanto os
norte-americanos têm um saldo negativo, pois compram mais do que vendem.
Além da
questão econômica, os norte-americanos vêm citando preocupações geopolíticas
com o suposto aumento da presença chinesa na região. Um dos pontos de tensão
mais recentes é o Canal do Panamá, cujo controle está
com o Panamá, mas cuja influência chinesa foi questionada por Trump desde que
assumiu seu segundo mandato.
A
pressão norte-americana, aparentemente, deu resultado e o governo do Panamá
anunciou que não iria renovar a parceria do país com a Iniciativa do Cinturão e
Rota, um dos principais programas de investimento da China no exterior. Além
disso, o grupo chinês que tinha a concessão de portos ao longo do canal vendeu
suas operações a fundos norte-americanos.
Mas e
se a pressão feita no caso panamenho chegasse ao Brasil? Será que o país teria
que escolher entre Estados Unidos e China? E se chegasse: a quem o Brasil
deveria se alinhar?
Autoridades
e especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o cenário em que o
Brasil se veria obrigado a escolher entre um país e outro é remoto por diversos
fatores. Entre eles está a tradição diplomática do Brasil, que evita
alinhamentos automáticos, e o fato de que, do ponto de vista econômico,
dificilmente os Estados Unidos teria condições de absorver o fluxo de
exportações brasileiras que vai para a China.
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Cenário remoto
As
relações do Brasil com a China e os Estados Unidos têm históricos muito
distintos.
O
Brasil mantém relações diplomáticas com os Estados Unidos desde 1824, dois anos
depois da proclamação da independência brasileira. Historicamente, os dois
países tiveram momentos de maior proximidade e de distanciamento. A partir do
final da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos passam o Reino Unido como
principal parceiro comercial brasileiro e as relações entre os dois se
aprofundam.
Com a
China, no entanto, as relações diplomáticas são mais recentes. O Brasil
retormou as relações com a China em 1974, ainda durante a Ditadura Militar. O
movimento brasileiro seguiu a reaproximação conduzida pelo então presidente
norte-americano, Richard Nixon, ao país asiático.
Nos
anos 1980, o então presidente José Sarney fez uma visita ao país, mas é a
partir dos anos 2000 que as relações entre os dois países se aprodundam.
Em
2004, o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer a China como uma
economia de mercado. Em 2009, o país asiático passa os Estados Unidos e se
torna o principal parceiro comercial do Brasil, posto que ocupa até hoje.
Apesar
de Trump não ter explicado os termos da "escolha" entre Estados
Unidos e China, os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil descartaram que
ele pudesse estar falando em um cenário de guerra aberta entre os dois países.
Isso ocorre por um motivo simples: China e Estados Unidos são potências
nucleares e um conflito militar entre eles poderia levar a cenários
catastróficos.
Os
especialistas apontam, portanto, que o mais provável é que Trump se refira ao
cenário de guerra comercial e política que vem se travando entre os dois
países.
Trump,
por exemplo, vem dando seguidas demonstrações de incômodo com a aproximação
entre países do chamado Sul Global, como o Brasil e a China.
Em uma
crítica direta aos BRICS, grupo de países
fundado por Brasil, China, Rússia e Índia, Trump ameaçou tomar
reagir se o bloco tentasse adotar mecanismos para diminuir a utilização do
dólar nas transações internacionais. Essa é uma das propostas em discussão pelo
grupo há alguns anos.
Trump
não chegou a fazer ameaças diretas ao Brasil por conta de sua proximidade com a
China, mas a ideia de que o Brasil se veja obrigado a escolher entre Estados
Unidos ou China não é bem recebida entre diplomatas brasileiros, entre eles,
ex-ministro das Relações Exteriores e atual assessor internacional da
Presidência da República, Celso Amorim.
Em
abril, ele disse à BBC News Brasil que esse tipo
de escolha não se aplicaria ao Brasil.
"O
Brasil não vai fazer essa escolha. Os Estados Unidos são muito importantes para
nós e continuarão a ser. Queremos que eles continuem a ser. Mas outros países
também são importantes. A China é, obviamente, mas outros países também, como a
Índia e a União Europeia".
Diplomata
há mais de seis décadas, Amorim acompanhou diferentes momentos da política
externa brasileira e reforça que, historicamente, o Brasil tenta evitar
alinhamentos automáticos com potências.
As
exceções ocorreram nos anos 1940, quando o Brasil, pressionado pelos Estados
Unidos, aderiu ao bloco dos países Aliados e entrou na Segunda Guerra Mundial
contra o Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão.
A outra
exceção ocorreu entre 2019 e 2023, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que aderiu,
publicamente, a um alinhamento ideológico e político aos Estados Unidos, à
época comandado por Donald Trump.
Apesar
de o período ter sido marcado por tensões entre o deputado federal licenciado
Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e diplomatas chineses, o Brasil, no entanto, não
desacelerou o seu fluxo comercial com o país asiático.
"Historicamente,
o Brasil busca uma posição de neutralidade e busca a posição de buscar relações
benéficas e construtivas com todos os parceiros do mundo", diz à BBC News
Brasil o ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil entre 2007 e 2011, Welber
Barral, que hoje atua como consultor internacional para empresas com negócios
em diversos países, inclusive a China.
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"Miopia" de Trump
Para
Barral, a ideia proposta por Trump, de que os países da América Latina teriam
que escolher entre Estados Unidos ou China, é "míope" e não se
aplicaria ao Brasil. O país não mantém acordos de livre comércio com nenhum dos
dois, e ambos são considerados essenciais para a saúde da economia brasileira.
"Essa
frase é míope porque você não pode obrigar os países a fazerem essa escolha. Os
países têm interesses divergentes ou diferentes. [No caso do Brasil] , ninguém
vai comprar as exportações agrícolas brasileiras como a China compra", diz
Barral à BBC News Brasil.
De
fato, os dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços
(MDIC) comprovam que, atualmente, a participação da China nas exportações
brasileiras dificilmente poderia ser substituída, no curto prazo, por outros
países. Desde 2009, a China é o principal parceiro comercial do Brasil,
superando os Estados Unidos.
De
acordo com os dados oficiais, em 2024, o Brasil exportou US$ 94 bilhões para a
China. A maior parte desse volume é composta por commodities agrícolas como
soja, minério de ferro e petróleo.
Em
favor da China, pesa ainda o fato de que o saldo entre exportações e
importações é positivo para o Brasil. A diferença entre o que o Brasil vende e
o que Brasil compra da China foi de US$ 30 bilhões.
Com os
Estados Unidos a situação é diferente. Em 2024, o Brasil exportou US$ 40,3
bilhões e importou US$ 40,6 bilhões, o que gerou um déficit de US$ 300 milhões
em favor dos norte-americanos.
Por
outro lado, Barral também descarta um alinhamento brasileiro integral à China.
Segundo
ele, enquanto as exportações para a China beneficiam setores como o
agronegócio, com forte impacto sobre a economia do interior do país, as
exportações para os Estados Unidos beneficiam setores como a indústria, com
forte impacto nas áreas urbanas do Brasil.
"Quando
você pega a exportação do Brasil para os Estados Unidos, ela é bastante mista
[...] há um volume muito importante de produtos manufaturados, principalmente
por conta de uma integração produtiva entre filiais de empresas
americanas", diz Barral.
Maurício
Santoro, cientista político e professor de Relações Internacionais do Centro de
Estudos Políticos-Estratégicos da Marinha do Brasil, diz que outro elemento que
inviabilizaria um alinhamento exclusivo à China por parte do Brasil são os
investimentos norte-americanos feitos no Brasil.
"Se
a gente olhar do ponto de vista do comércio exterior, o Brasil exporta muito
mais para a China do que para os Estados Unidos. Mas, por outro lado, os
americanos investem muito mais no Brasil do que os chineses".
Os
dados do MDIC comprovam a afirmação do professor.
Entre
2010 e 2023, os Estados Unidos lideram o ranking de estoque de investimentos
estrangeiros no Brasil, com US$ 270 bilhões. A China vem em quinto lugar, com
US$ 50 bilhões.
Do lado
norte-americano, boa parte dos investimentos no Brasil são resultado de
operações entre empresas do país com filiais em território brasileiro. Do lado
chinês, parte desses investimentos, nos últimos anos, tem sido direcionado a
projetos de infraestrutura.
"Há
certas tecnologias que os americanos possuem e os chineses não. Um exemplo é na
área de semicondutores avançados ou equipamento militar, que o Brasil compra
dos americanos e não dos chineses. E há outras tecnologias que a China oferece
e os Estados Unidos, não, como o padrão 5G. Simplesmente, não é viável para o
Brasil fazer essa escolha", explica.
Além
disso, diz Santoro, ambos os países fornecem tecnologias diferentes e
necessárias ao Brasil.
Para
Santoro, o grande volume de investimentos norte-americanos no Brasil é um dos
fatores que explica a reação classificada por ele como "comedida" do
governo brasileiro em relação às tarifas impostas pelos Estados Unidos a
produtos importados brasileiros. A tarifa para a maioria dos produtos
ficou em 10%.
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Capacidade de coerção
Santoro
aponta ainda que os Estados Unidos não teriam condições diplomáticas ou
econômicas para impor esse tipo de "escolha" ao Brasil.
"Talvez
seja possível os Estados Unidos aplicarem mecanismos de coerção mais dura em
algumas partes da América Latina como no México, na América Central ou no
Caribe porque são países que dependem, realmente, dos Estados Unidos", diz
Santoro.
Segundo
ele, a realidade é diferente para a América do Sul, o que inclui o Brasil.
"A
economia global mudou e os laços desses países com a China ou com a Europa se
tornaram mais fortes. É uma política que não iria funcionar [...] Os EUA não
têm capacidade, hoje, de coagir o Brasil a adotar uma determinada diplomacia
com relação à China. E acho que seria contraproducente para os
americanos", afirma Santoro.
Para
Welber Barral, tudo indica que o Brasil continuará a se manter neutro em meio à
disputa entre Estados Unidos e China.
"Não
há o alinhamento automático da diplomacia brasileira. O que o Brasil vai
continuar tentando fazer é manter-se num nível de neutralidade ou tentar ter
uma boa relação com todos os países".
Para
ele, a postura adotada pelos Estados Unidos reflete o que ele chama de declínio
do poder norte-americano. E segundo ele, os Estados Unidos erram ao tentar
impor alinhamentos.
"Os
Estados Unidos, como uma potência em declínio, vão reagir e tentar manter sua
zonad e influência. A discussão é se as políticas que eles estão adotando hoje
são inteligentes o suficiente para manter essa zona de influência. Muita gente
vai dizer que não", diz Barral.
Santoro
avalia de forma semelhante.
"Os
Estados Unidos estão vendo a América Latina como um problema, como uma fonte de
instabilidade por conta de imigração e do crime organizado. Os chineses vêem a
América Latina como oportunidade", diz.
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Trump diz que aumentará
o comércio com a Índia e o Paquistão
O
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que aumentaria o comércio com a
Índia e o Paquistão em uma publicação no Truth Social na noite de sábado.
"Trabalharei
com a Índia e o Paquistão para ver se, depois de 'mil anos', uma solução pode
ser encontrada para a Caxemira", acrescentou.
Nos
últimos quatro dias, Índia e Paquistão se envolveram em um confronto militar
que tem sido considerado o pior entre eles, em décadas. Os países haviam
concordado com um cessar-fogo, mas logo depois se acusaram de
"violações".
A
declaração de Trump foi dada depois dessas acusações. O presidente elogiou a
força, a sabedoria e a coragem da Índia e do Paquistão “para saber e
compreender plenamente que era hora de pôr fim à atual agressão que poderia ter
levado à morte e à destruição de tantas pessoas”.
Na
manhã de sábado, Trump escreveu em sua rede social que o cessar-fogo havia sido
mediado pelos EUA, mas o Ministro das Relações Exteriores do Paquistão afirmou,
depois, que "três dúzias de países" estavam envolvidos na diplomacia
para que as duas nações fizessem o acordo.
Fonte: BBC News Brasil

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