Como
Portugal passou de país estável à 3ª eleição em 3 anos, em meio a acusações de
corrupção
Pela
terceira vez em três anos, Portugal se prepara para ir
novamente às urnas nas eleições legislativas, que acontecem no próximo domingo
(18/5).
O
pleito ocorre antecipadamente, depois da queda do primeiro-ministro, Luís
Montenegro, motivada por um escândalo envolvendo uma empresa de consultoria de
propriedade de sua família, o que provocou acusações de conflito de interesse.
A
polêmica, que culminou com a queda da Alternativa Democrática, uma coalizão
formada pelo Partido Social Democrata (PSD) e o Centro Democrático Social (CDS)
começou em fevereiro, quando o caso se tornou público.
A
imprensa portuguesa noticiou que o primeiro-ministro tinha uma empresa de
consultoria empresarial, viticultura, seguros e negócios imobiliários. A
Spinumviva foi fundada por Montenegro e sua família em 2021, quando ele não
ocupava nenhum cargo político.
Em
junho de 2022, após ser eleito presidente do PSD, Montenegro vendeu suas ações
na empresa à sua mulher e aos seus dois filhos. Com esta transação, Montenegro
pretendia evitar um potencial conflito de interesses. No entanto, segundo o
Código Civil português, a transação seria nula, já que Montenegro é casado em
regime de comunhão de bens e, por isso, o que pertence à esposa também pertence
a ele.
Um dos
principais clientes da empresa é a Solverde, um grupo hoteleiro e de casinos
que paga à Spinumviva uma mensalidade de 4.500 euros (R$ 28.607), para o qual
Montenegro trabalhou como advogado antes de ser eleito presidente do PSD.
Trata-se de um grupo empresarial cuja concessão de quatro casinos – que tem de
ser atribuída pelo Governo – termina no fim de 2025.
O
semanário português Expresso revelou ainda que todos os outros
clientes da Spinumviva foram conseguidos por Montenegro. A sede da empresa era
a casa do primeiro-ministro, e o contato era o celular pessoal dele.
A
oposição exigiu explicações, que foram dadas de forma muito superficial, e o
cerco em torno dos bens e negócios do primeiro-ministro se apertou.
O
Ministério Público abriu uma investigação preventiva contra a empresa de
Montenegro. No âmbito político, o partido da direita radical, Chega (CH), e o
Partido Comunista (PC) apresentaram duas moções de censura no parlamento, que
foram rejeitadas. Já o Partido Socialista (PS) exigiu uma Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) que investigasse o caso no Parlamento.
Montenegro
se negou a abrir a CPI e apresentou uma moção de confiança, apesar dos avisos
do Partido Socialista de que não votaria a favor. O desfecho esperado ocorreu
em 11 de março: a moção de confiança não foi aprovada e o governo caiu,
forçando o país a convocar eleições antecipadas.
"Essas
eleições foram provocadas por um problema pessoal do primeiro-ministro",
diz o cientista político António Costa Pinto.
"Luís
Montenegro provocou essas eleições com uma moção de confiança que se sabia, de
cara, que seria rejeitada por uma questão de sobrevivência política, para
evitar uma comissão de inquérito e um grave problema político para o
primeiro-ministro."
·
Três anos, três eleições
Num
país acostumado com governos estáveis, Portugal atravessa agora um período
conturbado com três eleições legislativas em três anos e uma sucessão de
governos que não conseguiram levar seu mandato até ao fim.
Tudo
começou em janeiro de 2022, após o socialista António Costa ter visto os seus
parceiros de Governo rejeitarem seu orçamento de Estado. As eleições que se
seguiram deram a Costa uma maioria absoluta rara hoje em dia.
E
quando todos se preparavam para quatro anos de estabilidade, o socialista
acabaria por se demitir dois anos depois, ao se ver envolvido num suposto caso
de corrupção e tráfico de influências na concessão de projetos energéticos no
país, no qual António Costa nunca chegou a ser formalmente acusado.
No dia
7 de novembro de 2023, o Ministério Público anunciou que investigaria o
primeiro-ministro, e António Costa demorou poucas horas para anunciar sua
decisão.
"As
funções de primeiro-ministro não são compatíveis com a suspeita de qualquer ato
criminal", disse Costa. "Obviamente, apresentei minha demissão ao
senhor presidente da República".
Atualmente,
o caso continua a se arrastar pelos tribunais acumulando vários erros, dentre
eles a confusão em escutas telefônicas entre o nome do primeiro-ministro
(António Costa) e o nome do ministro da economia (António Costa Silva) e sem
que o envolvimento do primeiro-ministro tenha sido demonstrado.
António
Costa, que sempre negou ter cometido qualquer ato ilícito, prestou depoimento
espontaneamente no tribunal, respondendo a todas as questões e saindo sem
qualquer acusação, ainda que também não tenha sido formalmente acusado. Na
sequência, sem nenhuma implicação na Justiça, o socialista assumiu a
presidência do Conselho Europeu.
O caso
que envolveu Costa levou o país às segundas eleições antecipadas, em março de
2024, nas quais Luís Montenegro, da Alternativa Democrática (AD), sairia
vencedor. As urnas apontaram uma pequena diferença de 1% entre os votos da AD e
do Partido Social Democrata (PSD) e o governo de centro-direita começou um
mandato numa situação de minoria parlamentar.
"Com
essas eleições, Montenegro tenta resolver dois problemas: por um lado se
legitimar novamente em termos eleitorais e, a partir daí, assegurar a sua
sobrevivência política e aumentar um pouco a diferença para o Partido
Socialista", explica o professor. "Ele já tinha dito que mesmo que
sofresse alguma investida do sistema judicial, não se demitia, e se ganhar as
eleições ganha legitimidade eleitoral".
·
Pesquisas
As
pesquisas dão vantagem à AD, e mostram ainda uma coisa importante: o bloco
formado pelos partidos de esquerda continuará, muito provavelmente, sendo
minoria no Parlamento, o que fará com que o governo precise da centro-direita.
Às
vésperas das eleições, a pesquisa Pitagórica para o Jornal de Noticias, Radio
TSF e Televisão TVI/CNN dava à AD 31,5% dos votos, contra 26,5% do PS. Os
resultados demonstram que o caso que envolveu o primeiro-ministro não parece
afetar a intenção de voto dos portugueses.
"Há
muitos estudos que nos dizem que as pessoas reprovam os desvios éticos por
parte dos políticos, como é normal, mas depois, isso não tem grande impacto no
voto porque os eleitores avaliam os casos de acordo com a afinidade que têm com
o partido: os eleitores desse partido tendem a adotar uma posição de defesa da
formação", explica o cientista político Hugo Ferrinho.
"Luís
Montenegro pegou a oposição de surpresa, que não desejava essas eleições, e
criou uma estratégia na qual o governo influencia a ida às urnas, colocando
todos os seus ministros como candidatos nos diversos círculos eleitorais e
aproveitando o pouco desgaste de um governo que está no poder há apenas um
ano", completa Costa Pinto. "Para muitos segmentos do eleitorado, o
caso ético de conflito de interesses não parece ser determinante nas atitudes
eleitorais. Não existe uma grande punição".
O PS,
com Pedro Nuno Santos de candidato, ocupa o segundo lugar nas pesquisas, com
pouca distância, mas com pouca chance de vitória. "O PS tem feito a
campanha possível para um partido com um novo secretário-geral, depois de ter
estado oito anos no poder, e com um governo que tem apenas um ano de duração,
que é uma conjuntura que não favorece o retorno dos socialistas ao poder",
analisa Costa Pinto.
Em
terceiro lugar está o partido da direita radical Chega, que mantém mais ou
menos o percentual de votos que teve nas eleições passadas, com 18,1% das
intenções de voto. O partido de André Ventura teve, na última ida às urnas, um
aumento de 12 para 50 deputados, mas não chegou a entrar no Executivo.
"Nunca vou fazer um acordo político com o Chega. Não, é não",
prometeu Montenegro em campanha. E cumpriu, preferindo governar em minoria.
·
Segurança e imigração
Ainda
assim, o resultado do Chega foi suficiente para influenciar parte do discurso
do governo, que se tentou colar ao de alguns candidatos do partido da direita
radical em temas como a segurança ou a imigração.
Apesar
de Portugal estar no top 10 de países mais seguros do mundo do Global Peace
Index, o discurso do primeiro-ministro sobre a segurança no país girou sempre
em torno da "necessidade de reforço".
"Temos
uma estratégia de maior policiamento e maior visibilidade. De forma eficiente e
eficaz queremos diminuir a criminalidade, sobretudo a violenta", disse
Montenegro durante a campanha.
Meses
antes, foi polêmica a ação policial desencadeada no bairro de Martim Moniz em
Lisboa, um bairro caracterizado pela imigração asiática. As imagens mostravam
um enorme aparato policial, dezenas de imigrantes encostados à parede dos
edifícios, de mãos para o alto, sendo revistados pelos policiais, no que foi
denominado como uma "operação especial de prevenção criminal".
No fim,
foram apreendidos 4 mil euros, uma faca e um celular. "Não gostei de ver,
mas tinha de ser assim", foi a reação do primeiro-ministro no Parlamento,
quando foi confrontado pela oposição.
Já
durante a campanha, o governo anunciou a expulsão de 18 mil imigrantes, dos
quais 449 são brasileiros, por não cumprirem os requisitos para continuarem no
país. A decisão anunciada faz parte de um processo de regularização de
imigrantes que conta com mais de 110 mil pedidos e dos quais, segundo o
ministro da Presidência, António Leitão Amaro, "a maioria será
deferida".
Ainda
assim, e apesar da diferença de números, o governo preferiu centrar a
comunicação nos 18 mil que vão ter de abandonar o país. "Essa
informação confirma que a política de imigração em Portugal passou a ser de
imigração regulada, que as regras de imigração são para cumprir e que a sua
desobediência tem consequências", disse Leitão Amaro.
"Em
ciência política isso se chama fenômeno de acomodação dos temas dos partidos
mais radicais. Pelo menos em teoria, a estratégia do governo de Montenegro é
esvaziar, em termos programáticos, a agenda do Chega, assumir os temas que lhe
são mais caros, adotar medidas que estão mais associadas a ele e, com isso,
retirar os motivos que os eleitores teriam para votar no Chega, atraindo eles à
AD", explica Ferrinho.
Se a
estratégia dará frutos é algo que ainda não é possível saber. "Muitos
estudos sugerem que quando a centro-direita assume os temas da direita radical,
em questões como nacionalismo, segurança e imigração, muitas vezes as pessoas
preferem votar no "original" e não na "cópia", e o que se
verifica é um aumento do voto na direita radical", continua o cientista
político.
·
Sucessão de escândalos
Do
comportamento do potencial eleitorado da direita radical depende, muito em
parte, o resultado deste domingo "Parece que estamos diante do início de
um processo de estagnação", diz Ferrinho, "mas os dados que temos não
indicam uma grande queda."
Isso
tudo, apesar dos escândalos que envolveram o partido no último ano. O mais
grave deles, o do vereador da cidade de Lisboa, Nuno Pardal, acusado de
prostituição infantil por manter relações sexuais com um rapaz de 15 anos a
quem pagou 20 euros, ao mesmo tempo que, publicamente, dizia que "a
proteção dos menores contra a exploração sexual e o abuso sexual é um ponto
fundamental da Justiça para o Chega", e defendia a castração química para
quem tivesse relações sexuais com menores.
Outro
dos casos mais badalados foi o de Manuel Arruda, que todas as semanas viajava
em avião entre Lisboa e a ilha de São Miguel, nos Açores, viagens que
aproveitava para roubar malas cujo conteúdo vendia na plataforma de venda de
objetos de segunda mão Vinted. A polícia encontrou 17 malas no seu domicílio.
Finalmente,
José Paulo Sousa, deputado regional do Chega, foi detido pela polícia por
conduzir em estado de embriaguez, com uma taxa de álcool de 2,25 gr/litro.
Segundo a legislação portuguesa, conduzir com mais de 1,2 gr/litro é crime
passível de prisão.
Num
partido cujo lema é "limpar Portugal", os três casos caíram como uma
bomba. Nuno Pardal se demitiu, Manuel Arruda abandonou o partido e continuou
como deputado independente depois de André Ventura ter pedido a sua demissão, e
Sousa continua no partido regional, com André Ventura defendendo que "o
deputado assumiu a sua culpa".
Se os
três casos parecem não passar a fatura ao partido, na semana passada, os
resultados do estudo europeu From provider to precarious: how young
men's economy decline fuels the anti-feminist backlash [De provedor a
precário: como o declínio da economia dos homens jovens alimenta a reação
antifeminista] parecem reforçar a sua posição, revelando que os rapazes
portugueses votam cinco vezes mais na direita radical do que as mulheres
jovens. Trata-se do segundo número mais alto da União Europeia.
As
razões, aponta o estudo, estão no "declínio em termos de riqueza, emprego,
poder de compra e nível de escolaridade e saúde mental" que faz com que os
jovens com menos de 25 anos se sintam atraídos pela "visão tradicional da
masculinidade" que defendem os movimentos da direita radical.
"O
Chega parece estar mais ou menos no mesmo patamar de um ano atrás, por volta
dos 18%, 19% dos votos, e isso pode depender também da adesão às urnas",
explica Ferrinho. "Num país com tantas repetições eleitorais, os eleitores
podem acusar uma certa fadiga que os leve a uma maior abstenção e isso pode
contribuir para uma menor concentração de votos no Chega", expõe.
Da
mesma forma que "o fato de o Chega continuar sem ser um aliado possível
para um governo de direita pode fazer com que os eleitores decidam concentrar o
voto útil na AD, ou até na Iniciativa Liberal", partido de direita
liberal.
O que
parece certo é que, seja qual for o resultado de domingo, Portugal vai voltar a
ter um governo minoritário, obrigado a muita negociação para conseguir manter a
estabilidade no país.
Fonte:
BBC News Brasil

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