Entre
a pressão imobiliária e a violência: como é viver na última favela do centro de
SP
Quando
chegou a São Paulo em 2014, vinda do interior do Maranhão, Leidivania Domingas
Teixeira, hoje com 30 anos, trazia a esperança que todo migrante tem: que a
maior metrópole do país fosse suficientemente grande para abarcar seus sonhos,
com melhores oportunidades de emprego e de vida. Ela e o marido, também
maranhense, se instalaram no Moinho, a última favela do centro da capital
paulista, um território sob forte disputa.
Nos
últimos dias, moradores da favela do Moinho foram agredidos violentamente pela
Polícia Militar, que chegou junto à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e
Urbano (CDHU) do governo estadual para demolir casas e expulsar as centenas de
famílias — segundo a Associação de Moradores da Favela do Moinho, mais de 900
famílias vivem por lá.
Há
anos, o governo de São Paulo tenta desapropriar os imóveis no Moinho e agora
quer construir um parque no local, argumentando que ali não pode haver
habitações por segurança, já que as casas ficam próximas das linhas de trem. A
Prefeitura de São Paulo, por sua vez, diz que a comunidade, que fica próxima da
região da Cracolândia, seria um “QG do crime” organizado, nas palavras do
próprio Ricardo Nunes (MDB), que a descreve como um ponto de abastecimento de
drogas do PCC.
O que
essas narrativas não contam é que o Moinho se tornou um espinho encravado na
carne do setor imobiliário paulistano, uma comunidade pobre incrustada num dos
pontos mais disputados da capital.
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Por que isso importa?
• A Favela do Moinho é a última do centro
de São Paulo, maior cidade do país, e fica na região que deve receber a nova
sede do Governo de São Paulo.
• O Moinho também está próximo da
“Cracolândia”, maior cena de uso aberto contínuo de drogas do Brasil, e
operações policiais afetam a vida da comunidade.
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Sobe o valor dos imóveis, cai o da vida
O
centro de São Paulo virou um celeiro de novos empreendimentos imobiliários,
muitos deles minúsculos “estúdios” de 20 metros quadrados, vendidos por valores
exorbitantes. Para se ter ideia, a venda do metro quadrado na região fica, em
média, em R$ 11,3 mil, de acordo com o Índice FipeZap. No ano passado, o preço
do metro quadrado em São Paulo teve a maior alta dos últimos dez anos, de quase
7%.
Na casa
de alvenaria, que fica na rua principal da favela, Leidivania e o marido criam
Vanderlison, de nove anos, e a pequena Valentina, de 1 ano e oito meses. O
imóvel já foi de sua sogra, que vivia na comunidade há pelo menos 20 anos. O
lar tem poucos cômodos, uma sala, um quarto e uma cozinha grande o suficiente
para dar lugar a uma outra cama.
O
imóvel fica perto de uma Unidade Básica de Saúde (USB) e de uma escola pública
onde os meninos estudam. Também fica próximo do metrô e de várias outras
comodidades importantes pro dia a dia da família, como mercados e comércio.
A PM
não perguntou se havia crianças em casa quando resolveu soltar bombas de gás na
porta de Leidivania, em meio aos conflitos para expulsar os moradores nesta
semana. Ela conta que saiu correndo com os meninos, que estavam sufocando, pela
porta dos fundos. Durante os dias de conflito, com grande ocupação policial no
território, a família mal comeu e dormiu.
“Foi
terrorismo o que vivemos aqui”, contou a mãe, descrevendo de um cenário que
lembrava uma zona de guerra. “De um ano para cá a coisa piorou muito. A polícia
chega batendo nos moradores. Dizem que é traficante, mas é mentira. Eu como
moradora não vejo nada disso aqui, falam que é droga para poder prejudicar a
gente, tirar nossos direitos. Quando a polícia chega é que começa o tiroteio”,
disse.
A
reportagem questionou a Secretaria de Segurança Pública sobre as agressões
denunciadas pelos moradores. A pasta respondeu apenas que “a Polícia Militar
permanece nesta sexta-feira (16) na Favela do Moinho, região central de São
Paulo, para dar suporte às equipes da Companhia de Desenvolvimento Habitacional
e Urbano (CDHU) e garantir o direito de ir e vir da população.
“Tive
vizinhos que chegaram a sair porque não aguentaram, mas eu não tinha para onde
ir, por isso tive que ficar. É uma violência tremenda 24 horas. Eu passo perto
da Cracolândia e nunca fui agredida. Mas a polícia chega batendo, humilhando,
já entraram na minha casa várias vezes sem autorização. Queriam que a gente
saísse de todo jeito por medo de morrer. Mas deu errado, porque lutamos pelo
nosso direito”, acrescentou.
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A vitória dos moradores
A
violência da PM comandada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos)
fez com que a União interrompesse a cessão do terreno no final da terça-feira,
dia 13 de maio.
O
diálogo foi retomado depois de um acordo, fechado na última quinta-feira, 15 de
maio, entre ministros do Governo Federal e representantes do estado de São
Paulo. A nova promessa é dar imóveis prontos ou em fase final de construção aos
moradores, nos valores de R$ 250 mil, pelo Minha Casa Minha Vida, no modelo de
compra assistida. Na decisão, a União vai arcar com R$ 180 mil de cada imóvel,
e o Estado de São Paulo, com os R$ 70 mil restantes.
O
acordo foi uma vitória da comunidade, que rejeitou a primeira proposta de
financiamento das casas em 30 meses. “Moradia não é mercadoria. A gente tem de
ser exemplo para as outras comunidades do Brasil”, celebrou Yasmin Flores,
presidenta da associação de moradores do Moinho. Antes, os moradores vinham
sendo pressionados a deixarem suas casas e assinar financiamentos acima da sua
capacidade de pagamento.
Por
telefone, um dia depois das negociações, Leidivania contou que não havia mais
policiais na favela. “A CDHU disse para gente: ou vocês assinam, ou a máquina
vai lá derrubar a casa de vocês. Em tom de ameaça. Eles ofereceram um
apartamento no Brás [a mais ou menos meia hora do Moinho], que só ficaria
pronto em 2027. Como mandam a gente para um empreendimento que nem tá pronto?”,
questionou a moradora.
Segundo
a proposta anterior do Governo do Estado, ela que está desempregada, e o
marido, que ganha um salário mínimo, teriam que destinar 20% da renda deles só
para pagar o financiamento. “É o dinheiro que a gente usa para viver, comprar
as medicações dos meninos, porque um é asmático e a caçula tem bronquite e não
tem remédio no posto”, contou.
Antes
do último acordo com o Governo Federal, também ofereceram a ela um
auxílio-aluguel de R$ 800. “Meu marido assinou sob pressão. Eu procurei
imóveis, mas ninguém aluga nada no centro de São Paulo com esse valor”, disse.
Agora, os governos federal e estadual aumentaram o auxílio para R$ 1,2 mil.
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Finalmente, um dia de paz
Com a
trégua nas ações policiais, Leidivania comemorou finalmente um dia de paz.
Conseguiu tomar um banho com calma, dar comida às crianças no horário certo.
Dormiu um pouco melhor.
Ela
conta que está feliz com a vitória da comunidade, mas triste porque vai
precisar sair do Moinho. “Aqui tem saúde, escola perto. Meu filho faz reforço
na creche dentro da favela, vai perder os amiguinhos. Aqui todo mundo se ajuda,
sabe? Os vizinhos são gente boa, olham meus filhos quando preciso. Fico triste
porque vamos deixar de conviver”, lamentou.
Restam
algumas incertezas. “O governo prometeu um imóvel no centro de São Paulo, mas
ainda não sabemos onde vai ser a casa, nem quantos metros vai ter. Se eu for
para outro bairro vou ficar perdida. Disseram apenas que vai ser gratuito,
ninguém falou o tamanho, nem onde e nem quando vai ficar pronto”.
A
reportagem questionou a CDHU e o Ministério das cidades acerca desses detalhes.
A resposta será atualizada na reportagem.
Se o
dinheiro puder ser usado para comprar um imóvel em qualquer lugar, Leidivania
queria voltar para o Maranhão. Ela diz que iria morar em São Luís, na capital,
onde é mais fácil achar emprego do que em Nova Olinda do Maranhão, cidade dos
seus familiares. “Mas, por enquanto, a gente não pensa em voltar, por causa do
emprego do meu marido. Já me acostumei aqui em São Paulo. Só tenho a agradecer
o tempo que morei aqui no Moinho, vou sentir falta da convivência da gente um
com o outro, mas estou feliz que a gente vai ganhar uma moradia”.
Fonte:
Por Mariama Correia, da Agencia Pública

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