Como os 3 papas africanos mudaram o
cristianismo – e por que nunca mais houve um
Após a morte do papa Francisco, há
especulações de que o próximo líder da Igreja Católica pode vir da África.
Três africanos aparecem na corrida para
suceder o Papa Francisco: Fridolin Ambongo Besungu, da República do Congo,
Peter Kodwo Appiah Turkson, de Gana, e Robert Sarah, de Guiné.
Mas a igreja já teve africanos no comando
antes. Historiadores acreditam que houve três papas com ligações ao continente
africano, o mais recente deles há mais de 1.500 anos.
Acredita-se que todos eles eram de origem
norte-africana. Isso porque o Império Romano se estendia por áreas que hoje
correspondem à Tunísia, ao nordeste da Argélia e à costa oeste da Líbia.
Antes do estabelecimento do islã, o
cristianismo tinha uma presença muito forte na região. Segundo o professor
Christopher Bellitto, da Universidade de Kean, nos Estados Unidos, "a
África do Norte foi um 'cinturão bíblico' do cristianismo antigo".
Embora pouco se saiba sobre a vida pessoal
dos últimos três papas africanos, historiadores concordam que todos eles
tiveram um papel muito importante na história inicial da Igreja Católica.
Os três foram reconhecidos como santos pela
Igreja.
• Victor
I (189-199 d.C)
Acredita-se que o papa Victor I era de origem
berbere — de povos nativos do norte da África — e esteve no comando da Igreja
Católica durante um período de perseguições esporádicas aos cristãos que se
recusavam em aceitar e adorar os deuses romanos.
Talvez ele seja mais conhecido por ter
estabelecido que a celebração da Páscoa fosse realizada sempre no domingo.
No século 2, alguns grupos cristãos da
província romana da Ásia (atual Turquia) celebravam a Páscoa no mesmo dia que
os judeus celebravam a libertação do povo hebreu da escravidão no Egito, o que
poderia cair em diferentes dias da semana.
Contudo, cristãos da parte ocidental do
império acreditavam que Jesus havia ressuscitado em um domingo, então a Páscoa
deveria ser sempre celebrada nesse dia.
O debate sobre quando a ressurreição
aconteceu gerou uma grande controvérsia dentro da Igreja e simbolizava
conflitos maiores entre o Oriente e o Ocidente, relacionados à questão se os
cristãos deveriam ou não seguir as práticas judaicas.
Para resolver esse impasse, Victor I convocou
o primeiro Sínodo de Roma — uma reunião de líderes da igreja. E fez isso
ameaçando excomungar da igreja aqueles bispos que se recusassem em seguir as
suas orientações.
"Ele foi uma voz bastante firme para
colocar todos, literalmente, na mesma página", disse Bellitto.
Esse foi um feito impressionante, segundo
Bellitto, uma vez que "ele era o bispo de Roma em uma época em que o
cristianismo ainda era ilegal no Império Romano".
Outro fato importante do legado de Victor I
foi a introdução do latim como língua comum da Igreja Católica. Antes disso, o
grego antigo era a principal língua usada na liturgia católica, assim como nas
comunicações oficiais da igreja.
O próprio Victor I escrevia e falava latim,
idioma que era amplamente falado na África do Norte.
• Melquíades
(311-314 d.C)
Acredita-se que o papa Melchiades, ou
Melquíades — na tradução para o português —, nasceu na África.
Durante o seu pontificado, o cristianismo
passou a ser cada vez mais aceito pelos sucessivos imperadores romanos, se
tornando, eventualmente, a religião oficial do Império.
Antes disso, a perseguição aos cristãos foi
registrada em diferentes momentos da história do Império.
Mas o professor Bellitto ressalta que
Melquíades não foi o responsável direto por essa mudança. Ele foi mais um
"beneficiário da benevolência romana" do que um grande negociador.
O imperador romano Constantine deu a
Melquíades um palácio, o que fez dele o primeiro papa a ter uma residência
oficial.
Ele também recebeu a permissão de Constantine
para construir a Basílica de Latrão, hoje a igreja pública mais antiga de Roma.
Embora os papas modernos vivam e trabalhem no
Vaticano, a igreja de Latrão é, por vezes, chamada no catolicismo de "a
mãe de todas as igrejas".
• Gelasius
I (492-496 d.C)
Gelasius I é o único dos três papas que os
historiadores acreditam não ter nascido na África.
"Há uma referência a ele como nascido em
Roma. Então, nós não sabemos se ele chegou a viver no norte da África, mas é
claro que ele tinha origens lá", explica Bellitto.
Segundo o professor, Gelasius I foi o mais
importante dos três líderes africanos da Igreja. Ele é amplamente conhecido
como o primeiro papa a ser oficialmente chamado de "Vigário de
Cristo", um termo que reforça o papel do papa como representante de Cristo
na terra.
Ele também foi responsável por desenvolver a
chamada 'Doutrina das Duas Espadas' que defende a separação, mas com igualdade
de importância, entre os poderes da Igreja e do Estado.
Gelasius I fez uma distinção crucial ao
afirmar que ambos os poderes foram dados por Deus à igreja, que então delegava
o poder terreno para o Estado, fazendo da Igreja, em última instância,
superior.
"Tempos depois, os papas tentaram vetar
a escolha de um imperador ou rei, porque diziam que Deus lhes havia dado aquele
poder", explicou Bellitto.
Gelasius I também é lembrado por sua resposta
ao Cisma Acaciano — uma separação entre as igrejas cristãs orientais e
ocidentais entre 484 e 519.
Durante esse período, ele afirmou a
supremacia de Roma e do papado sobre toda a Igreja Católica, tanto no Oriente
quanto no Ocidente, algo que, segundo especialistas, foi além do que qualquer
um dos seus antecessores havia feito.
Gelasius I é também responsável por uma
celebração popular que ainda é comemorada todos os anos: ele estabeleceu o St
Valentine's Day (Dia de São Valentim, na tradução livre para o português) em 14
de fevereiro de 496, com objetivo de homenagear o mártir cristão São Valentim.
Alguns relatos dizem que Valentim foi uma
espécie de padre que continuou a celebrar casamentos em segredo, mesmo quando
eles foram banidos pelo imperador Claudius II.
Historiadores acreditam que o Dia de São
Valentim tem raízes no antigo festival romano da fertilidade e do amor,
Lupercalia, e que a decisão de Gelasius I foi uma tentativa de tornar cristã
uma tradição pagã.
• Qual
era a aparência dos papas africanos?
De acordo com o professor Bellitto, não há
como saber com precisão qual era a aparência desses três papas.
"A gente precisa lembrar que no Império
Romano, e até mesmo na Idade Média, não se pensava em raça como se pensa nos
dias de hoje. Não tinha nada a ver com a cor de pele", disse à BBC.
As pessoas no Império Romano não lidavam com
raça, mas sim com etnia", acrescentou.
Philomena Mwaura, professora associada de
Estudos Religiosos da Universidade de Kenyatta, em Nairóbi, destaca que a
África Romana era multicultural, formada por povos berberes e grupos púnicos,
ex-escravizados libertos e pessoas vindas de Roma.
"A comunidade norte-africana era bem
diversificada, e também ficava em uma rota comercial para muitas pessoas
envolvidas na comercialização de antiguidades", explicou.
Em vez de se identificarem com grupos étnicos
específicos, ela afirma que "a maioria das pessoas que viviam nas áreas do
Império Romano se identificava como romana."
• Por
que nunca mais houve outro papa africano?
Acredita-se que depois de Gelasius I não
houve outro papa de origem africana.
"A Igreja Católica na África do Norte
foi enfraquecida por muitas forças, incluindo a queda do Império Romano e
também a incursão de muçulmanos no século 7", disse a professora Mwaura.
Apesar disso, alguns especialistas dizem que
a prevalência do islã na região não explica por si só a ausência de um papa
africana nos últimos dois milênios.
Segundo Bellitto, o processo para eleger um
novo pontífice se tornou um "monopólio italiano" ao longo do tempo.
Contudo, ele afirma que as chances de um papa
vindo da Ásia ou da África nas próximas décadas são altas, uma vez que o número
de católicos no hemisfério sul supera o do hemisfério norte.
De fato, o catolicismo tem se expandido mais
rapidamente na região da África Subsaariana hoje do que em qualquer outro
lugar.
Os dados mais recentes mostram que havia 281
milhões de católicos na África em 2023. Isso equivale a 20% da congregação
mundial.
Mas a professora Mwaura argumenta que,
"embora o cristianismo seja muito forte na África, o poder da igreja ainda
está no Norte, onde sempre estiveram os recursos".
"Talvez, à medida que isso continue
crescendo e se torne algo muito forte dentro do continente, chegue o momento em
que teremos um papa africano", afirmou.
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Fonte: BBC News África

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