Chris Hedges: Trumplândia
Os fascistas cristãos e oligarcas que
alegremente entregam a Donald Trump a sua caneta Sharpie e ordens executivas
não estão travando uma guerra contra o "estado profundo", a esquerda
radical ou tentando nos proteger de “antissemistas”. Eles estão travando uma
guerra contra fatos verificáveis, o Estado de Direito e a transparência e a
responsabilidade que só são possíveis com uma imprensa livre, o direito à
dissidência, uma cultura vibrante e a separação dos poderes, incluindo um
Judiciário independente.
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Todos esses pilares de uma sociedade aberta,
como detalho em meu livro "A Morte da Classe Liberal",
foram degradados muito antes de Trump. A imprensa, inclusive a radiodifusão
pública, a academia, o Partido Democrata, uma cultura banal e corporativizada,
um Judiciário que serve à classe bilionária e um Congresso comprado por
lobistas foram esvaziados. São facilmente eliminados. Poucos querem se levantar
para defendê-los. Eles nos traíram. Que morram.“A perda da classe liberal cria
um vácuo de poder preenchido por especuladores, mercadores da guerra, gangsters
e assassinos, muitas vezes liderados por demagogos carismáticos,” escrevi
em "A Morte da Classe Liberal", em 2010. “Abre-se a porta
para movimentos totalitários que ganham destaque ao ridicularizar e zombar da
classe liberal e dos valores que afirmam defender. As promessas desses
movimentos totalitários são fantásticas e irreais, mas as suas críticas à classe
liberal são baseadas na verdade.”
O fascismo nasce de um liberalismo falido que
renunciou ao seu papel tradicional em uma democracia capitalista. Ele não mais
ameniza os piores excessos da classe dominante e do império através de reformas
incrementais e parciais. Ele repreende e moraliza os trabalhadores
desprivilegiados que traiu.
Os veículos de mídia priorizam o acesso aos
poderosos mais do que a verdade. Amplificaram mentiras e propaganda para nos
lançar na guerra contra o Iraque. Enalteceram Wall Street e nos asseguraram que
era prudente confiar as nossas economias a um sistema financeiro administrado
por especuladores e ladrões. Nossas economias foram destruídas. Alimentaram-nos
com as mentiras do Russiagate. Atendem servilmente ao lobby
israelense, distorcendo a cobertura do genocídio e dos protestos universitários
para demonizar palestinos, muçulmanos e estudantes manifestantes. Dançam
conforme a música dos seus anunciantes e patrocinadores corporativos. Tornam
invisíveis amplas parcelas da população cujas misérias, pobrezas e queixas
deveriam ser o foco principal do jornalismo.
As universidades se transformaram em
corporações. Administradores seniores, que muitas vezes têm um diploma de MBA e
pouca ou nenhuma experiência em educação superior, juntamente com técnicos
esportivos com potencial de gerar lucro para a universidade, são altamente
remunerados, com salários de centenas de milhares de dólares — com técnicos de
elite e reitores recebendo milhões.
Um pouco mais de 10% dos cargos docentes
agora são efetivos. Quase 45% são empregos temporários ou de meio período. Um
em cada cinco é um cargo de tempo integral, mas sem estabilidade. As
universidades, ao reduzirem drasticamente os cargos efetivos e adequadamente
remunerados, tornaram-se extensões da economia de “bicos”. Professores
temporários e pós-graduandos muitas vezes são obrigados a recorrer ao Medicaid,
dar aulas em outras instituições, dirigir para Uber ou Lyft, trabalhar como
caixas, entregar comida para Grubhub ou DoorDash, passear com cães, cuidar de
casas, servir mesas, trabalhar em bares e morar com quatro ou seis pessoas em
um apartamento ou no sofá de um amigo.
Um corpo docente mal remunerado e sem
segurança no emprego não levanta questões que desafiem a narrativa dominante,
seja sobre desigualdade social, corporações predatórias, os crimes do império,
o genocídio israelense ou nosso estado de guerra permanente. Se o fazem, são
demitidos. Enquanto isso, administradores universitários seniores recebem bônus
por “redução de despesas”, aumentando mensalidades e taxas, cortando pessoal e
reprimindo salários. Essa instabilidade garante aos doadores ricos que a ideologia
neoliberal que está devastando o país — além de permitir o genocídio em Gaza —
não será questionada por acadêmicos temerosos de perderem os seus empregos. Os
ricos e poderosos são louvados. Os trabalhadores pobres, incluindo aqueles
empregados pela universidade, são esquecidos.
Como apontou Irving Howe em seu ensaio de
1954 “Esta Era da Conformidade”, a “ideia da vocação intelectual —
a ideia de uma vida dedicada a valores que não podem ser realizados por uma
civilização comercial — perdeu gradualmente o seu encanto. E é isso, mais do
que o abandono de um programa específico, que constitui a nossa derrota.” A
crença de que o capitalismo é o motor incontestável do progresso humano,
escreve Howe, “é propagada por todos os meios de comunicação: propaganda
oficial, publicidade institucional e escritos acadêmicos de pessoas que, até
alguns anos atrás, eram seus principais opositores.”“As pessoas verdadeiramente
impotentes são os intelectuais — os novos realistas — que se apegam aos centros
de poder, onde entregam a sua liberdade de expressão sem ganhar relevância
alguma como figuras políticas,” observou Howe. “Pois é crucial para a história
dos intelectuais americanos nas últimas décadas — assim como para a relação
entre ‘riqueza’ e ‘intelecto’ — que sempre que eles se absorvem nas instituições
acreditadas da sociedade, não apenas perdem a sua rebeldia tradicional, mas, de
certo modo, deixam de funcionar como intelectuais.”
Os dois partidos dominantes [nos EUA]
venderam a farsa do neoliberalismo para desindustrializar o país, impor uma
austeridade brutal, erradicar as liberdades de organização e desmantelar
regulamentações que protegiam o público da exploração. Deram poder às
corporações para explorarem e consolidarem a sua riqueza e poder, dando origem
ao capitalismo monopolista e a alguns dos maiores níveis de desigualdade de
renda e de riqueza da história estadunidense. Os bancos, as comunicações, as
indústrias de petróleo, armamentos, agricultura e alimentos garantem lucros
manipulando preços, contornando ou mesmo abolindo normas financeiras,
sanitárias e ambientais, e explorando ou abusando os seus trabalhadores. Este
ataque às regulamentações do New Deal — prestes a ser completamente obliterado
sob Trump — desprivilegiou a classe trabalhadora que, em desespero, votou em um
demagogo para salvá-la.
Com o fim do financiamento para as artes,
artistas — como a radiodifusão pública, que foi concebida para dar voz a quem
não estivesse preso a interesses corporativos — passaram a depender de
patrocínios e doações corporativas. O resultado foi o enfraquecimento da
integridade artística e jornalística.
Friedrich Nietzsche, em “Além do Bem
e do Mal”, sustenta que apenas algumas pessoas têm a força para olhar o que
ele chama de poço fundido da realidade humana. A maioria evita cuidadosamente
esse poço. Artistas e filósofos, para Nietzsche, são consumidos por uma
curiosidade insaciável, uma busca pela verdade e desejo de significado. Eles
descem às entranhas do poço fundido. Chegam o mais perto possível antes que as
chamas e o calor os expulsem de volta. Essa honestidade intelectual e moral,
escreveu Nietzsche, tem um preço. Aqueles queimados pelo fogo da realidade
tornam-se “crianças queimadas”, órfãos eternos.
A cultura em uma democracia funcional é
radical e transformadora. Expressa o que há de mais profundo em nós. Dá
palavras à nossa realidade. Faz-nos sentir e ver. Permite-nos empatizar com os
diferentes e oprimidos. Revela o que está acontecendo ao nosso redor. Honra o
mistério.
“O papel preciso do artista, então, é
iluminar essa escuridão, abrir caminhos pela vasta floresta,” escreveu James
Baldwin, “para que não percamos, em meio a tudo o que fazemos, o objetivo disso
tudo, que é, afinal, tornar o mundo um lugar mais humano para viver.”
A guerra contra a investigação intelectual
independente, a arte e a cultura serve para nos impedir de olhar para o poço,
para tornar o mundo um lugar mais “humano” para viver. As “pessoas queimadas”
foram silenciadas ou marginalizadas. Cerca de 16.000 livros foram banidos de
escolas e bibliotecas antes mesmo de Trump assumir o cargo — proibições que se
aceleram à medida que mais livros são expurgados de escolas e bibliotecas. A
cultura em Estados autoritários celebra um passado idealizado que nunca existiu
e um presente autoiludido.
A cultura de massas alimenta a sede humana
por ilusão, excitação, felicidade e esperança. Vende um patriotismo cego e o
mito do progresso material eterno. Incita-nos a construir imagens de
celebridades ou de nós mesmos para adorar, especialmente nas redes sociais. O
resultado tem sido um declínio cultural cuja apoteose será o Jardim dos
Heróis de Trump e a suntuosa festa de Natal que está sendo planejada
este inverno no Kennedy Center em Washington.
Políticos dos dois partidos dominantes [nos
EUA] são financiados pelo dinheiro obscuro fornecido por bilionários e
corporações. Esses políticos, em nosso sistema de suborno legalizado, fazem a
vontade de seus donos no Congresso. O filósofo político Sheldon Wolin chamou
esse tipo de governo de “totalitarismo invertido”. O totalitarismo invertido
mantém as instituições, símbolos, iconografia e linguagem da antiga democracia
capitalista, mas, internamente, as corporações assumiram todos os mecanismos de
poder para acumular lucros e controle político. Usa o sistema legal
internacional para saquear recursos no mundo em desenvolvimento, inclusive
derrubando governos que desafiem a dominação corporativa. Prioriza o lucro em
detrimento da justiça. Enfraquece as leis trabalhistas e elimina proteções e
direitos dos trabalhadores.
A dinamitação, executada pela administração
Trump, dessas instituições apodrecidas e corruptas marcará o fim da experiência
estadunidense e a transição do totalitarismo invertido para a ditadura.
Inaugurará uma distopia corporativa, que se parecerá, embora em forma muito
mais cruel, com o capitalismo totalitário da China — com sua vigilância estatal
onipresente, censura draconiana, classe dominante não eleita e sem prestação de
contas e repressão a movimentos populares, incluindo sindicatos. Desceremos ao
mundo do pensamento mágico que é a marca de todos os despotismos — um mundo
onde a linguagem que usamos para nos descrever e descrever a nossa sociedade
não tem relação com a realidade.
É imperativo, para o projeto autoritário, que
todas as instituições independentes, por mais enfraquecidas ou apodrecidas que
estejam, sejam neutralizadas. Trump, segundo reporta a Axios, tem “atacado” as
“pesquisas falsas” que mostram a sua queda de popularidade, e pedido que os
veículos que as publicam sejam “investigados por fraude eleitoral.” Este é o
sentimento de todos os ditadores. Banir fatos inconvenientes. Uma vez que essas
instituições sejam silenciadas ou capturadas, as rachaduras no antigo edifício
que permitiam uma dissidência tímida serão seladas. O medo será o cimento da
coesão social. Críticas mornas serão criminalizadas. Segurança interna,
controle migratório e gastos militares serão generosamente financiados, criando
uma versão própria de Trump do Estado profundo sem prestação de contas,
enquanto programas sociais serão desfinanciados ou encerrados.
Central para esse projeto será o culto ao
grande líder. A servidão abjeta ao grande líder ficou evidente na celebração
dos 100 primeiros dias de Trump com seu gabinete, todos com bonés azul-marinho
e vermelhos à sua frente com a inscrição “Gulf of America”. A Procuradora-Geral
Pam Bondi, em uma demonstração típica de bajulação durante a reunião, exaltou:
“Sr. Presidente, seus primeiros 100 dias superaram em muito os de qualquer
outra presidência neste país, jamais, jamais. [Eu] nunca vi nada igual, obrigada.”
Trump terá seu desfile militar de
aniversário, seus dois mastros de bandeira de 30 metros de altura nos jardins
da Casa Branca e, talvez, se os projetos de lei propostos no Congresso forem
aprovados, terá o seu rosto esculpido no Monte Rushmore, ao lado de George
Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln e Theodore Roosevelt. Ele verá o
seu aniversário tornar-se feriado federal, o seu rosto em novas notas de 250
dólares e o Aeroporto Internacional de Washington Dulles ser renomeado
para Aeroporto Internacional Donald J. Trump. Ele construirá o
seu Jardim Nacional dos Heróis dos EUA. E, é claro, conseguirá a
revogação da 22ª Emenda para poder cumprir um terceiro mandato. Presidente
vitalício!“As crianças serão ensinadas a amar os EUA,” entoou Stephen Miller
com ar de Svengali. “As crianças serão ensinadas a ser patriotas. As crianças
serão ensinadas em valores cívicos nas escolas que quiserem financiamento
federal. Então, ao fecharmos o Departamento de Educação e fornecer fundos aos
estados, vamos garantir que esses recursos não estejam sendo usados para
promover a ideologia comunista.”
As víboras de Trump estão apagando o que
resta de nossa sociedade aberta, colocando os toques finais no trabalho sujo
iniciado por bilionários e corporações. Este é o fim de um processo. Não o
começo. Trump teve muita ajuda.
Há uma palavra para aqueles que fizeram isso
conosco.
Traidores.
¨
Trump diz que magnatas
da internet agora estão "beijando sua bunda"
Em um
discurso para estudantes da Universidade do Alabama na quinta-feira,
o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que se os
jovens querem ter sucesso, eles devem "quebrar o sistema", citando
como exemplo de suas conquistas o fato de que os magnatas da internet agora estão
"beijando sua bunda".
“Se
você olhar para essas pessoas na internet, eu conheço muitas delas. Elon Musk é fantástico,
mas agora eu conheço todos eles. Eles me odiavam no meu primeiro mandato e
agora estão puxando meu saco. É impressionante, de verdade. Embora esteja muito
melhor agora”, disse o presidente.
Trump enfatizou
a importância dos valores conservadores em um discurso
na Universidade do Alabama, contrastando-os com os da Universidade Harvard, que ele atacou por
defender a diversidade de opinião e para a qual congelou mais de US$ 2 bilhões
em fundos federais.
“Acreditamos
na liberdade e na família. Em Deus e no país. Celebramos nossa Constituição,
reverenciamos nossa Bíblia e saudamos nossa bandeira”, disse Trump a
mais de 30.000 formandos da Universidade do Alabama. Ele também disse que
a polícia deve ser honrada e que os homens não devem ter permissão para
competir em competições femininas, uma política
central de sua administração que visa excluir pessoas transgênero.
Trump afirmou
que o futuro não será escrito pelo "Harvard Crimson", mas pela
"Crimson Tide", o lema da Universidade do Alabama, um dos
estados mais conservadores e com a votação mais dividida racialmente no país.
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Fonte: Brasil 247/El Diário

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