Brasil não teve retrocesso fiscal, mas parou
no tempo, avalia economista
O economista José Roberto Afonso, um dos pais
da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ressalta que o processo de construção
da regra foi "o mais democrático possível", e, para ele, apesar da
deterioração das contas públicas desde 2014, quando o governo passou a poder
entregar rombo nas contas públicas, ele avalia que não houve retrocesso e ainda
elogia a transparência, que é maior do que em vários países.
"Não vi retrocessos, mas, sim,
desinteresse em completar a adoção das regras fiscais: não se criou limite para
dívidas federais, nem a sua reavaliação; não se criou conselho para regular
gestão fiscal e premiar gestões bem sucedidas: e a principal lacuna, não se
aprovou outra lei complementar para reger contas públicas, no lugar da vigente
desde 1964", afirma o professor do IDP e da Universidade de Lisboa.
Em meio ao crescimento dos valores destinados
às emendas parlamentares, que somam mais de R$ 50 bilhões, neste ano,
comprometendo a gestão orçamentária pelo Executivo, Afonso avalia que essas
emendas "têm um aspecto positivo: asseguram e elevam o investimento
público". Segundo ele, "é preciso tornar mais eficiente esse
processo, como ao criar um banco de projeto e ter maior interação entre os
Poderes, para se privilegiar projetos mais necessários ao
desenvolvimento".
Ao comentar sobre a tendência de aumento da
dívida pública bruta em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), Afonso minimiza
o risco de calote do Tesouro Nacional, uma vez que afirma confiar que "o
Brasil encontrará um bom mix de política econômica, que controle a dívida, de
forma harmônica com demais variáveis econômicas". Ao mesmo tempo, minimiza
os temores do mercado sobre as bombas fiscais. "Aliás, há décadas que
sempre se diz que uma bomba fiscal explodirá e nunca tivemos moratória interna,
salvo no Plano Collor."
<><> A seguir, a íntegra da
entrevista:
• A
LRF completa 25 anos. Como foi o processo de construção da lei e qual o seu
balanço ao longo desse período?
O processo foi o mais democrático possível, a
começar por consulta pública, por acolher sugestões de outros governos e
sociedade antes do evento ao Congresso, que ampliou proposta e aprovou com
quórum de emenda constitucional, e depois o Supremo Tribunal Federal (STF)
sacramentou. Em 25 anos, a lei atingiu sua maioridade e marcou uma mudança
cultural no país, na forma como se trata e se encara as coisas e contas
públicas.
• O
senhor acha que houve mais retrocessos do que avanços nesses 25 anos?
Mais avanços, certamente. Não vi retrocessos,
mas, sim, desinteresse em completar a adoção das regras fiscais: não se criou
limite para dívidas federais, nem a sua reavaliação; não se criou conselho para
regular gestão fiscal e premiar gestões bem sucedidas: e a principal lacuna,
não se aprovou outra lei complementar para reger contas públicas, no lugar da
vigente desde 1964.
• Qual
sua avaliação do arcabouço fiscal? A regra melhorou ou piorou a LRF? É correto
achar que a regra está sendo cumprida com tanto desconto de gastos?
A lei de 2023 (do arcabouço) só se aplica à
União e é focada na dívida pública. Tem um alcance menor do que a LRF, aplicado
a todos os governos e dita regras também receitas, gastos, patrimônio... As
metas da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), ditadas pela LRF, me parece que
estão sendo cumpridas.
• Um
dos maiores entraves das contas públicas tem sido o forte aumento de emendas
parlamentares, que superam R$ 50 bilhões, neste ano. Mas tudo indica que o
governo não vai conseguir reduzir essa fatura. Como o governo vai conseguir
cumprir as metas fiscais previstas no Projeto de Lei de Diretrizes
Orçamentárias (PLDO)?
É paradoxal, mas as emendas têm um aspecto
positivo: asseguram e elevam o investimento público. Esta era a conta em que,
antes, sempre se jogava todo o peso do ajuste fiscal, menos inteligente. O que
se precisa é tornar mais eficiente esse processo, como ao criar um banco de
projeto e ter maior interação entre os Poderes, para se privilegiar projetos
mais necessários ao desenvolvimento.
• O
que o senhor acha do projeto de lei de isenção do Imposto de Renda para quem
ganha mais de R$ 5 mil e ainda com medidas compensatórias incertas enviado ao
Congresso? Pode estimar o impacto da medida nas contas públicas dos governos
federal e regionais?
A LRF exige que mensuração dos efeitos e
respectiva compensação sejam apresentados junto com a proposta que cria uma
renúncia. Confio que o Executivo tenha feito, ou o Legislativo deveria devolver
o projeto.
• Analistas
apontam várias bombas fiscais sendo armadas pelo Congresso e pelo próprio
governo neste ano e nos próximos. Como o senhor avalia isso e qual será o
impacto nas contas públicas. Vamos continuar vendo o governo entregar deficit
até o fim desta década?
A LRF exige que a LDO, dentre outros relatos,
seja acompanhada de um mapa de riscos fiscais. O Brasil é muito transparente e
competente nessa matéria, muito mais que outros países. Isso permite ter um
quadro dos potenciais impactos e seu respectivo debate. Aliás, há décadas que
sempre se diz que uma bomba fiscal explodirá e nunca tivemos moratória interna,
salvo no Plano Collor.
• Ao
olhar para a dívida pública bruta, que está perto de 80% do PIB pela
metodologia do Banco Central — patamar antes considerado insustentável para
países emergentes, mesmo sem considerar as bombas fiscais. Mas economistas e
integrantes do governo menos fiscalistas tentam comparar com a de países como
Japão e Estados Unidos para minimizar o problema, por que é errado fazer esse
tipo de comparação?
Me permita discordar e ser muito fiscalista e
considerar que as comparações internacionais são uns dos elementos de análise.
É notório que, em todo o mundo, a dívida pública tem trajetória ascendente
depois da crise de 2008 e da pandemia da covid-19. A dívida brasileira cresceu
menos e está abaixo da observada na China e nos EUA, dentre outras. O mais
importante, ao meu ver nessa confrontação, é o fato de que o Brasil é das
grandes nações que têm reduzida participação de estrangeiros em sua dívida — na
casa de 10%, como Índia e China. Isso é radicalmente diferente das economias
avançadas que dependem muito mais de financiamento externo. Não custa lembrar
que, assim, nos tempos de covid-19, quando se fez um aumento extraordinário e
muito forte da dívida pública, foi coberto pelos brasileiros, até porque, na
crise, se prefere emprestar para quem tem o menor risco numa economia,
justamente o governo.
• O
senhor falou que um dos problemas da LRF foi o desinteresse em aplicar limite
para a dívida pública federal. Ela, pode ser menor do que a de países
desenvolvidos, agora, mas projeções indicam a continuidade do crescimento do
endividamento. Isso não preocupa? Como evitar uma explosão da dívida pública?
A Constituição exige dois limites para a
dívida federal, a consolidada, pelo Senado, e só a mobiliária, pelo Congresso…
A LRF só regulamentou e pediu uma proposta ao governo: O ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso enviou, mas as dívidas nunca foram votadas. A estadual e
municipal fixou uma trajetória e funcionou muito bem. Hoje, ambos níveis de
governo devem muito menos do que em 2000. O mesmo caminho poderia ser adotado
para União, e a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado voltou a
examinar a matéria. Quem se preocupa com aumento de dívida deveria defender
vigorosamente fechar essa lacuna. Mas, eu temo que alguns adoram reclamar, mas,
no fundo, só querem justificar mais Selic e também querem governo e Banco
Central livres para emitir e os socorrer, na hora da crise, como ocorreu em
2008 e em 2020. Cada país adota sua política financeira, como achar melhor. Em
relação ao PIB, a dívida da China dobrou em 10 anos, e supera a brasileira, na
casa de 90% do PIB, e ninguém fala no assunto. Talvez, porque apenas 4% dessa
dívida está na mão de estrangeiros. Mesmo na Europa, a maioria dos governos
mediterrâneos têm dívida acima de 100% do PIB, e isso pouco rende espaço nos
jornais. Talvez porque a maior parte dessa dívida esteja na mão do BC europeu e
de bancos alemães. Confio que o Brasil encontrará um bom mix de política
econômica, que controle a dívida, de forma harmônica com demais variáveis
econômicas. É um erro achar que política fiscal seja independente de monetária,
cambial, comercial, industrial, e vice-versa. A maior preocupação com a dívida,
hoje, no Brasil, é a de um senhor banco privado, de uma companhia aérea
colorida, como ainda foi de uma grande loja de departamentos. Nesses casos,
eles podem quebrar e os credores perdem parte ou muito do que a eles
emprestaram. Um risco como esses não existe em relação ao Tesouro Nacional.
• O
Estado cobra, mas não entrega. Por Gilberto Menezes Côrtes
O discurso liberal de que o Estado brasileiro
é pródigo em cobrar impostos ou morder (de uma forma ou de outra) o bolso do
cidadão-contribuinte (que é eleitor) deve ganhar tração com o episódio. E pode
ser um argumento contra a intenção do governo Lula de completar a Reforma
Tributária (que, por enquanto, está apenas no papel em relação aos impostos
sobre o consumo, pois só começa a valer em 2027) com a justiça fiscal no
Imposto de Renda das pessoas físicas. Como se sabe, o governo enviou ao
Congresso Projeto de Lei para isentar, a partir de 2026, de descontos mensais
do IR quem ganhar até R$ 5 mil. E a faixa até R$ 7 mil terá descontos
escalonados.
Para compensar a renúncia de R$ 27 bilhões em
impostos para a classe média, o governo propôs aumentar em 10%, e de forma
escalonada, o IR de 141 mil brasileiros que ganhem acima de R$ 50 mil mensais
(R$ 600 mil/ano), incluindo a tributação de dividendos para residentes no
exterior. A tabela é crescente: renda anual de R$ 750 mil a R$ 900 mil,
alíquota de 5%, com imposto mínimo a pagar de R$ 45 mil; renda anual de R$ 900
mil a R$ 1,05 milhão, alíquota de 7,5%, com IR mínimo a pagar de R$ 78,75 mil;
renda anual de R$ 1,05 milhão a R$ 1,2 milhão, alíquota de 10%, com IR mínimo
de R$ 120 mil. Na média, os super ricos pagam apenas 1,49% de IR atualmente.
Trata-se de um projeto de justiça fiscal, mas a oposição, insuflada pela Faria
Lima, há de resistir com a munição do caso INSS, que é apenas uma grossa
corrupção.
São duas visões em debate: a proposta do
governo Lula para avançar nos programas sociais e financiá-los com recursos
recolhidos na tributação sobre os mais ricos; e a recusa do mercado financeiro,
que insiste em cortes das despesas com programas sociais, para garantir
recursos para pagar os juros da dívida pública. As duas visões tiveram
metáforas famosas. No “milagre brasileiro” de Delfim Netto, o economista Edmar
Bacha disse que o Brasil se assemelhava à Belíndia – uma minoria com renda da
Bélgica e a maioria pobre como a Índia do começo dos anos 70. Décadas depois,
Delfim deu o troco quando Bacha era um dos esteios do Plano Real, dizendo que o
país mais se parecia a Ingana - cobrava impostos da Inglaterra (para cobrir
esqueletos parafiscais deixados por Delfim&cia), mas prestava serviços
públicos de Gana.
Outro argumento recorrente entre os liberais
invoca as razões da revolta dos colonos americanos contra a cobrança de
impostos sobre o selo e o chá pela Coroa britânica. Os recursos ajudariam a
custear os gastos com a guerra contra a França (Portugal fez algo parecido com
o “quinto”, ou seja, 20% sobre o ouro de Minas Gerais para custear a
reconstrução de Lisboa, após terremoto). Os pais da Independência americana
repetiram o mote dos barões que levaram à criação da Carta Magna no século XIII
para limitar o poder dos Reis em criar impostos: “No Taxation, without
representation”. Ou seja, se não temos representação no Congresso (a Câmara dos
Lordes), não vamos pagar impostos.
Acontece que a estrutura da tributação no
Brasil – até aqui assentada nos impostos sobre o consumo - que representa 65%
da carga tributária – é o inverso do que ocorre nos 34 países da OCDE,
incluindo os Estados Unidos e os europeus, onde a maior carga incide sobre a
renda e o patrimônio. No Brasil, os consumidores mal sabem dos impostos que
pagam nas contas de luz e telefone, escritos em letras miúdas como nos
contratos de seguro. São os consumidores que pagam os impostos, mas os
comerciantes, prestadores de serviços, industriais e banqueiros reclamam da
carga tributária e dos impostos que recolhem (devidamente cobrado de nós nos
preços dos bens e serviços que nos vendem).
A reforma tributária vai tornar os impostos
explícitos a cada nota fiscal de compra. Mas ainda temos 17 meses para esperar.
A transparência na conta dos impostos é fundamental para que o
cidadão-contribuinte-eleitor tenha consciência do seu papel na sociedade. É com
o seu, o meu, o nosso dinheiro recolhido em impostos que o Estado (governo
federal, estadual ou prefeitura) pode oferecer (bons ou sofríveis) serviços
públicos.
Um exemplo de como a tributação sempre recai
sobre o cidadão-contribuinte foi dado pela Amazon. A maior empresa de compras
“online” dos Estados Unidos passou a discriminar nas notas fiscais de produtos
importados “made in China”, o valor dos impostos do tarifaço imposto por Donald
Trump. Isso deixou Trump irritado com Jeff Bezos, o dono da Amazon, pois seu
discurso era de que estava taxando os produtos chineses. Mas o preço da
proteção à indústria americana será pago com aumento de preços (e da inflação)
pelo consumidor americano. Tal como aconteceu no Brasil com o “imposto das
blusinhas”.
<><> Gleisi diz que fim da escala
6x1 será prioridade do governo no Congresso
A ministra da Secretaria de Relações
Institucionais (SRI), Gleisi Hoffmann, afirmou que a redução da jornada dos
trabalhadores será uma das prioridades do governo no Congresso. "O debate
sobre o fim da escala 6x1, que limita a vida além do trabalho, será encaminhado
junto às comissões pertinentes, para envolvermos a sociedade e todos os setores
abrangidos pelo tema", disse Gleisi em publicação na rede social X.
"Queremos ouvir a todos(as)! Com diálogo
e decisão política, é possível avançar sim. Mais empregos, desenvolvimento e
mais justiça para os trabalhadores(as) é o que precisamos promover",
complementou a ministra.
O tema pautou os atos em comemoração ao Dia
do Trabalhador na última quinta-feira, 1º. Na capital paulista, todos os
presidentes das centrais sindicais defenderam a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 8/25 que propõe a redução da jornada de trabalho.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
em seu pronunciamento oficial pelo Dia do Trabalhador, também falou sobre a
medida. Ele disse que o governo vai aprofundar o debate sobre a redução da
jornada. "Está na hora do Brasil dar esse passo, ouvindo todos os setores
da sociedade", afirmou em rede nacional de rádio e televisão na noite da
quarta-feira, 30.
Na última semana, o presidente da Câmara dos
Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que a Câmara deve discutir o
tema nos próximos dias e que a Casa dará "tratamento institucional" à
matéria. Na sequência, ele afirmou que, apesar de ser uma medida simpática para
a população, é preciso verificar o seu "impacto negativo" e a
"viabilidade".
"Não dá também para ficar vendendo
sonho, sabendo que esse sonho não vai se realizar. Eu acho que isso é uma falta
de compromisso com o eleitor", afirmou Motta. Ele também disse que, até o
ano eleitoral de 2026, a Câmara deve procurar uma "condução equilibrada e
serena" das votações.
Como mostrou a Coluna do Estadão, o líder do
PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), tentará convencer o presidente da Comissão
de Constituição e Justiça (CCJ), Paulo Azi (União-BA), a colocar a proposta em
votação nesta semana. O colegiado é a primeira etapa de tramitação do texto, de
autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP).
"A fala do Lula deu grande fôlego para
que o fim da escala 6x1 seja pautada na CCJ", disse Lindbergh à Coluna. A
pauta do governo está travada na Câmara por conta da pressão do PL pela
anistia, mas o PT vê oportunidade de fazer a agenda do Planalto avançar com o
acordo entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) para reduzir penas
dos condenados do 8/1.
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Fonte: Correio Braziliense/JB

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