Ben Norton: As tarifas de Trump aceleram a
desdolarização: mundo vende ativos em dólar e busca alternativas
Donald Trump deixou claro que um de seus
principais objetivos é manter a dominância do dólar estadunidense como moeda de
reserva global.
Durante a sua campanha presidencial em 2024,
Trump prometeu punir qualquer país que buscasse alternativas ao dólar, impondo
tarifas exorbitantes.
"Muitos países estão abandonando o
dólar. Eles não vão abandonar o dólar comigo!", Trump declarou em um
comício. "Eu direi: 'Se abandonarem o dólar, não farão negócios com os
Estados Unidos, porque vamos impor uma tarifa de 100% em seus produtos'".
No entanto, desde que Trump retornou para seu
segundo mandato como presidente dos EUA, as suas tarifas e guerra comercial
têm, na verdade, acelerado o declínio da dominância do dólar, em vez de
freá-lo.
<><> A desdolarização
avança
A desdolarização antes estava associada
principalmente a países do Global Sul — especialmente os membros do BRICS,
organização fundada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, que se
expandiu e agora representa 42% do PIB global (PPC) e 55% da população mundial.
As tarifas de Trump, no entanto,
turboalimentaram a desdolarização, e agora não são apenas governos que buscam
alternativas ao dólar por razões geopolíticas, mas também grandes instituições
financeiras e investidores.
O principal jornal britânico The Guardian
destacou que "as tarifas de Trump colocam o status de refúgio seguro do
dólar em risco". O veículo escreveu que "os investidores questionaram
o impensável: será que o dólar estadunidense está perdendo o seu status
inabalável de ativo seguro?".
O Financial Times publicou uma análise do
chefe global de pesquisa de câmbio do grande banco alemão Deutsche Bank, George
Saravelos, que alertou:
"Estamos testemunhando um colapso
simultâneo no preço de todos os ativos estadunidense - incluindo ações, o dólar
em relação a outras moedas de reserva e o mercado de títulos. Estamos entrando
em um território desconhecido no sistema financeiro global".
O analista do Deutsche Bank escreveu:
"O mercado está se desdolarizando
rapidamente. É notável que os mercados internacionais de financiamento em dólar
e a base cambial permaneçam estáveis. Em um cenário típico de crise, o mercado
estaria acumulando liquidez em dólar para garantir financiamentos para a sua
base de ativos estadunidenses. Esse desequilíbrio do dólar é o que acaba
acionando as linhas de swap do Fed. Aqui, a dinâmica parece muito diferente: o
mercado perdeu a fé nos ativos estadunidenses, então, em vez de fechar a lacuna
entre ativos e passivos acumulando dólares, está ativamente vendendo os
próprios ativos dos EUA. Escrevemos há algumas semanas que a política do
governo dos EUA está incentivando uma tendência à desdolarização para proteger
investidores internacionais da 'armamentização' da liquidez em dólar. Agora
estamos vendo isso acontecer em tempo real, em um ritmo mais rápido do que até
nós esperávamos."
<><> Disfunção no mercado de
títulos dos EUA
Normalmente, quando as ações estadunidenses
caem, os títulos se valorizam. Geralmente há uma relação inversa entre essas
classes de ativos.
No entanto, a extrema incerteza em torno das
tarifas de Trump fez com que ações e títulos do Tesouro dos EUA caíssem
simultaneamente, causando uma séria disfunção no mercado de títulos.
Os rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA
de 10 anos aumentaram, à medida que investidores estrangeiros os vendiam. A
dívida do governo dos EUA não era mais vista como um ativo seguro.
As tarifas de Trump irritaram até mesmo
aliados de longa data, como o Japão, a ponto de o ministro das Finanças do
país, Katsunobu Kato, sugerir que Tóquio poderia vender títulos do Tesouro dos
EUA — arriscando agravar a instabilidade no mercado de títulos dos EUA — como
uma "carta" em suas negociações comerciais com Trump.
Tóquio resistiu às tarifas do governo Trump
nas negociações EUA-Japão, e legisladores japoneses condenaram Trump como
"um moleque delinquente extorquindo alguém".
O Japão é o maior investidor estrangeiro em
títulos do Tesouro dos EUA, com US$ 1,13 trilhão em suas reservas até fevereiro
de 2025.
O segundo maior detentor estrangeiro de
títulos do Tesouro estadunidense é a China continental, com US$ 784 bilhões.
O Wall Street Journal alertou que a
guerra comercial de Trump contra a China "reativou temores de que Pequim
possa usar os mercados financeiros para retaliar Washington", despejando
títulos do Tesouro estadunidense.
Depois de anunciar tarifas contra vários
países em 2 de abril — data que chamou de "Dia da Libertação" —,
Trump suspendeu essas taxas, aplicando uma tarifa geral de 10% ao resto do
mundo. No entanto, ele fez uma exceção para a China.
Trump lançou uma guerra comercial nuclear
contra a China, impondo uma tarifa impressionante de 145% sobre produtos
chineses (embora tenha recuado pouco depois, criando exceções para celulares,
computadores, semicondutores e outros eletrônicos fabricados na China).
Isso causou uma repercussão imediata nos
Estados Unidos.
"À medida que Trump desmonta o sistema
global de comércio e critica publicamente o Federal Reserve, investidores estão
questionando cada vez mais o status de refúgio seguro do dólar e dos títulos do
Tesouro", escreveu o FT.
<><> China acelera seus esforços
de desdolarização
O Financial Times relatou
que “a China está silenciosamente se diversificando dos títulos do Tesouro dos
EUA”. Observou que, embora Pequim procure limitar a sua exposição a ativos dos
EUA há uma década, a guerra comercial de Trump apenas acelerou esse processo.
Anteriormente, os esforços de desdolarização
da China eram comparados a andar em uma “corda bamba”. Agora, eles são muito
menos cautelosos.
A China reduziu as suas participações
oficiais em títulos do Tesouro dos EUA em mais de 27% entre janeiro de 2022 e
dezembro de 2024, observou o jornal. Isso foi muito mais rápido do que o
período de 2015 a 2022, quando a China reduziu suas participações em 17%.
“Fiquei meio surpreso com isso: as
participações da China em ativos financeiros dos EUA, como percentual do PIB
chinês, voltaram ao patamar em que estavam quando a China entrou na OMC…”
[Título do gráfico: Reservas cambiais chinesas e suas participações nos EUA
como percentual do PIB chinês]
Funcionários chineses têm dois grandes
temores: um, que Washington possa congelar e/ou confiscar as participações de
Pequim em dívidas do governo dos EUA; e dois, que o governo dos EUA possa,
essencialmente, dar um calote na sua dívida.
Em resposta à guerra na Ucrânia em 2022, os
EUA e a União Europeia congelaram aproximadamente US$ 300 bilhões em ativos
denominados em dólares e euros pertencentes ao banco central da Rússia. Muitos
funcionários ocidentais pediram para tirar esse dinheiro de Moscou e usá-lo
para financiar o esforço de guerra da Ucrânia.
O congelamento ocidental dos ativos da Rússia
seguiu-se a apreensões semelhantes de ativos pertencentes à Venezuela, Irã,
Afeganistão, Síria e RPDC (Coreia do Norte).
Funcionários chineses temem ser o próximo
alvo do unilateralismo agressivo de Washington.
Outra preocupação é que o governo Trump
possa, na prática, dar um calote nas obrigações do governo dos EUA.
O principal assessor econômico de Trump,
Stephen Miran, propôs que Washington poderia forçar países estrangeiros a
trocar as suas participações em títulos do Tesouro dos EUA por títulos de 100
anos sem cupom (ou seja, sem pagamento de juros). Isso significaria que, com a
inflação, o valor desses títulos diminuiria significativamente ao longo do
tempo, e as nações estrangeiras estariam, portanto, subsidiando o governo dos
EUA.
Em um discurso explicando a estratégia
tarifária de Trump, Miran argumentou que os países “poderiam simplesmente
emitir cheques para o Tesouro que nos ajudassem a financiar bens públicos
globais”.
Essa proposta de política faz parte de um
hipotético “Acordo de Mar-a-Lago” que o governo Trump quer impor aos parceiros
comerciais dos EUA.
Economistas chineses argumentam que isso
constituiria um calote de fato por parte do governo dos EUA.
O Financial Times citou
declarações feitas em uma conferência em abril por um conselheiro do governo
chinês que anteriormente foi membro do Comitê de Política Monetária do Banco
Popular da China, Yu Yongding. Ele argumentou que, se o governo Trump fizesse
isso, seria o equivalente a um calote da dívida.
Yu disse sobre a proposta de Miran: “Isso
representa uma enorme ameaça para a China, e podemos acabar pagando um preço
muito alto”.
Na China, observou o FT, “alguns
acadêmicos influentes estão agora defendendo uma mudança em direção à
desdolarização total, em vez de ajustes graduais na composição dos ativos
denominados em dólar”.
Em vez de comprar mais títulos do Tesouro dos
EUA, os funcionários chineses estão investindo em dívida soberana de outros
países, especialmente da Europa. Isso inclui títulos alemães e suíços, e até
mesmo, potencialmente, títulos japoneses.
O Banco Popular da China também tem comprado
grandes quantidades de ouro.
Os bancos centrais de muitos outros países,
especialmente aqueles que são membros ou demonstraram interesse em aderir ao
BRICS, têm acumulado ouro na última década.
Esse é um dos principais motivos pelos quais
o preço do ouro disparou.
Muitos bancos centrais compraram ouro
devido à incerteza e aos temores de apreensões de ativos motivadas
politicamente. Mas essas razões não são apenas geopolíticas, também são
econômicas.
Dados do FMI mostram que as reservas oficiais
de ouro caíram continuamente durante os anos 1990 e início dos anos 2000, mas
após a crise financeira de 2008 nos Estados Unidos, as reservas de ouro
dispararam.
Isso foi um sinal claro de que os bancos
centrais estrangeiros temiam a instabilidade no sistema financeiro dos EUA e
viam o ouro como um investimento potencialmente mais seguro do que ativos dos
EUA.
<><> A estratégia de
“cercamento total” do governo Trump contra a China não está indo como o
planejado
Com suas ameaças tarifárias, o governo Trump
queria forçar os aliados dos EUA a se unirem a Washington em uma estratégia
agressiva de contenção contra a China.
O bilionário gestor de fundos de hedge que
atua como secretário do Tesouro de Trump, Scott Bessent, admitiu isso
abertamente.
Bessent disse que o governo Trump estava
pressionando o Japão, a Coreia do Sul, o Vietnã e a Índia a seguirem as ordens
de Washington e “abordarem a China em grupo”, segundo a Bloomberg.
O objetivo dos EUA é isolar a China por meio
do que Bessent descreveu como um plano de “cercamento total”.
No entanto, essa estratégia não está indo
como o governo Trump esperava.
Após Trump inicialmente anunciar tarifas
altíssimas tanto sobre a China quanto sobre o Vietnã, o presidente Xi Jinping
viajou ao país do Sudeste Asiático para uma reunião amistosa. Lá, Pequim e
Hanói assinaram 45 acordos, aprofundando sua cooperação.
O presidente chinês visitou posteriormente a
Malásia e o Camboja.
Pequim também obteve avanços diplomáticos com
Seul e Tóquio.
No final de março, poucos dias antes de Trump
declarar guerra comercial ao mundo inteiro, os ministros do comércio da China,
Coreia do Sul e Japão se reuniram em Seul para as primeiras conversas
econômicas em cinco anos.
Apesar de suas significativas diferenças
políticas, as ameaças econômicas de Trump aproximaram essas três nações do
Leste Asiático. O mesmo está acontecendo em outras regiões.
Uma pesquisa publicada em abril pela empresa
francesa Ipsos descobriu que, “pela primeira vez, mais pessoas em todo o mundo
dizem agora que a China tem um impacto mais positivo no mundo do que os EUA
(49% contra 46%)”.
Fonte: Brasil 247

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